Escassez de matérias-primas: Os produtos que já faltam (ou estão prestes a falhar)

A escassez de várias matérias primas um pouco por todo o mundo não é nova. Chegou com a pandemia. Mas, com o passar do tempo, o problema fica cada vez mais difícil de resolver. Não se vê um fim à vista e há produtos que já estão a fazer falta. E entra aqui a lei…

Indústria automóvel. Um inferno para empresas e condutores

A falta de chips está a penalizar o setor automóvel. Fábricas param, a oferta é curta, os preços aumentam e tempo de espera também. Os responsáveis do setor não têm data para a resolução do problema e alguns perigos estão à vista. O setor dos componentes automóveis em Portugal pode perder cerca de quatro mil postos de trabalho este ano, quatro vezes a perda de emprego verificada em 2020, avisa o presidente da Associação de Fornecedores da Indústria Automóvel (AFIA). Quem é responsável? O setor dos chips está dependente de meia dúzia de produtores no mundo, nomeadamente asiáticos, que devido à pandemia e às catástrofes naturais, assim como por bloqueios comerciais, tem registado um forte condicionamento na produção. Uma questão que ganha maiores contornos, tendo em conta que um modelo médio usa cerca de 1500 chips.

Construção. Obras adiadas por falta de material

Aço, alumínio e cobre têm vindo a atingir máximos históricos. A pandemia aumentou a procura e provocou dificuldades na distribuição de materiais para a construção. Um setor que está à beira de uma espécie de cocktail molotov. A par destes materiais há que juntar ainda a falta de madeira para a carpintaria, o vidro para as fachadas e os painéis solares para as águas sanitárias. E o que está disponível, está a ficar mais caro. A escassez e a falta de stocks já estão a afetar o licenciamento de novas construções e a adiar trabalhos de acabamentos. As construtoras já admitem que, a manterem-se estas subidas, não será comportável assumirem o diferencial. A AICCOPN lembra ainda que os preços de referência do varão para betão, material essencial para as edificações, registaram já variações médias superiores a 35%.

Tintas. Faltam cores, produtos e até latas

Para já ainda é possível encontrar tintas em quase todos os locais mas não é certo que a situação continue como está. A indústria do setor está a passar por uma crise intensa na cadeia o que é uma má notícia se os projetos de mudanças na sua casa exigirem a cor azul. A título de exemplo a fabricante de tintas AkzoNobel, maior fabricante na Europa, disse à Bloomberg que estava a ficar sem materiais para fazer alguns tons de azul. O CEO Thierry Vanlancker disse que a dificuldade estava relacionada com a falta de uma certa tonalidade de cor básica, que é “extremamente difícil” de se obter. Mas há mais: o fabricante está com dificuldade em obter latas de metal para as tintas, além de não poder cumprir as entregas de tintas de parede exterior porque o produto necessário para impermeabilizar não está disponível.

Pausa nos jogos e não só. Até quando? Não se sabe

O simples ato de comprar uma PlayStation 5 pode ser uma dor de cabeça. Ou um computador ou um telemóvel. A culpa é da escassez de chips que afeta tudo o que seja eletrónico. Não significa que estes produtos não existam nas prateleiras das lojas mas a sua produção tem abrandado, o que terá – e está já a ter – reflexos na reposição. Por isso, para quem quer comprar, por exemplo, uma PlayStation 5, é muito provável que tenha que aguardar uns bons meses para conseguir ter nas mãos o novo brinquedo. É expectável que existam alguns condicionamentos nas compras de Natal ou até depois. Além disso, a Apple já anunciou que vai produzir menos 10 milhões do novo modelo 13.

Alimentação. Maior consumo e más colheitas ditam aumento de preços

A Organização das Nações Unidas (ONU) já veio alertar para o risco dos preços dos alimentos continuar a subir de forma ainda mais acentuada. E porquê? As matérias-primas agrícolas sobem com a conjugação do maior consumo e menor oferta por força das más colheitas. E há vários exemplos que vão sendo conhecidos. O preço do grão do café duplicou face a 2020 e não deve ficar por aqui. Também o trigo está 41% mais caro no mercado mundial, “devido à redução das disponibilidades exportáveis” num contexto de “forte procura”, de acordo com o último boletim mensal da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Para já, acredita que não haverá repercussão direta no pão ou na carne, embora outros custos possam fazer agravar os preços. Também o preço do pescado subiu 15% e os ovos vão pelo mesmo caminho.

Contentores. Valorização de 800%

O setor do transporte marítimo está a sofrer vários constrangimentos e a atrasar entregas. Em causa estão as dificuldades de transporte, engarrafamentos nos portos, escassez de matérias-primas e de contentores. Os números não são nada animadores: Importar um contentor custava, há um ano e meio, cerca de 500 dólares. Mas 18 meses depois, esse valor pode chegar aos 10000-15000 dólares. De acordo com o índice de commodities da Bloomberg, desde janeiro, o preço das matérias-primas aumentou 33%, um valor que não era alcançado desde 2015. E nos contentores, o índice Harpex, revela que este mercado registou uma valorização de 800% desde junho do ano passado.

Têxtil. Uma coleção de dificuldades

Uma indústria altamente exportadora que se vê a braços com várias dificuldades: aumento dos preços da energia, combustíveis, falta de matéria prima e ainda fretes marítimos. E o problema é que já há empresas têxteis a ponderar encerrar portas devido, principalmente, à escalada dos preços da energia. Mas não só: muitas são as empresas que já fazem contas e admitem não conseguir fazer face à subida ou escassez de matérias-primas. Segundo Mário Jorge Machado, presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), esta situação pode comprometer a retoma económica.Destaque ainda para o transporte marítimo que antes da pandemia demorava cinco semanas e agora pode demorar mais de três meses.

Papel. Escalada de preços faz tremer setor livreiro e de media

A crise energética aliada aos problemas nas cadeias de abastecimento já estão a encarecer os preços do papel. Um problema que afeta não só o setor livreiro, mas também o dos media. Já no início deste ano, vários analistas aprontavam para uma subida de preços da pasta de papel na ordem dos 740 dólares por tonelada na Europa, acima dos 680 dólares praticados em 2020. Um dos mais recentes casos desta crise verificou-se na Feira do Livro de Frankfurt, o maior certame do setor editorial, em que a pandemia desequilibrou o mercado de produção de papel e as gráficas alemãs entraram em pânico com a falta de matéria-prima. A somar a este problema há que contar com as falhas na produção de caixas de papelão e de materiais de embalagem ter sido “bloqueada” temporariamente face ao aumento da procura durante a pandemia.

Mobiliário. Falta de produtos já se nota

A falta de madeira de pinho vai levar ao fecho de empresas. O alerta assustador é do presidente da Associação das Indústrias de Madeira e Mobiliário de Portugal (AIMMP) que garante que a escassez de madeira de pinho e a subida do seu preço nos últimos meses vai provocar o encerramento de empresas do setor. A situação é “aflitiva”, disse Vítor Poças. E fala em números: o setor — que chegou a ter mais de mil serrações e que agora terá entre 350 e 400 — irá assistir a uma perda de mais empresas nos próximos anos, face à falta de matéria-prima e à subida de preço da mesma. Também por falta de matéria-prima, o IKEA anunciou recentemente que no ano de 2022 poderemos notar alguma escassez nos seus produtos, resultado de problemas na cadeia de abastecimento.

Moda e eletrodomésticos. A tempestade está criada

Os alarmes já soaram junto do setor vestuário. Do aumento do preço das matérias-primas – como o caso do algodão que é um dos mais emblemáticos– à demora na entrega está a afetar a produção desde os produtos básicos de uso diário à roupa de luxo produzida em Portugal para as grandes marcas do vestuário. Há empresas que apontam para subidas que variam entre os 30 e os 100%. Um cenário que se repete no calçado, com a APICCAPS a afirmar que “quer o custo, quer o abastecimento das matérias-primas passaram a estar no topo das preocupações dos empresários do setor”. Também no mercado dos eletrodomésticos, as notícias não são mais animadoras. Os preços subiram cerca de 10% e há quem espere quase nove meses por um artigo. A falta de chips, por um lado, e a de aço, por outro, ditam quase a tempestade perfeita.