O Presidente teve sempre razão

Marcelo tentou tudo para que o Orçamento não fosse chumbado. António Costa não. Porque será?

Em 1979, Mário Soares deixou Belém «livre como um passarinho», após ter-lhe sido comunicada a exoneração do II Governo Constitucional pelo então Presidente da República, Ramalho Eanes, na sequência da rutura da coligação entre o PS e o CDS. Nos três meses seguintes, Nobre da Costa, Mota Pinto e Maria de Lourdes Pintassilgo chefiaram os três executivos de iniciativa presidencial, até à realização de eleições, no início de dezembro de 1979, que conduziram a AD de Sá Carneiro ao poder.

Em 1985, Cavaco Silva conquistou a liderança do PSD no congresso da Figueira da Foz, rompeu com o Governo de Bloco Central de Soares e Mota Pinto e conquistou a sua primeira vitória eleitoral, formando Governo com apoio minoritário na Assembleia da República. Durou dois anos, sendo derrubado por uma moção de censura apresentada pelo eanista PRD. Nessa altura, o líder socialista era Vítor Constâncio, que foi a Belém confiante que o Presidente da República e fundador do PS, Mário Soares, daria a sua bênção à solução por si preconizada e que consistia na formação de um Governo com o apoio parlamentar do PS, do PRD e do PCP – forças políticas que tinham aprovado a moção de censura ao Executivo de Cavaco Silva e asseguravam maioria parlamentar. Na altura, porém, o Presidente Soares optou por não convidar Constâncio a formar Governo mas sim convocar eleições antecipadas. Que vieram a dar a primeira maioria absoluta a Cavaco Silva, com quem Mário Soares sempre manteve um enorme distanciamento e uma maior ainda rivalidade.

Anos mais tarde, em finais de 2001, com o escândalo da Casa Pia a rebentar e uma significativa derrota do PS nas eleições autárquicas, António Guterres demitiu-se do Governo e Jorge Sampaio convocou legislativas antecipadas. Que ditaram uma maioria parlamentar do PSD de Durão Barroso com o CDS de Paulo Portas. Não obstante todas as históricas divergências entre os sociais-democratas herdeiros do cavaquismo e o ex-diretor do jornal assumidamente mais anticavaquista, O Independente, Durão e Portas acertaram agulhas e imediatamente formaram Governo de coligação.

Dois anos e meio volvidos, porém, Durão Barroso demitiu-se, trocando a chefia do Governo português pela presidência da Comissão Europeia. Ferro Rodrigues era o líder do PS e foi a Belém defender junto de Jorge Sampaio que o Presidente devia convocar eleições antecipadas em vez de dar posse a Santana Lopes como primeiro-ministro. Amigo pessoal de Ferro, mas bem sabendo das fragilidades internas do PS sob a sua liderança, Sampaio não satisfez a vontade do amigo e deu posse a Santana. Ferro demitiu-se da liderança do partido e José Sócrates avançou e repôs ordem no partido.

Seis meses passados, já em 2005, não obstante o Governo de Santana Lopes e Paulo Portas contar com apoio maioritário na Assembleia da República, Sampaio lançou mesmo a bomba atómica e convocou eleições antecipadas, aproveitando o pretexto da demissão do ex-ministro Adjunto do primeiro-ministro que oito dias antes tinha sido nomeado ministro da Juventude, do Desporto e da Reabilitação. Feita a contagem, as urnas ditaram uma maioria absoluta do PS (a única até hoje), sob a liderança de José Sócrates.

Mais seis anos decorreram e, em 2011, José Sócrates – reeleito em 2009 sem maioria absoluta – viu Cavaco Silva dissolver a Assembleia da República na sequência da sua demissão após o chumbo do PEC e do pedido de resgate que faria a troika entrar em Portugal. Das eleições seguintes resultaria uma nova maioria de coligação entre o PSD e o CDS, com o Governo chefiado por Pedro Passos Coelho.

Quer isto dizer que sempre que os Presidentes da República – Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva – usaram a chamada bomba atómica, dissolvendo a Assembleia da República, e convocaram eleições antecipadas, o voto expresso nas urnas deu-lhes sempre razão, ou confirmando a mudança de ciclo ou – como no caso até aqui excecional de Cavaco Silva em 1987 – dando condições reforçadas para governar (ou seja, uma maioria absoluta).

E em caso algum dessas eleições antecipadas resultou uma situação de instabilidade ou de ingovernabilidade.

Como tem sido repetido por protagonistas de vários quadrantes nos últimos dias, em democracia haverá sempre soluções.

Além de que, como é frequente em política, tudo pode mudar de um momento para o outro.

E se muda…

Ou alguém, hoje, pode ter certeza do que quer que seja?