A nossa questão da(s) liberdade(s). Da tirania de sempre à ‘tyrannie douce’

Por que deixaram Portugal milhões de portugueses? Por que o deixam hoje tantos jovens?  E por que fugiram inúmeros chineses para Macau – e não fogem hoje?

1.O que é a liberdade? Lembro Camus, que como poucos a estimava e praticou: «Mais importante do que a liberdade é a verdade».  E eu, que quero ambas, pergunto:  haverá liberdade sem verdade? 

2. Por que deixaram Portugal milhões de portugueses? Por que o deixam hoje tantos jovens?  E por que fugiram inúmeros chineses para Macau – e não fogem hoje?

Não foi à procura da liberdade,  que o meu amigo António Saraiva, distraidamente, julgo, vê como aspiração de todos os seres humanos em todos os tempos e lugares.  Aspiração que redutoramente universaliza e intemporaliza. 

 3. Em que tempo, geografias, circunstâncias, se manifestou, foi pensada e afirmou a aspiração dessa liberdade? Com que configuração e substância, grau, solidez e continuidade? A liberdade remete para a cultura, as tradições, o tempo, o que se ambiciona, nalguns casos sobrevivência e destino. Depende também da fase de desenvolvimento das sociedades.

Porventura da sua riqueza. 

Exige limitações, prioridades, contrato. Talvez não seja  a aspiração à liberdade que define o humano, mas a capacidade de a gerirmos. Talvez a liberdade deva ser vista como oportunidade para se fazer melhor. 

4. Há quanto tempo e onde essa liberdade  é aspiração dos seres humanos? No Ocidente?  Quando do Iluminismo, com Voltaire e Condorcet, Mills e Kant, etc.? Quando o ‘Liberté, Égalité,  Fraternité’ a gritou? Mas Marat, Robespierre, Lenine, Estaline, Trotsky, Hitler Mao e deuses menores que a mentiram? E os que a salvaram?  Churchill, Soares, aqui.  Quem a salvaria ou salvará hoje entre nós? Muitos dos  que pregam a liberdade para os chineses?

Que aspirações de liberdade havia na Grécia e em Roma Antigas? Na Idade Média? No Ancien Régime? Entre os bárbaros? E pelo mundo?

E com que aspiração de liberdade o Ocidente, com cúmulos de violência e opressão, a impôs ao mundo?  E ainda  a quer impor hoje, quando e como pode. Pulsão iliberal, imperial, essa, sim, anti-humana, de querer levar  todos os seres humanos para o  que se  decidiu ser  ‘o lugar certo da História’. Liberdade que, quando foi e é liberal – como no nosso país nunca foi –, trouxe prosperidade às sociedades. 

5. Quantos chineses  trocariam a realidade que conquistaram pelas liberdades que temos? O Governo autocrático mas meritocrático que têm pelos Governos que temos tido, que mantêm Portugal  na pobreza e na dependência?  Por isso,  na sua esmagadora maioria, os chineses não reivindicam o sufrágio universal, que não lhes diz nada, mas exigem, por exemplo, o avanço do estado de direito. E desde logo a liberdade de empreender, à qual nós parecemos não dar importância.

6. E com que exemplos e  moral se  quer impor a 1400 milhões de seres humanos, cada vez mais ricos e confiantes, um modelo político (que só 50% de nós votamos, aliás) que passou a gerar recorrentemente governos incompetentes, corrupção impune, pobreza? Uma  sociedade cada vez mais desigual,  sem valores nem sentido, neurótica, encharcada de drogas, indiferente a um Estado invasivo? Num momento em que as disfunções agravadas das nossas democracias  as fazem duvidar de si próprias, abrindo as portas a populismos  e entregando-se  à… liberdade do wokismo, cancel culture, identitarismos tribalistas, exibição porto de sexualidades que  deviam ser espaço íntimo intocável, novos polícias dos costumes, dos index, nova versão dos despotismos de sempre a persistirem no projeto sinistro de dissolução  civilizacional.

Liberdade que anuncia ou é já  a «tyrannie douce» que Tocqueville profetizara como futuro do Ocidente.