Tolerância e elevação

O declínio preocupante da confiança dos cidadãos no sistema político e nos seus representantes encontra uma das suas explicações na ausência de sentido de Estado por parte dos eleitos e, sobretudo, na inaceitável tendência para os sectarismos, responsáveis por remeterem para segundo plano a principal missão: privilegiar e defender a causa comum.

Por Alexandre Faria, escritor, advogado e presidente do Estoril Praia

O exercício pleno dos cargos políticos implica elevadas responsabilidades, exteriorizadas pela confiança na integridade moral da gestão pública, na mediação dos interesses das comunidades e na reciprocidade e interdependência da relação entre quem governa e quem elege. Mas três das maiores vertentes da responsabilidade eleitoral assentam no estímulo da cidadania, na audição, tolerância e envolvimento das diferenças de opinião, e na elevada capacidade de decidir em prol dos outros, em detrimento de agendas pessoais meramente casuísticas.

Os direitos implicam responsabilidades e qualquer gestão saudável necessita de uma cidadania ativa e de reconhecer as ideias dos adversários. O declínio preocupante da confiança dos cidadãos no sistema político e nos seus representantes encontra uma das suas explicações na ausência de sentido de Estado por parte dos eleitos e, sobretudo, na inaceitável tendência para os sectarismos, responsáveis por remeterem para segundo plano a principal missão: privilegiar e defender a causa comum.

Fáceis de detetar pelos mais atentos e perspicazes, vários são os exemplos onde o maniqueísmo e a intolerância proliferam, extravasando inclusive a política. Desde as manifestações de séquitos virtuais nas redes sociais, responsáveis por denegrir em vez de valorizar, aos aplausos histéricos dos dependentes, às ameaças de votações que podem colocar em perigo os caminhos comuns de desenvolvimento de um país, passando por comportamentos primários em campos de futebol quando o resultado final não agrada.

A solução não reside na procura de maiorias absolutas, mas na sapiência da tolerância perante a correlação das diversas forças em presença, no respeito pelas posições contrárias e na extrema necessidade de compreender que as opções em torno do bem comum devem prevalecer, em quaisquer circunstâncias, sobre os meros interesses individuais que apenas satisfazem pequenas comitivas regimentadas.

A elevação de um ser humano é, na maioria dos casos, inata. Porém, a educação desde o berço e a cultura ajudam consideravelmente, devendo ser prosseguidas para o desempenho de um papel mais relevante e diferenciador na sociedade. Quando a ausência da elevação e da tolerância se fazem notar ou começam a escassear, o fosso entre os eleitos e os eleitores tenderá a aumentar, prejudicando a essência da democracia e a nobreza de caráter exigível a quem governa. Porque a causa comum compete a todos, sem exceção.