Spencer. O “fantasma vivo” que continua a ser Diana

A mais recente produção que coloca a Princesa de Gales novamente nas bocas do mundo já está disponível. Mas desta vez, o enredo é um pouco diferente: o cineasta Pablo Larraín estreia Spencer, em que Kristen Stewart interpreta uma Diana imersa num estado de terror num momento em que decide o seu divórcio com Charles…

Não é a primeira vez que a Lady Di é representada, vivida e relembrada nos ecrãs da sétima arte. Se assim não fosse, não poderia ser considerada a mulher mais fotografada de todos os tempos e “a princesa do povo”, como muitos lhe chamavam. A sua morte fez parar o mundo e, apesar de o tempo já ter trazido consigo 24 anos, o seu interior continua a ser um mistério por resolver…Um membro da Família Real Britânica, uma mãe dedicada, uma aristocrata inconformada e um exemplo de caridade. Diana foi muitas coisas e, ao mesmo tempo, nenhuma. A infelicidade foi o centro do seu império e a busca pela felicidade, o seu próprio fim. Mas o que é que Spencer nos conta de novo? 

A singularidade do filme Ao contrário de Emma Corrin, na série da Netflix, The Crown, ou mesmo de Naomi Watts, em Diana, produção de 2013, Kristen Stewart afasta-se do “óbvio”: ao invés de uma recriação, a atriz norte-americana assume apenas uma ideia daquilo que a Princesa de Gales poderia ter sido, um retrato que a transforma num fantasma vivo, que deambula pela sombriamente divina do filme. 

Pablo Larraín cresceu a “assistir a filmes que transformaram a sua visão”. Não apenas a do cinema, mas também a da vida… Foi nesse momento que descobriu que esta arte é uma “ferramenta sem fim”. Talvez seja por isso que que lhe fascine “arrastar os ossos”, “tocar a ferida” ou mesmo “comer as entranhas” dos espetadores, transportando-os para atmosferas frias, cruas e, por vezes, desconcertantes. 

Em 2016, levou o público até aos quartos vazios da Casa Branca em Jackie, no mesmo ano, a viagem seguiu com Neruda, até aos bordéis prediletos do poeta. Antes disso arriscou andando até à casa onde residem os padres pedófilos do El club e mais recentemente ao universo de um casal que adota um menino, mas que se arrepende, devolvendo-o e vendo a família a desintegrar-se, em Ema. 

O enredo Desta vez, a paragem é na propriedade de Sandringham, em Norfolk, Reino Unido, em 1990. Diana passa o feriado do Natal com a família real. Apesar das bebidas, brincadeiras e comidas das quais Diana já sabe o script, esse final de ano vai ser diferente. Após rumores de traição e de divórcio, a princesa vê-se num impasse quando percebe que seu casamento com Príncipe Charles terminou. Uma especulação daquilo que terão sido esses três dias de receios, frustrações e tristezas da aristocrata que culminaram no divórcio mais conhecido do século XX.

O divórcio de Diana e do Príncipe Carlos foi oficializado em 1996 mas, de facto, a sua separação era conhecida desde 1992. A ação de Spencer decorre durante a quadra natalícia de 1991 que terá sido o momento de rutura definitiva dos Príncipes de Gales. Talvez até seja possível dizer que essa frieza quase transforma os membros da casa real britânica em fantasmas e, talvez seja também por isso, que o filme já tenha recebido boas críticas, logo após a sua estreia mundial no Festival de Veneza.

O mais fascinante em Lady Di, conta o cineasta ao El Confidencial, é que “milhões de pessoas sentiam uma enorme empatia por ela, mesmo quando poucos a conheciam e menos ainda sabiam o inferno que era o seu casamento com Carlos da Inglaterra”. E diz: “Depois de quase dois anos de pesquisa, percebi que quanto mais informações tinha, menos sabia”, reflete. “O mistério que envolveu Diana é sedutor. É um paradoxo que aumenta o interesse quanto mais incompreensível for. Para o cinema, isso é valioso: o espetador tem uma prévia ideia daquilo que é Diana e, depois de assistir ao filme, cada um cria sua versão”, elucidou, acrescentando que o filme permite com que o público “construa a sua própria autobiografia”. Mas, segundo o realizador, a produção pode por outro lado, “conter elementos mais perigosos”.

“Obviamente que os britânicos verão o filme de forma diferente. Mas também acho que estão muito habituados a contar histórias de sociedades que não são deles e, por isso, acham interessante que alguém de fora trate de assuntos que lhes são muito próximos”, explicou ao jornal espanhol. 

De acordo com Larraín, os “perigos” prendem-se com o facto da estrutura que envolveu a princesa ter mais de 1200 anos e estar “presa na história e na tradição”: “Pessoas da família real e dos criados veem e vão; os rituais permanecem, repetindo-se por séculos ao ponto do absurdo”, defendeu, sublinhando que existem várias formas de o representar.

“Podemos tratar esse absurdo de uma forma reverente, como a série The Crown, levá-lo com humor, como em Barry Lyndon, ou mergulhá-lo no pânico, que foi aquilo que tentámos fazer”. “É também um filme sobre a maternidade e Diana avisa os seus filhos: ‘Neste lugar o passado e o presente são a mesma coisa e o futuro não existe’”, revela o realizador.

“O tempo neste microcosmo é irrelevante. Alguém como Ana Bolena, decapitada 500 anos antes, tem em alguns dos seus elementos semelhanças com a realidade de Diana. Quase que fiz um exercício mitológico”. E, pelo que as críticas têm apontado, o realizador não poderia ter escolhido atriz melhor para o papel que até já foi elogiada por uma das pessoas que melhor conheceu a princesa fora dos olhares do público.

A genialidade de Stewart “De todas as pessoas que interpretaram Diana nos últimos dez anos, ela foi a mais próxima. Conseguiu aperfeiçoar os seus maneirismos”, disse à revista People Ken Wharfe, o polícia responsável pela proteção pessoal da princesa entre 1988 e 1993. Quando Kristen Stewart aparece no filme a correr, o guarda-costas também reparou que “isso foi muito, muito Diana”.

Ken Wharfe foi ainda responsável pela supervisão da segurança no funeral da princesa em 1997, mas também acompanhou o que aconteceu durante o período de tempo retratado pelo filme: “Limitou-se a passar tempo na cozinha com o chef ou com pessoas como eu, na esperança de que o tempo passasse e pudesse voltar para Londres. Foi um purgatório para Diana”, admitiu à revista o antigo polícia.

Mas, ao contrário daquilo que o realizador pensou, em que Kristen era “inabalável, sólida e muito confiante após uma longa preparação”, chegando a dar segurança a toda a equipa, a atriz norte-americana contou numa entrevista ao Yahoo Entertainment, que “fazer um personagem tão icónica fez com que desenvolvesse um distúrbio”.

A artista disse ainda que sentiu medo ao interpretar Lady Di: “Duas semanas antes de começarmos a rodar o filme estava com ATM (uma disfunção da articulação temporomandibular, que causa dor e limita o movimento da mandíbula) que me impedia de abrir a boca”, explicou. “Nem conseguia repetir as minhas falas com o meu instrutor de diálogo”, acrescentando que “estava, obviamente a sentir o peso pessoal que coloquei em mim mesma ao passar a amá-la de verdade como personagem e sentir que a conhecia”, finalizou. 

Aos 31 anos, a artista afirmou também que, enquanto vivia o papel da ex-integrante da monarquia britânica, teve “sensações espirituais assustadoras” com relação à Diana, quase como se a mãe dos príncipes William e Harry e lhe estivesse a dar a sua “benção”. No entanto, Stweart afirmou que não teve um encontro paranormal com Lady Di: “Mas houve momentos em que o meu corpo e minha mente esqueceram-se que estava morta”, acrescentando que “de repente era atingida por uma imagem do que aconteceu. Lembrava-me de quem ela deixou e impressionei-me com essa emoção renovada.”

Por isso, relembrar constantemente a morte da antiga princesa era um processo bastante doloroso para a atriz. “Simplesmente não conseguia aceitar, porque estava a lutar para deixá-la viva todos os dias”, frisou a artista.

Por sua vez, Claire Mathon, diretora de fotografia do filme, não consegue explicar por que razão Stewart é uma atriz tão fascinante: “A forma como age é tão natural e quase ingénua”. A diretora contou ainda que ela e a sua câmara estavam, frequentemente, a poucos centímetros do rosto da atriz, capturando close-ups vulneráveis. “Tive muitas vezes a sensação de que estava quase a tocar-lhe”, afirmou Mathon. “Conseguia sentir a sua respiração e observava cada pequeno momento, o que ela estava a sentir e a forma como se movia”.

Diana Spencer, a “princesa do povo” como carinhosamente era tratada, morreu há 24 anos, a 31 de agosto de 1997, em Paris.