José Ribeiro e Castro: “No PREC lutávamos contra os inimigos. Agora é contra membros do mesmo partido”

Para o antígo líder centrista, o que está a acontecer ao CDS ‘é das coisas mais graves que já aconteceu na história do partido’. Ribeiro e Castro diz que depois da eleição de Francisco Rodrigues dos Santos foi definida uma estratégia para ‘derrubá-lo’. Este ano, os ‘ataques’ começaram em janeiro, a seguir às presidenciais.

José Ribeiro e Castro: “No PREC lutávamos contra os inimigos. Agora é contra membros do mesmo partido”

Como vê esta ‘guerra’ interna no CDS?

É absolutamente lamentável que com o país numa crise política gravíssima, o partido tenha sido aprisionado por uma crise fabricada, provocada e que está a escangalhar a imagem do CDS, que já estava bastante amolgada. Os promotores disto fazem-no de propósito. O que se passa no CDS não tem nada a ver com o que se passa no PSD.

Mas estão os dois partidos com ‘guerras’ de liderança…

Sim, mas é uma questão meramente de calendário, porque, no CDS, o que se está a passar agora é a continuação de algo que aconteceu há dois anos. Esta crise começou no dia 26 de janeiro de 2020, quando foi eleito um presidente que não é produto do ‘grupo’, que está a ser alvo de ataque e mostra que na vida do partido há um grupo que não aceita as decisões dos congressos quando não lhe são favoráveis. E esse grupo não descansa.

A liderança foi disputada entre Francisco Rodrigues dos Santos e João Almeida, que anunciou agora a saída do Parlamento… 

Era Francisco Rodrigues dos Santos, João Almeida e Filipe Lobo d’Ávila, mas depois houve um acordo com Filipe Lobo d’Ávila depois de Francisco Rodrigues dos Santos ter ganho. No entanto, nessa altura, foi marcada uma estratégia de que era preciso derrubá-lo, minaram-lhe as condições de exercício político. Chegaram a fazer uma sugestão de que não podia ser eleito presidente, porque não era deputado. Isso significou o aviso: ‘Não tens deputados para fazer a tua política’. Mas, mesmo assim, o congresso foi soberano e decidiu. Os deputados estão a serviço do partido, não o contrário. 

Mas é o único partido cujo líder não é deputado…

Isso pode não ser um problema se os deputados se organizarem para colaborar com a direção, o que é o normal. Mas isso foi sempre um ponto muito frágil. Há um exemplo recente, que foram as últimas jornadas parlamentares do partido, que foram há poucos meses e foram precedidas de declarações do líder parlamentar assegurando que as pessoas que não estivessem à espera que houvesse problemas ou confrontos e que as jornadas parlamentares seriam de oposição ao Governo e não de oposições internas. No entanto, quem conhece os hábitos do partido, este anúncio fazia pronunciar o pior. E, de facto, o que assistimos à última hora foi ao anúncio de que Nuno Melo iria fazer uma intervenção desabrida contra a direção do partido, o que veio acontecer. As jornadas parlamentares acabaram por ser dominadas por esse ataque frontal do único deputado do Parlamento Europeu que o CDS tem. Nuno Melo poderia ter falado da questão da Hungria, da Polónia, ou de outras coisas gravíssimas que se passam na Europa, mas isso não lhe interessava.

A agenda era outra…

A agenda era outra, porque queria criar uma tensão insuportável nessas jornadas, porque no dia seguinte de manhã, o presidente do partido ia fechar as jornadas parlamentares. O presidente do partido esteve bastante bem. Disse o que tinha a dizer e não entrou nesse jogo. O CDS está debaixo de uma intifada por parte de um conjunto de pessoas que acusam o presidente do partido de agarrar a bola e de ir para casa, mas é ao contrário. Há um grupo que perdeu a bola, a bola passou para outra direção e esse grupo quer apanhar a bola à mão, com o pé, com o taco de hóquei, seja com o que for. 

O presidente tem estado sempre debaixo de fogo…

Sim, porque não pertence ao grupo que controlava o partido, que perdeu esse controlo e reage. Eles dizem: ‘Se perdemos o congresso, o congresso nunca acaba’. É sempre esta a palavra de ordem e há pessoas que apoiam isso porque são do campo dos que atacam.

Mas essa instabilidade também se refletiu agora quando foi necessário substituir um deputado e houve uma séria de recusas…

Isso faz parte do processo de substituição. As pessoas têm o direito de não aceder ao lugar, quer por razões da vida pessoal, quer por razões políticas. O problema não é esse, o problema é haver uma cultura de que o grupo parlamentar está ao serviço de si próprio, é como se houvesse uma direção política paralela do partido, em que não há um dever de articulação e de desenvolvimento da agenda do partido. Tudo isto faz parte do desgaste do partido.

O grupo parlamentar está ao lado de Nuno Melo…

Sim, faz parte da intifada, com a exceção da deputada Cecília Meireles, que tem tido um bom desempenho e tem sido mais discreta nas suas intervenções, ainda que tenha as suas posições internas, mas isso qualquer militante pode ter. Não é problemático. Faz parte da liberdade de pensamento político e de ação de cada um, mas de uma forma geral tem tido uma atuação correta. O problema é que as pessoas destacam-se e são mais conhecidas publicamente pelos ataques que fazem ao presidente do partido do que propriamente pelas intervenções que fazem no Parlamento sobre outras matérias. Isso também cria esse vício, a comunicação social já sabe que quando quer sangue do CDS pergunta a algum opositor e tem cabidela para servir à mesa.

Estava à espera que o partido chegasse a esta situação ou percebeu que esse caminho seria inevitável a partir das jornadas parlamentares?

Desde janeiro de 2020 que isso acontece. Este ano começou logo em janeiro, a seguir às eleições presidenciais. A crise que se passa agora com o conselho de jurisdição, com o conselho nacional, estas guerras, estes conflitos, etc., tem sempre o mesmo guião: foi algo que foi ensaiado e experimentado. A seguir às eleições presidenciais houve um ataque de Adolfo Mesquita Nunes para derrubar a direção, em que, nessa altura, queria precipitar o congresso. Ou seja, pretendia interromper o mandato e esse grupo muniu-se de um instrumento autoritário, que era um parecer vinculativo do conselho de jurisdição contra a forma de funcionamento do conselho nacional. Isso é completamente ilegal e inconstitucional. Este grupo, no seu discurso, fala em liberdade, mas depois socorrem-se de métodos autoritários de ação. Foi um conselho, mais uma vez, deplorável, uma tentativa de golpe de Estado institucional.

E saímos agora das eleições autárquicas. O resultado para o CDS não foi desastroso…

Não. Creio que o presidente do partido tem razão quando destaca que, apesar das condições muito difíceis em que recebeu o partido, conseguiu êxitos políticos que são importantes. Não há dúvida de que o CDS está hoje no Governo dos Açores, o que nunca tinha acontecido. Isso revela que, mesmo em situações fracas a direção do partido tem tido uma capacidade estratégica de fazer das fraquezas forças. Nas autárquicas, as opções da direção do partido foram geralmente muito boas, mesmo quando eram desagradáveis e com sacrifício próprio. Por exemplo, há uma questão clássica no CDS que é coligação da Meda. O CDS pelas regras das coligações tinha direito a liderar a lista quer em 2017, quer em 2021 porque nas autárquicas anteriores tinha tido mais votos que o PSD, mas o PSD da Guarda nunca aceitou isso. Em 2017, o CDS não se conformou com isso e foi sozinho. Resultado: ganhou o PS. Mesmo nessa altura, o CDS voltou a ter mais votos que o PSD, mas com uma diferença mais pequena e a cena repetiu-se: o PSD não aceitou, o CDS insistiu mas não conseguiu, talvez porque a diferença era mais pequena – antigamente era de 10% e passou para 1% – acabou por ceder, em nome do interesse geral, que a lista fosse liderada pelo PSD e o resultado foi tirar a câmara ao PS. Acho que é uma opção estratégica, que pode ser discutível, mas que teve bom resultado. Como houve outros bons resultados de coligações em Vila Viçosa, Portalegre, Barcelos. A estratégica autárquica do partido funcionou muito bem e foi mais uma câmara que se tirou ao PS. Em Lisboa, a linha que ataca o presidente do partido recomendou autênticos crimes do ponto de vista estratégico: que o candidato à câmara deveria ser o presidente do partido, que o CDS em caso nenhum deveria fazer coligação com o PSD, a menos que liderasse a coligação…

Seria um desastre?

Seria um desastre. Seria mau para o CDS, que seria vítima da sua própria cegueira e também seria mau para o centro-direita em Lisboa, que não teria ganho a câmara como foi ganha. 

Apesar da vitória ter sido uma surpresa…

Mas isso foi possível porque a estratégia e a escolha foram certas. E assim aconteceu em outros pontos do país. Ganhámos muitas câmaras, o grande vencedor da noite eleitoral foram as coligações PSD/CDS, porque o PSD perdeu câmaras, mas teve ganhos com as coligações com o CDS. Isso fez-me lembrar o que se passou em 2001, quando caiu o Governo de Guterres por causa disso, em que o grande vencedor da noite foram 16 coligações PSD/CDS que tiraram câmaras muito importantes ao Partido Socialista e levaram à queda do Governo. Não foi a candidatura sozinha de Paulo Portas, em Lisboa, que não serviu para nada, porque ganhou Pedro Santana Lopes. Não podemos diminuir essas votações do CDS, mas de facto a capacidade de nos coligarmos representa uma forma de nos afirmarmos e de vencermos o nosso adversário principal, que é a esquerda. O eleitorado não compreende que o CDS esteja ao serviço do crescimento da esquerda.

Esta instabilidade da direita poderá favorecer outros partidos, nomeadamente o Partido Socialista?

Isso é o que tem acontecido. Houve muitos erros estratégicos em 2015, em 2019 e em 2017, nas autárquicas, o que tem contribuído para o crescimento da esquerda. Por exemplo, em 2017 defendi uma estratégia que chamava de ‘estratégia do mapa cor-de-rosa’. Em que consistia? Previa que o PSD e o CDS articulassem uma política de coligações com o propósito de retirar ao Partido Socialista a maioria das câmaras. Houve muitas coligações, mas não norteadas por este princípio. Houve algumas coligações completamente irrelevantes do ponto de vista do resultado geral das eleições. O que aconteceu? Em 2017, o PS teve um resultado ainda melhor do que teve em 2013. E o PS em 2013 já tinha tido o melhor resultado de sempre nas autárquicas e em 2017 conseguiu ter um resultado ainda maior, fruto de erros estratégicos sérios das direções do PSD e do CDS. Isso teve um custo político muito desagradável e que levou à saída de Pedro Passos Coelho. Foi com uma grande pena que assisti a que isso acontecesse, foi lamentável, mas é uma consequência de um conjunto de erros que têm acontecido no espaço do PSD e do CDS e que têm favorecido a maioria de esquerda. Aliás, estou bastante inquieto com o que se está a passar porque estes ataques de Nuno Melo e dos seus companheiros objetivamente favorecem o Partido Socialista e objetivamente favorecem a formação de uma nova maioria de esquerda. Se tivermos uma nova maioria de esquerda nas eleições legislativas por causa dos golos na própria baliza dados pelos partidos de direita isso é lamentável. Nunca tivemos três maiorias de esquerda consecutivas em Portugal, houve duas, mas três não. E esse é que é o fator decisivo da mudança de política de Portugal.

Mas o PSD também está a disputar a liderança…

Sim, mas no caso do CDS entrámos numa fase de turbulência. Infelizmente é um processo absolutamente selvagem, com declarações inacreditáveis, como é o caso de não haver liberdade no partido. Nuno Melo, às vezes, parece que está de cabeça perdida, falando da União Soviética e na Coreia do Norte. Perdeu por completo a noção do que está a dizer e cultiva o exagero. É um discurso perturbado, que incendeia os ambientes e, nesta altura, precisávamos de calma e de pacificação. Estou absolutamente convicto de que  quem ataca a direção, se telefonasse a Francisco Rodrigues dos Santos para que pudesse haver uma concertação,  haveria um entendimento. Faz parte de quem ataca deixar de atacar para haver paz. E também faz parte de quem ataca reconhecer quem é o presidente do partido. O presidente do partido é quem os militantes elegeram no congresso. Mas a iniciativa desse contacto tem de partir de Nuno Melo. Se houvesse um espaço de extensão de concertação e assistíssemos a um desenvolvimento justo e equilibrado seria com certeza bem recebido por toda a gente e talvez nos permitisse sair deste estado de imagem lamentável que o CDS está nesta altura. No entanto, creio que esses ataques vão continuar seja quem for o vencedor, em que este terá muitas dificuldades. 

E perante esses ataques, o CDS corre o risco de desaparecer?

Sim, porque é uma política de terra queimada. Se não é para nós, não é para ninguém. Isso é o movimento que está em curso e que é visível pelas demissões que foram anunciadas. O Nascer do SOL deu a notícia de ‘debandada geral’ no princípio do mês de outubro. Se disseram isso é porque tiveram fontes que vos disseram isso, muito antes disto acontecer. E não foram fontes da direção do partido, são fontes dos críticos, dos opositores. É a este clima que chamo de ‘uma tentativa de segunda morte de Amaro da Costa’, que é de destruir o partido. Isto é muito triste.

Mas o partido vai ressentir-se da saída de pesos pesados do partido, como Adolfo Mesquita Nunes ou de António Pires de Lima….

Só posso lamentar isso. Mas as pessoas é que decidem e quando rompem têm palavras de crítica, agora dizerem que ‘num espaço onde não há democracia já não faço parte’ não faz sentido. 

Foi o que disse Pires de Lima…

Claro que existe liberdade, aliás, as pessoas o que veem de fora é que até existe liberdade a mais. As pessoas têm feito as críticas que entendem excessivamente, sem que se fosse introduzido qualquer processo disciplinar. Agora existem tentativas de manipulação, existe um comportamento sistemático de não reconhecimento das deliberações democráticas dos órgãos democráticos do partido. Isso não é democracia. Democracia é aceitar as decisões democráticas dos órgãos democráticos do partido e conformar-se com elas, aceitá-las como legítimas. Não é estar sempre a derrubar. O congresso nunca acaba. ‘Perdemos, o congresso não acabou’, ‘perdemos o conselho nacional, o conselho nacional não acabou, vamos continuar a discutir’, a comissão política a mesma coisa. É assim o sistema de funcionamento do partido.

É uma onda de criticas e de insatisfação constante…

Não é de insatisfação. É uma representação, as pessoas não estão realmente insatisfeitas. Estão insatisfeitas porque perderam o poder no partido. Um motivo de insatisfação são os resultados do congresso de janeiro de 2020. Por exemplo, em Lisboa, o presidente do partido fez listas integradas, não fez listas com pessoas apenas da sua fação. Houve o caso que me entristece e que se passou com o João Pedro Gonçalves Pereira – JP como lhe chamamos – que foi um vereador importante do CDS e tenho pena da forma como o caso evoluiu, mas ele escolheu um caminho de confrontação que não poderia dar bom resultado. João Pedro Gonçalves Pereira foi um excelente vereador do CDS, aliás, mais notório do que Assunção Cristas neste último mandato. E antes já tinha tido uma grande notoriedade no combate municipal e preparou o terreno sobre o qual Assunção Cristas depois montou a sua candidatura. É um vereador conhecido e estimado, mas infelizmente resolveu tornar-se uma ponta de lança do ataque à direção do partido e isso tem consequências políticas. João Pedro Gonçalves Pereira nunca poderia ser o primeiro do CDS na lista municipal porque na tradição do partido -– e também de outros partidos tanto quanto sei – o primeiro da lista é sempre uma pessoa da direção ou próxima dela. Mas sempre foi assim em todas as direções, no meu caso, quando fui presidente, foi Maria José Nogueira Pinto, na última foi a própria Assunção Cristas que era presidente do partido. Com Paulo Portas foi Telmo Correia que, aliás, não foi eleito. Antes tinha sido Paulo Portas o candidato. Daquilo que me consigo recordar há sempre uma pessoa que é próxima da direção do partido que é o primeiro nome da lista. João Pedro Gonçalves Pereira podia eventualmente ocupar o segundo lugar ou outra posição, mas sendo a causa do conflito que criou não teve essa hipótese e o protagonista foi Diogo Moura, que é o presidente da concelhia de Lisboa, que tem feito um trabalho que geralmente é apreciado e que é vereador. E não teria sido vereador se a direção do CDS tivesse seguido a estratégia louca que eles recomendavam. Se o CDS tivesse seguido a estratégia que inclusive Assunção Cristas chegou a recomendar para que Francisco Rodrigues dos Santos fosse o candidato e que jamais houvesse coligação com o PSD, a não ser que fosse o CDS a liderar, nem Diogo Moura seria vereador, nem Laurinda Alves, nem Filipe Anacoreta seriam vereadores. A direção do CDS tem agido em condições dificílimas, de extrema dureza para fazer vencer pontos de vista do partido e conquistar posições importantes em coligação com outros partidos e tem-no feito. Em Lisboa, a cabeça de lista à Assembleia Municipal é Isabel Galriça Neto que é uma pessoa bastante conhecida e com um estatuto próprio no CDS, mas que toda a gente sabe que não é afeta ao nível da direção.

Mas o facto de terem sido adiadas as eleições internas poderá ter agravado ainda mais esta instabilidade?

Para quem segue com atenção o CDS sabe que passasse o que se passasse eles contestavam. Foi marcado o congresso e contestaram a data. Depois foi desmarcado o congresso e contestaram essa desmarcação. Qualquer coisa que aconteça é motivo de discordância. Mas não me vou meter nesta questão que considero que é controvertida e não sou treinador de bancada. Não faço parte do conselho nacional, isso é uma competência estatutária do conselho nacional, onde estão representados todos os setores do partido, das distritais, os eleitos em congresso, ou seja, as pessoas que têm atividade partidária e, como tal, conhecem os convenientes e os inconvenientes do modelo de decisão e essa foi a decisão que tomaram. A polémica está a rolar e dizem-me que umas das razões que pesou nas pessoas que propuseram esse adiamento é que tinham receio que o congresso se tornasse num espetáculo deplorável e que arrasaria por completo a imagem do partido em cima da eleições e da campanha eleitoral. Vivi o conselho nacional de Óbidos e foi um momento muito difícil da história do partido, foi no final da minha presidência e não foi transmitido em direto pelas televisões, mas teria sido muito interessante ver o que se lá passou. E vendo o tipo de intervenção que a oposição interna tem seguido, às vezes, desbragada, não contendo as palavras, nem os adjetivos, abundando na explosão e na pólvora, isso obviamente seria um grande dano. De facto, o partido necessita de ter paz e calma para aqueles que venham a ser os candidatos e para que esses possam desenvolver a sua campanha, já partindo de uma situação muito difícil como é a atual, mas não precisávamos de fazer ainda pior.

Acha que Marcelo Rebelo de Sousa teve em conta as mudanças de liderança na direita no agendamento das eleições?

O que tenho dito desde o princípio é que os partidos devem dar mostras de maturidade e têm que estar sempre preparados para enfrentar as crises políticas quando elas acontecem. Isso é o seu business, a sua especialidade, sobretudo quando todos votaram para produzir a crise política. A crise política ocorre porque no Parlamento aconteceu uma determinada votação, obviamente que isso não é da responsabilidade do PSD e do CDS.

Estava à espera desse desfecho ou pensou que à última hora a esquerda deixaria passar o Orçamento?

Fiquei sempre com essa dúvida. Cheguei a escrever um artigo que intitulei ‘Duas dúvidas de 24 horas’, no sentido que eram duas questões que estavam em dúvidas: uma à esquerda, outra à direita e que em 24 horas se saberia. Mas até ao final houve esse suspense. Mas a responsabilidade principal dessa crise é do PCP e do Bloco e do PAN. Do PAN menos, ainda assim, podia ter votado a favor, mas escolheu abster-se. O que estamos a assistir é a crise da dissolução da maioria de esquerda. É um PEC IV autoinfligido e, por isso, também digo que a saída desta crise vai ser ganha por quem meter menos golos na própria baliza. É um jogo de futebol esquisito, em que as pessoas não marcam golos na baliza adversária, mas marcam na própria. Portanto quem meter menos pode ganhar. A crise à esquerda aconteceu porque a esquerda resolver golear-se e à direita vemos o PSD e o CDS entretidos a marcar golos na própria baliza. Aquilo que desejo é que isso acabe no PSD e no CDS e nos possamos virar positivamente para as eleições, que é o grande desafio que temos. 

Várias personalidades escreveram uma carta aberta ao Presidente da República a pedir tempo para o PSD e o CDS escolherem o líder…

Não seria capaz de dar esse conselho ao Presidente da República. Os partidos é que têm de dizer. Se essas personalidades querem fazer isso têm bom remédio: inscrevem-se nos partidos e, a partir daí, participam. Acho que os treinadores de bancada não ajudam muito. E preocupa-me uma coisa: creio que devemos poupar o Presidente da República ao desgaste inevitável desta crise. Ele já tem algum grau de desgaste e isso é um fator de perturbação do seu mandato muito grande e aquilo que se conhece destas crises é que quanto mais tempo se arrasta, mais ela apodrece. É preciso que esse apodrecimento não alastre além do estritamente necessário e sobretudo não contamine outras entidades que não têm nada a ver com a geração da crise. E o Presidente não é o gerador da crise.

Mas deu vários alertas antes….

Exato, por isso digo que não é gerador da crise, mas será envolvido e vai ficar comprometido se começar a jogar no meio da crise. É muito perigoso dar conselhos ao Presidente para entrar em matérias que não são da sua responsabilidade. Creio que na situação em que está o país, o bem maior do ponto de vista do Presidente da República é que conserve de uma maneira inatacável o seu capital de último ardo da situação política, o seu prestígio e a sua autoridade. E isso é preservado quanto mais distância mantiver relativamente aos desenvolvimentos dos atores da crise. 

Mas a imagem de Marcelo já estar a sair desgastada…

Isso é inevitável. O Presidente falou com clareza e ninguém reclamou contra essas prevenções do Presidente, o que é sinal que estava a dizer a verdade porque se estivesse a falar de dissolução e se não fossem essas as intenções nem do Bloco, nem do PCP, nem do PS, eles seriam os primeiros a chamar a atenção para que não o dissesse. Todos aceitaram porque sabiam o que se passava no seu campo, mas obviamente que depois é sujeito a críticas por parte dos tais treinadores de bancada ao dizerem que Marcelo Rebelo de Sousa não deveria ter falado em dissolução. Eu não daria esse conselho ao Presidente porque acho que tem inteligência e experiência suficiente para decidir fazer o que entender melhor. Agora é importante que toda a gente aceite e compreenda a decisão que é norteada apenas pelo interesse geral. E não por cartas abertas seja de quem for ou por sugestões de A ou de B ou por interesses do partido A ou do partido C ou da fação X ou da fação y. Isso é gerar condições para uma situação ainda mais complicada. 

Voltando à saída dos militantes. Podemos assistir a uma maior debandada?

Acho que sim. Disse isso, na altura, sentia que estávamos no princípio, mas é uma situação que não desejo. Não sei se foi por ter dito isso que pararam. A acreditar na vossa manchete ‘Debandada geral’ e outras que saíram no mesmo sentido há um plano a ser executado.

E esses militantes podem ir para partidos como o Iniciativa Liberal?

Não sei. E não me interessa a partir da altura em que saem do CDS deixa de ser matéria da minha competência. Cada um fará o que entender. Nestas coisas é preciso deixar passar o tempo e a verdade é como a azeite vem sempre ao de cima e acabaremos por ver o que efetivamente se passa. 

Paulo Portas arrasou recentemente a direção do CDS ao comparar a ‘uma associação de estudantes com más práticas’. Como vê essas acusações?

Não sei se se dirigia à direção do CDS. A mim pareceu-me que se dirigia ao conselho nacional de jurisdição, porque este é que teve uma prática própria de um grupo de estudantes com más práticas porque emitiu uma decisão caricata que é absolutamente ridícula. Em primeiro lugar, não tinha fundamento. Não há nenhuma decisão jurídica sem fundamentação. Depois, violou um princípio fundamental em qualquer ato jurisdicional que é o contraditório, não posso decidir sobre alguém ou sobre boato de alguém sem o ouvir. Não houve contraditório e isso foi uma violação gravíssima do Estado de direito e isso sim é próprio da Coreia do Norte que tanto preocupa Nuno Melo. Além disso, não conheço e creio que ninguém conhece os documentos que foram enviados ao conselho nacional e que depois foram tornados públicos, não consta sequer a impugnação e os fundamentos dessa mesma impugnação para que as pessoas pudessem saber quais eram os fundamentos. E é grave que pessoas que são advogadas e professores de direito se prestem a isto, onde existe uma séria violação de deveres profissionais e até deontológicos. Isso é uma coisa que me preocupa que são pessoas que conheço e que estimo, como Diogo Feio – que foi um excelente deputado no Parlamento Europeu e foi uma pena não ter continuado e é uma pessoa normalmente equilibrada, capaz e competente – e outros se prestem a situações destas. Dá muito a ideia do ambiente tóxico que este tipo de intifadas gera e que envolvem pessoas que estão nestas matérias por solidariedade política e depois são arrastadas a praticar atos que até vão contra os seus próprios deveres deontológicos e profissionais. Depois, há membros do conselho de jurisdição que legalmente não podem lá estar, portanto estão a violar a lei. Como é possível que pessoas que têm de aplicar a lei e os estatutos do partido estejam numa situação ilegal. 

Portas disse ainda ‘ficará sempre a dúvida de que o fez com medo de as perder’…

Acho que fez mal em dizer isso. É claro que tem as suas simpatias e quem faz estes ataques ao CDS são os seus próximos. Não posso estranhar que Paulo Portas tenha esse tipo de intervenção, agora como antigo presidente do partido esperava-se uma palavra clara de condenação em relação aos atos contínuos de rebeldia e à instabilidade contínua que anda a ser feita desde que esta direção foi eleita. Todos estes atos têm de ser reprovados, porque mostram uma falta de respeito pela democracia num partido fundador da democracia em Portugal como é o CDS. As pessoas podem ter as suas simpatias mas era preciso que ajudasse a pôr um pouco de ordem no partido. E também se prejudica a ele próprio: se de facto está em curso um plano de destruição do CDS não fica bem a um ex-presidente do partido estar associado a ele e o que está a ser feito ao CDS é das coisas mais graves que já aconteceu na história do partido. Como já disse, é a segunda tentativa de morte de Amaro da Costa. 

Disse recentemente que faz relembrar os tempos do Processo Revolucionário em Curso (PREC)…

Só que no PREC lutávamos contra os nossos inimigos. Agora a luta é contra membros do mesmo partido. Isso é uma coisa bastante deplorável e projeta uma imagem péssima.

Francisco Rodrigues dos Santos disse esta semana que tinha legitimidade política e formal para liderar o CDS nas legislativas. Mas é certo que está a terminar o mandado no final de janeiro…

Sim, mas ainda está em funções. 

Não faria mais sentido haver eleições internas antes?

Não me vou pronunciar sobre esta questão. Essa questão pertence ao conselho nacional, não faço parte do conselho nacional e não vou fazer de treinador de bancada. O mandato termina, salvo erro, a 26 de janeiro e não quer dizer que seja automático. O partido tem várias experiências de mandatos que foram prolongados por alguns meses, creio que num caso até por um ano, no tempo de Paulo Portas por circunstâncias diferentes. Isso, às vezes, acontece por acerto de calendário, em que estava previsto ser em janeiro e passou para março. E nos últimos anos houve vários casos de prolongamento do mandato. Estou de acordo que os congressos sejam feitos no seu tempo normal e o seu tempo normal seria em janeiro, agora aconteceu esta circunstância de uma crise política. 

Se Orçamento tivesse passado não seria tão urgente….

Exatamente. Se o Orçamento tivesse passado tinha-se feito o congresso normalmente e já estávamos a caminho das datas de 27 e 28 de novembro. O que está a criar um problema enorme é a questão dos prazos, porque há prazos para fazer coligações, para a apresentação de listas. A posição do partido, pode-se concordar ou não, mas não tem nada a ver com cobardia. A direção do partido pode ser acusada de várias coisas, mas tudo menos cobardia. Tem tido uma grande coragem para enfrentar uma oposição interna com uma agressividade que raramente se viu. 

No fundo, a esquerda prejudicou a direita…

Fez um teste e os partidos de direita estão a responder mal ao teste. Essa é que é a grande tristeza. Tenho apostado há bastante tempo numa reforma do sistema eleitoral, em cumprimento com o que está na constituição de um sistema misto, etc. Porque estamos numa situação em que os eleitores olham para tudo isto e fogem. O problema já não é apenas saber se vão votar no CDS, ou no PSD mas é se vão votar em alguém. 

E isso vê-se pelas elevadas taxas de abstenção…

A forma como o sistema político funciona afugenta as pessoas. As pessoas ficam arrepiadas com isto. Quando estes são os exemplos da liderança para o país e este é o ambiente em que são gerados, as pessoas obviamente receiam o seu futuro coletivo. Esta crise é ilustradora do problema. O que está aqui em discussão? O poder de quem vai fazer as listas. Isso significa que o processo se tornou completamente ilegítimo, em listas participadas, em que a militância participa e a ideia de que as carreiras políticas das pessoas são livres e assentes no seu mérito desapareceu, com a lógica dos diretórios, dos aparelhos e daquilo a que chamo de grupos/grupinhos e grupetas. As listas passaram a ser fechadas, quem está com o chefe está, quem não está não está. E isso produz estas lutas. Espero, e aquilo que é desejável, e não posso pôr no mesmo plano a direção legítima de um partido que foi eleita num congresso que é posto em causa por pessoas que querem recuperar esse poder, é que houvesse uma aprovação de um regulamento de formação de listas o mais breve possível. E que essas listas fossem feitas de acordo com esse regulamento. Em 2015 não houve um regulamento e isso foi mau, porque teve consequência negativas internamente. 

Nuno Melo já veio admitir que poderá recorrer ao Tribunal Constitucional para anular o adiamento do congresso…

Mas isso faz parte desta guerrilha. Depois, se calhar, vai para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, depois se calhar vai para a Assembleia-Geral das Nações Unidas, isto faz parte de uma agitação que já vai para além do razoável. O que está em curso é bom que pare, porque o que está em curso é um plano de destruição do partido, para que não fique pedra sobre pedra. É preciso que as pessoas reajam contra quem está a fazer isso. Não é apenas a apresentação de uma candidatura e tenho aqui um programa, umas ideias. É uma manobra para derrubar a direção e se necessário a destruição do CDS. 

Falou na reforma do sistema eleitoral. Porque não avança?

A razão pela qual as pessoas não votam hoje é porque não confiam na eleição e naqueles que elegem. Isto é, não consideram que os deputados são os seus representantes. Esta é a razão principal, depois há outras: ‘Não me apetece’, ‘Vou para a praia’, tudo é mais importante do que ir votar. Mas basicamente o eleitorado vê o sistema político funcionar desta maneira considera que os representantes não são representantes do eleitorado, são representantes dos chefes. Ou seja, o sentido de representação inverteu-se, em vez dos deputados representarem o eleitor junto do poder representam o poder junto dos cidadãos e isto é negativo. É necessário devolver a democracia à cidadania e isso é uma reforma que se pode fazer nos termos da Constituição, não precisa de nenhuma revisão constitucional. É um sistema de círculos plurinominais e nominais articulados que mantém perfeitamente a proporcionalidade na representação parlamentar e o engenho desta articulação permite que sejam os cidadãos a ter uma palavra determinante na escolha direta de muitos deputados e na influência da escolha dos outros. Quando o sentido do processo político democrático se inverter – hoje é um processo de cima para baixo, em vez de ser um processo de baixo para cima – tudo muda. Os deputados sabem que têm de prestar contas aos eleitores e não aos chefes – também têm que prestar obviamente contas à liderança do partido – mas as suas carreiras dependem principalmente do grau de satisfação do eleitorado e dos tipos de serviços que prestam. E nessa altura passaríamos a ter uma democracia muito mais saudável e palhaçadas como esta que estamos a viver deixariam de fazer sentido, porque estes deputados, para serem deputados, não dependem de ser aliados de A, B ou C, não dependem da grupeta a que fazem parte, dependem do seu prestígio junto do eleitorado. São pessoas que serão senhores da sua própria carreira política pelo seu mérito e construirão partidos muito mais saudáveis e com outro tipo de debates muito mais elevados. Creio que o sistema eleitoral que defendo é o toque de midas de solução para uma série de problemas do nosso sistema político. 

Por que razão ainda não foi aceite esta ideia?

É muito estranho, porque a revisão constitucional, em 1997, permitiu isto. Os problemas que vivemos já eram de tal forma intensa em 1997 que, nesse ano, foi possível fazer o mais difícil que é uma revisão constitucional que permitisse essa reforma, mas depois estranhamente os partidos – todos eles, de uma forma geral – afastaram essa hipótese. Ainda houve uma tentativa breve em 1998 de avançar com essa reforma, mas parou na Assembleia da República num debate tempestuoso bastante ácido e depois não se voltou a falar mais. E a razão é muito simples, com o sistema atual os cidadãos perdem imenso, perdem capacidade de influir no sistemas, mas ganham os Donos Disto Tudo – os donos dos aparelhos, dos sistemas internas, dos grupos, das oligarquias internas – e este sistema permitia que o sistema respirasse e que os cidadãos passassem a ter voto na matéria. 

E implicaria ter menos deputados?

Não acho que fosse necessário. Poder-se-ia fazer desde que se mantivesse a justiça do sistema e sobretudo se assegurasse uma tripla representatividade: a do território, a dos cidadãos e a das correntes políticas.