O prodigioso Sr. Schama

A pequena amostra apanhada ao acaso da sua História dos Judeus cativou-me de imediato.

Com o tempo adquiri o hábito, para fazer uma primeira avaliação de um livro acabado de receber, de abri-lo ao acaso e ler algumas linhas. A página que calha em sorte devia ser completamente aleatória, mas pareço ter alguma pontaria para apanhar passagens especialmente sedutoras.

Foi sem dúvida o que aconteceu quando folheei casualmente o segundo volume da História dos Judeus – Pertença (1492-1900) (ed. Temas e Debates), do historiador britânico Simon Schama. Ali me deparei com uma referência a Diego Duarte, joalheiro do Rei Carlos I de Inglaterra (que acabaria decapitado a 30 de janeiro de 1649), e a seu pai, Gaspar Duarte, «senhor do comércio de diamantes» e dono de uma preciosa coleção de pintura flamenga e holandesa. «Gaspar contava, entre os seus amigos, com as principais personalidades das letras holandesas», refere Schama, «que eram ao mesmo tempo também os detentores do poder, como o elegante e culto Constantijn Huygens […], poeta, filósofo e patrono de novos valores, como Rembrandt van Rijn».

A pequena amostra desta História dos Judeus apanhada ao acaso entusiasmou-me de tal modo que procurei informar-me sobre o autor. Nascido em Londres em 1945, Schama é filho de imigrantes judeus que se fixaram no Essex em meados da década de 1940. A mãe vinha de uma família de lituanos asquenazes, o pai era um sefardita natural da atual Turquia.

Aluno excecional, Simon estudou História em Cambridge, onde chegou a dar aulas. O seu primeiro livro, Patriots and Liberators ganhou o cobiçado prémio Wolfson de História em 1977.

É sabido que uns livros levam a outros, quais pistas que indicam caminhos a seguir. Isolado, este segundo volume da História dos Judeus fez-me lembrar um sapato sem par, pelo que tratei de adquirir sem demora o volume I (não sei se haverá um terceiro, mas presumo que sim).

O alvo seguinte foi The Embarrassment of Riches, que tem como subtítulo ‘Uma interpretação da cultura holandesa na Idade de Ouro’. As suas páginas abordam os conflitos entre a prosperidade material e a moralidade religiosa (que sempre desconfiou da riqueza e do dinheiro…) na Holanda do século XVII. Publicado em 1987, foi considerado um dos livros do ano pelo New York Times.

Apesar de uma predileção evidente, nem só sobre judeus e holandeses escreveu o historiador. Recentemente encontrei numa cave de livros usados, em ótimo estado e a ótimo preço, o primeiro volume de A History of Britain, adaptação da série que Schama fez para a BBC. Também para a BBC fez O Poder da Arte, oito documentários dedicados a oito artistas – Caravaggio, Bernini, Rembrandt, David, Turner, Van Gogh, Picasso e Rothko. Recomendo vivamente – tal como Os Românticos e Nós, que passou recentemente na RTP2.

A fecundidade de Simon Schama é prodigiosa, e não posso de modo algum passar em revista toda a sua produção literária e audiovisual. Mas antes de terminar gostaria de destacar o seu talento especial para a escolha de títulos. The Embarrassment of Riches (O Embaraço das Riquezas) parece-me um caso notório. Outro é Landscape and Memory – paisagem e memória –, em que mostra como o homem ‘esculpiu’ o ambiente natural que o rodeia e nele projetou as suas crenças, aspirações e convicções. E, por último, talvez o mais sugestivo de todos, Rembrandt’s Eyes. Ainda não o li, mas de imediato evoca o olhar intenso e perscrutador que Rembrandt pôs nos seus autorretratos. A outro nível, promete também o privilégio de vermos o mundo através dos olhos de um enorme pintor e analista da condição humana. Não é apenas uma proposta de leitura, é um desafio irresistível.