Lideranças: umas atribuladas, outras consensuais

1. Mais depressa saísse uma sondagem a referir uma nítida quebra de popularidade para Costa, mais depressa a sua ‘entourage’ organizava uma entrevista com o único objetivo de repor a sua popularidade. Num enquadramento económico e social particularmente difícil, esta entrevista veio demonstrar que Costa poderá ser o político mais hábil de Portugal, mas certamente…

1. Mais depressa saísse uma sondagem a referir uma nítida quebra de popularidade para Costa, mais depressa a sua ‘entourage’ organizava uma entrevista com o único objetivo de repor a sua popularidade. Num enquadramento económico e social particularmente difícil, esta entrevista veio demonstrar que Costa poderá ser o político mais hábil de Portugal, mas certamente não será o estadista que o país precisa para encetar a recuperação económica do pós-pandemia.

A sua entrevista foi a de um líder político preocupado em conquistar votos, sempre a garantir distribuições de benefícios a partir de janeiro de 2022 (fundamental para as eleições do dia 30). Claramente, Costa é um político ferido após ter sido derrubado pela esquerda a que sempre pertenceu, pelo que não surpreende que se tenha esforçado para os reduzir a partidos de contestação, jamais de construção. Quer a maioria absoluta e sabe perfeitamente que só a poderá obter às custas dessa mesma esquerda.

A UE anuncia que em 2023 irá novamente exigir aos seus membros um regresso às políticas de aperto orçamental, leia-se ‘défice’ e ‘dívida’, suspensos em 2019 com a pandemia. Deveriam tocar todas as campainhas em Portugal e o ministro João Leão, no segredo dos gabinetes, já terá certamente feito um solene aviso a Costa sobre as graves consequências para um país que tem uma dívida pública a rondar os 132% do PIB. Notaram alguma preocupação na entrevista, nomeadamente alguma ideia focada no crescimento da economia ou no controlo da despesa estrutural do Estado? 

É muito fácil afirmar que o PS é um partido de «contas certas» como Costa sempre vem repetindo, mas fica bem mais difícil conseguir esse desiderato quando o país se encontra tão vulnerável a fatores externos internacionais e os equilíbrios orçamentais são obtidos através de uma carga fiscal já de si excessiva para a nossa economia. Por isso, seria absolutamente fundamental estes temas que refiro serem abordados por quem quer continuar a liderar o Governo e, infelizmente, ainda não foi nesta entrevista.

Pressentindo que a bipolarização se aproxima, sobretudo pela perspetiva da mudança política no PSD como tudo o indica dadas as sucessivas derrotas de Rio no Conselho Nacional, quis antecipar-se e vaticinou-a como consequência da convocação das eleições. Curiosamente, Manuel Alegre e Carlos César, cada um representante de fações bem diferentes num PS de largo espetro político, já vieram avisar da necessidade de abrir as portas ao PSD. Costa, sentindo estes recados internos e o risco do PSD sair reforçado das eleições, veio calar estes discursos com a admissão de tal poder suceder, mas aposto ‘singelo contra dobrado’ de que nunca o fará. 

Em conclusão, Costa sente o ‘terreno a fugir debaixo dos pés’ e admite implicitamente que o seu tempo está a chegar ao fim. De um lado, o risco do crescimento de um PSD renovado. Do outro, uma sombra que o começa a ofuscar dentro do PS – um Pedro Nuno Santos que vai trabalhando como uma ‘formiguinha’ para a sua sucessão. Alguém fica surpreendido com a sua obsessão pela maioria absoluta?

2. Um destes dias, num almoço de tertúlia, tive a oportunidade de privar com o vice-almirante Gouveia e Melo. Como sucede em todas estas reuniões, o que lá foi dito ficou entre nós, pelo que jamais faria a inconfidência de relatar o que se passou. 

Todos os privilegiados que lá estivemos sentimos estar na presença de um líder, de um organizador nato. Alguém que ousa decidir, sobretudo em momentos de stress, porque alia ao carisma especial uma ‘bagagem’ cultural e um saber obtido de múltiplas experiências. O seu papel no sucesso organizativo da vacinação foi decisivo e agora que terminou a ‘guerra’ com o objetivo atingido de 85% de pessoas vacinadas, já o vimos sem o camuflado que foi toda uma imagem de marca.

Curiosamente, ou talvez não, começa a sentir-se a sua falta na continuidade da vacinação. O meu pai dizia-me que «uma mesa bem posta ensina a comer» e torna-se visível que a organização que ele deixou se vai desfazendo. Aqui ou ali, começam a surgir queixas, sobretudo de idosos, a lamentarem-se de estarem horas à espera, ou por faltarem vacinas ou apenas porque nem percebem a razão de tais demoras.

Como se viu e ouviu durante largos meses, a vacinação portuguesa foi um sucesso a nível mundial. De uma maneira geral, não ouvimos quaisquer queixas de que os funcionários seriam incompetentes ou improdutivos, pelo contrário – enquanto coletivo nacional, sentimos justificado orgulho do sucesso deste projeto. Quando se falar na vacinação em 2021, o nome de Gouveia e Melo será sempre recordado, confirmando a importância das (boas) lideranças.

3. Lagarde veio afirmar ser muito improvável que os juros subam em 2022, no discurso comemorativo do 175.º aniversário do Banco de Portugal. Quando a inflação começa a disparar nos principais países europeus e não dá sinais de abrandar, quando o vice-presidente do FED (Richard Clarida) admite a subida das taxas de juro nos Estados Unidos, esta declaração de Lagarde visando acalmar os mercados, soa mais a um desejo que uma promessa. Cuida-te, Portugal!