Covid-19. 2000 casos por dia vão chegar mais cedo

‘O essencial é acelerar o reforço da vacinação das pessoas com mais de 65 anos’, diz ao Nascer do SOL Manuel Carmo Gomes, que deixa também um apelo: antes de convívios, fazer um teste rápido à covid-19.  

Na Europa volta a soar a palavra confinamento, com os Países Baixos a fecharem cafés e bares à noite e lojas não essenciais a partir das 18h durante três semanas. Os estádios voltam a ficar sem adeptos e também na Áustria e na Alemanha, a viver máximos de casos, estão a ser equacionadas as medidas que há uns meses se pensava terem ficado para trás com a vacinação. Ao Nascer do SOL, o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, não antevê a necessidade de medidas desse género em Portugal , mas sublinha que a trajetória de aumento de casos está a acelerar e ao ritmo atual o país ultrapassará os 2 mil casos diários de covid-19 ainda antes de dezembro, podendo chegar ao Natal no mesmo patamar de diagnósticos diários que se verificou no ano passado – cerca de 3500 novos casos por dia. A diferença face ao ano passado está na proporção de casos graves, com 86,5% da população com vacinação completa, e no número de doentes internados nos hospitais: no ano passado, por esta altura, estavam internados nos hospitais 2 794 doentes com covid-19, 383 em cuidados intensivos. Este ano, com menos casos nas últimas semanas do que aconteceu em outubro de 2020, há 411 doentes internados, 65 em UCI.

«Nesses países, além de menor taxa de vacinação, começaram mais rapidamente do que nós a abandonar medidas de distanciamento e máscaras», diz Carmo Gomes sobre o agravamento da situação epidemiológica no Centro da Europa, salientando no entanto que cá se verifica agora também uma marcada tendência de aumento de infeções, com o RT nacional já situado em 1,2 segundo a monitorização feita na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. A última avaliação do Instituto Ricardo Jorge, que reflete a situação na semana passada, aponta para um RT a nível nacional de 1,15, estando a epidemia com mais força na região Centro (1,21). Na região Norte o RT é de 1,14, em Lisboa e Vale do Tejo 1,13, no Alentejo 1,06 e no Algarve 1,16. «Se continuamos ao ritmo dos últimos dias, deveremos ultrapassar os 2 mil casos diários ainda antes de dezembro, que era uma previsão que não tínhamos na semana passada, quando estávamos a falar de 2 mil casos diários na primeira metade de dezembro. Se se mantiver o ritmo atual, poderemos ter 2400 casos diários dentro de duas semanas», adianta Manuel Carmo Gomes, sublinhando que este aumento de incidência será mais ou menos preocupante consoante for a evolução dos casos graves e internamento. «Sabemos que a maioria dos casos diagnosticados são em pessoas mais novas, de 20-29 anos, pessoas maioritariamente vacinadas e quase ninguém vai parar ao hospital. Neste momento os dados que temos são de que 72% dos doentes internados nos hospitais têm mais de 65 anos e por isso  o essencial é reforçar a terceira dose nesta população», diz o investigador, sublinhando no entanto que, à medida que os casos aumentam, regressam outras questões a equacionar, nomeadamente o reforço da saúde pública e o impacto nos outros doentes. «Se os casos graves e internamentos não aumentarem muito, no limite os casos podem continuar a subir, embora nunca seja bom ter tanta carga viral na população. Há que pensar que mais casos significa mais absentismo, mais necessidade de rastreio, mais isolamento e vigilância, maior sobrecarga dos cuidados primários. É uma sobrecarga muito grande para a sociedade mas não impede que continuemos a ir trabalhar e façamos a nossa vida desconfinados como até aqui. Outro cenário será se virmos um aumento da ocupação da área de cuidados intensivos, que é a mais crítica». 

Neste momento os doentes com covid-19 em Cuidados Intensivos representam 25% da capacidade definida como crítica pelos peritos consultados pelo Governo e usada como linha vermelha. «É muito menos do que no ano passado, mas esta semana já tivemos um grande um aumento de doentes em enfermaria e sabemos que os doentes em UCI aumentam um pouco mais tarde. É uma chamada de atenção. Por isso defendo que a chave é a vacinação rápida destas pessoas que estão a ser internadas. Se conseguirmos proteger estas pessoas, é um descanso. Mesmo que os casos subam, não obstante toda a sobrecarga, temos a garantia de que não existe uma situação de rutura e isso é que vai ser determinante nas próximas semanas», sublinha o epidemiologista, defendendo que continuam a ser necessários neste momento os dois eixos de intervenção: as vacinas e precaução no comportamento. E nesse sentido deixa um apelo: antes de convívios alargados, nomeadamente com pessoas mais vulneráveis, fazer um teste rápido à covid-19. «São baratos, podemos tê-los em casa. No Natal passado não tínhamos essa hipótese, hoje temos».

Vírus endémico? Ainda não

Quando muito se tem falado de o vírus se tornar endémico, Carmo Gomes defende que não é esse ainda o cenário, considerando que se fosse essa a situação não se verificaria um aumento exponencial das infeções, como se está a acontecer neste momento. E explica porque não se pode comparar por exemplo com a gripe. «Este vírus tem um R (transmissibilidade) muito alto. O R0 é a transmissibilidade máxima que um vírus tem, sem medidas. O R0 da gripe anda à volta de 1,2, 1,3, 1,4. Quando vem o tempo mais quente, as pessoas começam a viver mais ao ar livre e a transmissibilidade baixa naturalmente, por isso é que não temos gripe na primavera e verão. Quando estamos a trabalhar com um vírus que tem um R0 que está na zona do 5, 6 ou 7, como é o caso desta variante delta, pode baixar para 2, 3 ou 4 mas continua a propagar-se. Temos tido surtos monstruosos em países com temperaturas elevadas», exemplifica, salientando ainda que o contacto da população com o vírus é recente, ao passo que na gripe vive connosco há milhares de anos – e com toda a população atual desde que nasceu. «Enquanto população, ainda estamos a desenvolver a imunidade que nos protege de doença, enquanto que com o vírus da gripe temos contacto há milhares de anos. Quando o vírus se torna endémico, o expectável é que tenhamos um número de casos mais ou menos constante, pode oscilar mais ou menos no inverno ou no verão, mas torna-se endémico, não chegamos a um nível de casos como o que estamos a ver noutros países ou mesmo cá nem com esta velocidade de aumento». 

Vacinação acelera 

Depois de vários apelos, o Governo anunciou que a campanha de vacinação com a terceira dose vai acelerar já no fim de semana, com a abertura dos centros de vacinação em modalidade porta aberta (sem marcação prévia) para maiores de 80 anos. 

O secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, diz que o objetivo é dar a dose de reforço a todas as pessoas com mais de 65 anos elegíveis até 19 de dezembro. Por elegíveis, o Governo e a Direção Geral da Saúde referem-se a pessoas com mais de 65 anos, que não tenham tido covid-19 e que tenham o esquema vacinal completo há pelo menos 180 dias. 

Na segunda-feira começam também a receber a terceira doses profissionais de saúde, vacinados entre dezembro e janeiro do ano passado, e a partir de 27 de novembro os profissionais do setor social e dos bombeiros responsáveis pelo transporte de doentes. Num balanço ao Nascer do SOL, a DGS revelou que esta semana havia 317 surtos ativos no país, 48 em lares e 169 em escolas. 

Vírus de gripe mais severo confirmado em Portugal

Entretanto o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge revelou, ontem, que na semana passada foi confirmado em Portugal um caso positivo para o vírus da gripe do subtipo A (H3). A circulação desta estirpe do vírus da gripe, mais agressiva para os idosos, já tinha sido motivo de alerta a nível europeu.