Lá resilientes são estes ministros

A ministra diz que os portugueses, os profissionais de saúde e o SNS conhecem-na. Mas António Costa é que a conhece mesmo bem

Não perco um minuto com querelas sobre aquilo que não existe. Na cabeça de todos os portugueses (todos – Governo, ministros, secretários de Estado, subsecretários de Estado, deputados, Presidente da República) está isto: que os profissionais de saúde são resistentes, são! Tomáramos  nós sermos tão resistentes, muitos de nós, quanto eles foram, são e serão». Foi assim que Marcelo Rebelo de Sousa reagiu, nesta quinta-feira, quando questionado pelos jornalistas sobre as declarações de Marta Temido que geraram uma onda de indignação generalizada, mas sobretudo entre médicos e enfermeiros.

E o que dissera a senhora que suscitara tal reação?

No dia anterior, no Parlamento, ouvida sobre o estado do Serviço Nacional de Saúde, a ministra tinha dito: «Todos nós, como sociedade, e isto envolve várias áreas, pensemos nas expectativas e na seleção destes profissionais [do SNS]; porque, porventura, outros aspetos, como a resiliência, são aspetos tão importantes como a sua competência técnica. Estas são profissões que exigem uma grande capacidade de resistência, de enfrentar a pressão e o desgaste e temos que investir nisso» (sic).

A indignação dos profissionais de saúde – com médicos e enfermeiros à cabeça – foi imediata.

Mas a ministra demorou mais de 24 horas a retratar-se.

Durante essas 24 horas, mesmo apesar da reação dos médicos e dos enfermeiros e não obstante estarem já anunciadas eleições legislativas antecipadas para 30 de janeiro próximo, não houve um único dirigente político a vir à liça.

Rui Rio e Paulo Rangel, por muito que digam o contrário, estão muito mais enredados na disputa pela liderança do PSD e pela reivindicação da feitura das listas de candidatos a deputados do que em fazer oposição a quem quer que seja.

Talvez por isso, só na quinta-feira à tarde, depois de o Presidente Marcelo lhe ter pregado público raspanete e ter feito a declaração citada no primeiro parágrafo deste texto, é que Marta Temido surgiu a apresentar um pedido de desculpa «do fundo do coração». 

«Se causei uma má interpretação peço desculpa por isso», começou por dizer a governante, sem resistir a acrescentar: «Os profissionais de saúde, os portugueses, o Serviço Nacional de Saúde conhecem-me, eu trabalho há muito anos no setor da saúde, trabalhei com muitos profissionais de saúde e fico muito e genuinamente indignada com essa receção, com esse mal-entendimento».

Ooops, então em que ficamos?

Mais de 24 horas depois de ter dito o que disse na Assembleia da República – e foi explícita ao referir-se ao processo de seleção de profissionais de saúde chamando a atenção para a necessidade de ponderação de «outros aspetos, como a resiliência, tão importantes como a sua competência técnica» -, a ministra vem finalmente pedir desculpa para imediatamente a seguir voltar a zurzir nos profissionais de saúde, desta vez acusando-os de interpretarem mal as suas palavras e dela fazerem um mau juízo???

Tanto assim que, com voz embargada e visivelmente comovida, se confessa – ela, ministra – «indignada».

Extraordinário!

De facto, assim não é de estranhar que António Costa lhe tenha dado o cartão de militante nas vésperas do último Congresso do PS e feito de Marta Temido uma estrela em ascensão no partido e na política nacional.

Até porque o próprio primeiro-ministro já disse o que também desdisse dos médicos.

A verdade é que em matéria de resiliência os ministros deste Governo estão muito acima da média, sobretudo considerando a sua competência técnica.

E – parafraseando Marta Temido – infelizmente para todos nós, como sociedade, isto envolve várias áreas.

Resta-nos, como a ministra, ou chorar ou indignarmo-nos.