Padre Feytor Pinto – Uma Vida Plena

Convidei-o com o maior gosto para o lançamento do meu livro, mas já não ‘cheguei a tempo’. Vida Plena, o título da obra, parecia ter sido escolhido a pensar no seu percurso nesta Terra, que estava prestes a terminar. Pouco tempo depois, deixou-nos. 

Quarta-feira, 6 de outubro de 2021. Estava uma manhã linda com um sol radioso a brilhar e um céu azul onde algumas nuvens brancas pareciam seguir os nossos passos. Pouco passava das 9h30, quando entrei nas instalações da RTP, por ter recebido um honroso convite para uma entrevista a propósito do meu livro Vida Plena recentemente lançado. Depois de ‘preparado’ no local próprio para entrar nos estúdios, fui conduzido a uma sala onde devia aguardar em silêncio e com o telemóvel desligado, o momento de ser chamado para me sentar em frente às câmaras. Este compasso de espera, que parece uma eternidade, ajuda a refletir, ordenar ideias, raciocinar e exige uma elevada concentração. Todos os problemas e outros assuntos para resolver ficam lá fora e agora só se pensa na entrevista. De repente, no televisor da sala onde me encontrava, começa a aparecer em rodapé uma notícia que foi para mim um autêntico balde de água gelada, que não podia ter vindo em pior altura: ‘Faleceu o Padre Vítor Feytor Pinto esta manhã vítima de doença prolongada’. 

Profundamente consternado, entrei no estúdio tentando disfarçar os ’estragos’ causados por aquela ‘bomba’ e as minhas primeiras palavras foram de homenagem ao padre, ao homem, e ao amigo que acabara de partir. Fez este sábado precisamente um mês que ele nos deixou e eu, que o conheci bem, recordo-o com saudade, destacando, por um lado, a sua vida pública, onde se reconhece uma obra notável e o testemunho que nos deixa, por outro, o amigo, presente em todas as ocasiões da nossa vida, não esquecendo o batizado da minha neta Inês na Igreja do Campo Grande a 9 de maio de 2015 ao qual presidiu, nem o apoio que me deu, uns anos antes na minha formação específica em Medicina Familiar ao apresentar e comentar um trabalho da sua autoria ‘Toxicodependência e Sida um problema social’.

Amigo igualmente dos meus pais, deslocava-se com alguma frequência a Setúbal, por vezes para conferências no hospital a convite do meu pai, falando sempre num certo almoço lá em casa, onde terá comido um arroz de tamboril de que tanto gostou e que nunca mais esqueceu.

A sua vida pública foi qualquer coisa de extraordinário. Foi um dos grandes impulsionadores da tão falada humanização na área da saúde, criando no espírito das pessoas uma nova mentalidade em especial nos cuidados continuados e paliativos onde investiu mais intensamente e também na toxicodependência, desempenhando o cargo de Alto-comissário do Projeto Vida. Nos últimos anos, marcou presença nos debates sobre a vida, sem se afastar um só instante dos valores que sempre defendeu. Comunicador por excelência, aliava a simpatia e o seu humor característico a uma enorme generosidade, empenhando-se a fundo na procura de soluções para os problemas da comunidade. Em tudo o que fez deixou sementes com a sua marca e viu mais tarde aparecerem os frutos dessa sementeira de que hoje todos beneficiamos. A humanização é um ponto essencial na medicina e hoje já ninguém consegue pensar em qualquer das suas vertentes sem essa componente estar presente. Todos estes aspetos começaram a criar raízes através das inúmeras conferências, seminários e entrevistas para as quais o padre Vítor era sistematicamente convidado, sacrificando até a própria saúde que, por mais que uma vez, lhe pediu contas e o castigou. Contudo, pode orgulhar-se da obra realizada e do muito que nos deixa sem esquecer ainda aqueles que, aos domingos, vinham de toda a parte para ouvirem e guardarem a sua palavra, nas magistrais homilias das missas no Campo Grande. Um dia, perguntei-lhe se tinha consciência dessa realidade, ao que ele me respondeu com a frontalidade que lhe era habitual: «Tenho sim senhor! Agradeço a Deus esse talento e só tenho que o pôr a render».

Convidei-o com o maior gosto para o lançamento do meu livro, mas já não ‘cheguei a tempo’. Vida Plena, o título da obra, parecia ter sido escolhido a pensar no seu percurso nesta Terra, que estava prestes a terminar. Pouco tempo depois, deixou-nos. Partiu talvez numa daquelas nuvens brancas que o levaram para o Céu, onde está agora a seguir os nossos passos.

Fica para nós a recordação de um homem cuja vida de qualidade e ‘em abundância’ será sempre recordada como uma verdadeira ‘Vida Plena’.

(À memória do padre Vítor Feytor Pinto)