Milão. La Madonnina

Joga-se amanhã o Milan-Inter, o maior dos derbies do ‘calcio’, desta vez com o Milan com mais sete pontos do que o campeão Inter.

Na grande praça no centro da cidade ergue-se Il Duomo, a catedral. Uma das mais extraordinárias exibições do estilo gótico cuja construção começou em 1386 sob o comando do arcebispo Antonio da Saluzzo. Gótico flamejante, dizem. Um edifício imenso de 157 metros de comprimento e 109 de largura. Uma montanha arrepiante de pedra e mármore cuja cúpula só foi concluída em 1510 e enfeitiçada com mil estátuas no teto. Uma delas, pequena, dourada, é o símbolo, o ícone de Milão. Encontra-se no topo da torre mais alta do Duomo. Para os católicos crentes, em Itália tantas vezes fanáticos, representa o sinal mais visível da cidade de Maria, Mãe de Jesus: elevar o olhar para ela significa um gesto de fé. La Madonnina. A Pequena Senhora. Projetada em 1765 e realizada em 1769 pelo arquiteto Francesco Croce. Com ela, a catedral atingiu a altura vertiginosa de 108,50 metros. Representa a Nossa Senhora da Assunção, tem 4,16 metros de altura e pesa mais de 900 kg. Tem os braços abertos para implorar a candura de de Deus. Foi inaugurada em 30 de dezembro de 1774. Desenhada pelo escultor Giuseppe Perego e moldada pelo ourives Giuseppe Bini. No seu interior, guarda um esqueleto metálico que, degradado na década de 1960, foi substituído por uma estrutura de aço. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Madonnina foi coberta de trapos, para evitar que os reflexos de luz na sua superfície dourada pudessem ser usados ​​como ponto de referência para os bombardeiros aliados. Durante muito tempo, em Milão, nada podia ficar mais alto do que a Madonnina que, lá do seu lugar sublime, vigiava toda a urbe fervente a seus pés Depois veio o tempo de os edifícios crescerem na vertical e a ordem desfez-se. Curiosamente, nasceu um hábito: todos os pináculos de Milão que ficam mais altos do que o pontosupremo da catedral guardam dentro de si uma miniatura da Nossa Senhora protetora dos milaneses.

O dérbi della Madonnina

Quando Milan e Inter se encontram, dá-se o Derbi della Madonnina. E vão encontrar-se amanhã, em San Siro, no Estádio Giuseppe Meazza, esse jogador lendário para os italianos, talvez o maior de todos os que nasceram em Itália, e que chegou a jogar por ambos os clubes (e também pela Juventus), ainda que muito mais tempo (13 anos) no Inter do que no Milan (2).

Associazione Calcio Milan e Football Club Internazionale, os dois gigantes que fazem de Milão a única cidade da Europa com dois clubes vencedores da Taça/Liga dos Campeões, são irmãos. Ou melhor, o Inter nasceu do Milan que, fundado em 16 de Dezembro de 1899 por um grupo de amigos e empresários ingleses que trouxeram ao mundo o inicialmente Milan Foot-Ball and Cricket Club e, em 1908, contrariando a natureza da sua criação, resolveram restringir o acesso de estrangeiros à sua secção de futebol. Irritados com essa medida, 44 sócios abandonaram o Milan e fundaram o Internazionale a 9 de Março. Como o nome bem indica, não havia restrições à participação de gente vinda de todos os países do mundo.

Uma das maiores curiosidades deste dérbi que se repete amanhã pelas 19h45 – desta vez com o Milan a entrar em campo com mais sete pontos do que o seu rival, atual campeão italiano – prende-se com a primeira partida disputada entre ambos. A despeito de serem vizinhos, e bem íntimos, como já vimos, o jogo disputou-se na Suíça, na cidade de Chiasso, no dia 18 de outubro de 1908. Vitória por 2-1 do pai, Milan, sobre o filho, Inter. A razão para que Chiasso tenha entrado desta forma tonitruante na história do dérbi de Milão prendeu-se com o facto de grande parte dos jogadores do Inter serem de nacionalidade suíça. Chiasso, na berma da fronteira italiana, tornara-se uma fonte fornecedora de atletas para os nerazzurri que optaram pelo equipamento preto com riscas azuis como forma de contrariarem o vermelho com riscas negras do novo rival.

Na época de 1929-30, com a estreia da Série A, o Inter teve de se submeter aos ditames do fascismo. Internazionale era, decididamente, um nome de que Benito Mussolini não gostava. Soava-lhe demasiado ao soviético Komintern Kommunistícheskiy Internatsional. E, assim sendo, misturando-se com o Milanese, o Inter ganhou o nome de Ambrosiana, em honra de Santo Ambrosio, o patrono de Milão. Mussolini acabou arrastado pela populaça nas ruas da cidade, desfeito a pontapé e dependurado num madeiro, o Inter voltou a ser orgulhosamente Inter e ficou Inter até agora.

Para todas as competições, Liga dos Campeões incluída, Milan e Inter vão para a sua 22.ª refrega. Vantagem dos interistas com 75 vitórias contra 63 dos rossoneri. Empates contam-se em 58. Superioridade natural também nos golos para o Inter – 286 contra 269. Se considerarmos os encontros particulares, são mais 71 jogos. E aí o Milan leva a palma: 36 vitórias contra 24 e 11 empates. Na soma total, reviravolta:Milan 113 vitórias em 299 jogos; Inter 108.

Para os coca-bichinhos destas coisas da redonda bola, incluir a totalidade das partidas efetuadas dá um jeitão – porque assim, neste domingo, o número também fica redondinho, redondinho: 300º jogo entre os dois clubes abençoados por La Madonnina. Em títulos nacionais também caminham de mão dada: 19 para o Inter, 18 para o Milan, a anos luz dos 36 da Juventus. Mas Turim não tem nada que se meter neste domingo de festa em Milão. A Madonnina, lá do alto, abençoará os que entrarem em campo.