E o burro sou eu?

Os burros somos nós? Por que insistem tanto em tratar-nos como quase mentecaptos? 

Por José Manuel Avezedo, economista

Na qualificação para a fase final do Europeu de 2008 em futebol, era Scolari o treinador e selecionador nacional, Portugal jogou com a Finlândia, fora, tendo empatado. Houve na ocasião uma imensidão de críticas à forma como tínhamos jogado (o que me faz isto lembrar?) o que levou o brasileiro a interrogar toda a comunicação social quanto a um conjunto de situações que deveria ter sido, e segundo ele não foi, objeto de análise, levando-o a proferir a muito propalada interrogação: «E o burro sou eu?».

A propósito, começo por referir uma frase recentemente proferida pelo ‘eterno’ ministro da Administração Interna, segundo a qual a lentidão da justiça portuguesa não passava de «absurdos que são por aí propalados, que são lamentáveis, que a investigação está em curso, apurará as condições em que decorreu o acidente» (sic). A sério, senhor ministro? De junho para cá não há conclusões da dita investigação? Nem a que velocidade circulava o carro que acabou por matar o funcionário da BRISA, cuja família recebe agora uns míseros 246 euro mensais da Segurança Social, a título de pensão de sobrevivência? Pergunto: e o burro sou eu?

Meses depois de reclamarmos o retumbante e indiscutível êxito do processo de vacinação contra a covid – há uma semana, 15 de novembro, éramos o país com a 4.ª maior taxa de vacinação no mundo, e 1.º da Europa (correspondendo, segundo as estatísticas da Universidade de Oxford, a 87.78% da população com a vacinação completa e a 1.26% com apenas uma dose) – eis-nos ‘de volta às contas’, neste caso, à análise diária do número de infeções, de internados, de internados em cuidados intensivos, de mortes, bem como do R(t), todos indicadores que, infelizmente, têm vindo a subir.
Isto para, evidentemente, definirmos que medidas devem ser adotadas para evitar novo confinamento e, assim, contribuirmos para a manutenção da boa saúde pública, das condições de emprego, da recuperação da economia, da qualidade de vida em sociedade, da capacidade de resposta do sistema nacional de saúde, etc.

Deixando de lado as já comuns intervenções de Sua Excelência o Presidente da República – que, não perdendo o hábito de comentar todos os temas da atualidade, se apressou a dizer que seria adequado o regresso do uso da máscara na rua – voltaram à baila as indicações terapêuticas de fases anteriores, que em breve poderão vir a tornar-se recomendações do Governo, a saber:

1. Reforço da vacinação – sendo tão grandes as vantagens da vacinação, os seus efeitos positivos sobre a gravidade das ocorrências, sobre a menor letalidade, seria tão necessário insistir em que as pessoas tomassem uma terceira dose de vacina? Ou será a logística que não se encontra devidamente organizada para o efeito? 

2. Higiene das mãos – por higiene entende-se não apenas a lavagem das mãos (prática que, independentemente da covid, deveria ser frequente!) mas também a sua desinfeção com álcool gel. Presumindo que, em casa, todos lavamos as mãos com regularidade, não é verdade que, quando entramos em espaços públicos, comerciais ou não, ou mesmo nos escritórios, há sempre à porta dispensadores desse produto? Pelo que observo diariamente, devem ser poucas as pessoas que não se preocupam com este procedimento, estamos de acordo? 

3. Distanciamento social – talvez uma das indicações mais complexas de implementar, bastando para isso que nos lembremos dos transportes públicos, normalmente à pinha, em especial nas horas de ponta. O que fazer quando o autocarro vem quase cheio ou mesmo cheio? Tentar entrar ou deixá-lo passar, chegando por isso potencialmente atrasados ao nosso destino? Não será de reforçar a oferta? Mas não é também verdade que as pessoas evitam hoje entrar em elevadores cheios, respeitando a distância e revelando consciência individual? 

4. Uso de máscara – apesar das hesitações (diria mesmo, ‘enormidades’) e recomendações iniciais da Direção-Geral da Saúde (DGS) de que o uso de máscara provocava uma falsa sensação de segurança, é evidente que tal não sucede, pelo contrário. Tanto assim é que há muita gente que, mesmo na rua, tem ainda hoje a máscara colocada (mesmo que por vezes de forma incorreta). Será preciso ‘martelar’ mais a cabeça dos portugueses sobre esta matéria? 

5. Frequência da testagem – referem os meios de comunicação social que há que reforçar a testagem. Olhando para os números divulgados pela mesma Universidade, referidos a 17 de novembro, a quantidade total de testes efetuada em Portugal foi, nos 14 dias precedentes, de cerca de 52800. Nos 14 dias anteriores, esse número tinha sido de 44 mil.

Estamos ou não a subir esse número? Ah, outra coisa – sabiam que essa informação não contempla o número de auto-testes de antigénio comprados nas farmácias? Não conhecemos nós tantas pessoas que, com cada vez maior frequência, se testam em casa? Por que não se pede às farmácias que indiquem à DGS a quantidade de dispositivos de testagem que vendem? 

Os burros somos nós? Por que insistem tanto em tratar-nos como quase mentecaptos?