Resiliência… temos nós!

A ministra Marta Temido abre frentes de disputa com as várias classes profissionais da saúde.

1. Um dos temas que mais preocupa os cidadãos portugueses é o estado da Saúde em Portugal. Diariamente surgem notícias de graves problemas no SNS, sobretudo decorrentes quer da falta de pessoal quer da falta de uma organização que potencie os recursos existentes.

O combate à pandemia, porque inesperado e a carecer de rápidas respostas, veio agudizar gravemente os problemas que já existiam. Nem vale a pena relembrar a inexistência de médicos de família para cerca de 1 milhão de portugueses ou as várias centenas de milhares de consultas ou cirurgias atrasadas. O Governo argumenta que todos os anos vai gastar mais uns milhões de euros na Saúde, mas, simultaneamente, mostra permanente relutância em resolver qualquer questão que conte com o apoio dos privados. 

Na realidade, desde que a ‘geringonça’ tomou posse há cerca de 6 anos que se assiste a um ataque cerrado à iniciativa privada, em particular nesta área da Saúde. Lembram-se da ‘Lei da Saúde’ proposta por Maria de Belém, de imediato contestada pela esquerda radical que encontrou apoio dentro do Governo, sobretudo visando cercear a atividade dos privados?

A versão que acabou por ser aprovada abre ligeiramente a porta a uma solução que os envolva, mas apenas em circunstâncias muito específicas. Assim, não surpreende que, passados uns anos, as PPP’s nos hospitais estejam a acabar.

Relembremos que, há meses, o Tribunal de Contas elaborou um relatório sobre os custos dessas PPP’s e, tecnicamente e de forma isenta, concluiu que as suas atividades oneram menos o Estado quando comparadas com as de hospitais públicos. No entanto, os responsáveis da Saúde no Governo, obstinados pela ideologia em que tudo o que possa ser privado é para acabar, ignoram essas conclusões factuais.

Pelo meio, a ministra Marta Temido abre frentes de disputa com as várias classes profissionais da saúde. Lembram-se da ‘guerra’ impiedosa com os enfermeiros e a sua Ordem, desencadeada há uns anos? Mais recentemente com os médicos e também com a sua Ordem? Lutas que dividem, que se arrastam e afastam quem se deveria entender, sobretudo porque as políticas da Saúde se fazem integradamente com os seus profissionais e não podem provir exclusivamente de gabinetes ministeriais em permanente confronto com os mesmos.

Este recente exemplo em que Marta Temido vem falar da necessidade de se aferir da resiliência dos médicos logo quando do seu recrutamento, é apenas mais um episódio, se bem que emblemático, dessa ‘guerra’ estrutural, que tem contado com o beneplácito do Primeiro-ministro (lembram-se da entrega que Costa pessoalmente fez, durante o Congresso, do cartãozinho do PS a Temido?). 

Apesar do pedido de desculpas formulado a posteriori, seguramente instado pelos comentários pouco abonatórios recebidos, em particular de Marcelo, a verdade é que a ministra foi profundamente infeliz, porque feriu toda uma classe, depois de tantos exemplos recebidos de profissionais que andam exaustos e são exemplo para toda a sociedade.

Em conclusão, não constituirá surpresa o agudizar dos problemas no SNS com a continuidade da ministra da Saúde. No entanto, independentemente de tantas questões e conflitos que a sua atuação tem suscitado, continua a gozar de elevada popularidade, o que demonstra bem a indiscutível resiliência dos portugueses.

2. Recentemente, fomos surpreendidos por notícias que referem que, desde o início da pandemia até junho deste ano, foram destruídos 172,6 mil postos de trabalho, mas foram criados, entretanto, 208,9 mil (segundo um estudo do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra).

Todos sabíamos que a pandemia tinha afetado gravemente o setor dos serviços, pelo que não admira que a maior parte dos empregos destruídos seja nesse setor (76,6% do total), em particular no comércio (34,6%) e no alojamento e restauração (23,5%). No entanto, o valor da Administração Pública (9,9%) surpreende todos. 

Mas quando vamos à recuperação do emprego, constatamos que a ‘fatia de leão’ provém exatamente do Estado, uma vez que do total de 208,9 mil novos postos de trabalho criados, 59% correspondem a funções públicas, como é o caso da (i) administração pública, defesa e segurança (mais 49,3 mil), (ii) educação (mais 44,1 mil) e (iii) saúde e apoio social (mais 29,9 mil). Assim, não surpreende que o número de funcionários públicos, ascenda, em 30 de junho, a 731 mil (a 31 de dezembro de 2015, legado de Passos Coelho – 659 mil, ou seja, um acréscimo de 72 mil).

Sobre necessidades para a sua admissão nada é referido nem era suposto em tal estudo. Podemos intuir que na saúde até parece óbvio, mas nas restantes áreas era conveniente todos sabermos muito mais, porque teremos de possuir uma imensa resiliência, dado que serão os nossos impostos a arcar com este acréscimo de despesa estrutural nos anos futuros. 

P.S. – Augusto Santos Silva deu recentemente uma entrevista e ficámos a saber que (i) o PS almeja (legitimamente) a maioria absoluta a 30 de janeiro; (ii) Rangel é o candidato do PSD que o PS mais teme, ao fazer-lhe diversos ataques e, indiretamente colando-o a Cavaco e Passos Coelho, reeditando a velha ‘cantilena’ dos perigos da direita; e (iii) quer mesmo voltar ao seu lugar de Professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Vamos facilitar-lhe a vida?