Omicron troca as voltas aos hospitais

Pediatria do Garcia da Orta tem 56 profissionais e doentes em isolamento após contacto com médico ligado à Belenenses SAD infetado com nova variante. Luís Amaro, presidente do conselho de administração, diz ao i que não havia alternativa a fechar. “Não podíamos correr o risco de ter esta situação a alastrar por todo o hospital”, defende.

No espaço de 24 horas, a nova variante Omicron, ainda em estudo quanto às suas características e com 13 casos confirmados em Portugal, tornou-se um problema palpável agora noutro campo: os hospitais. Um dos elementos do staff do Belenenses SAD infetado com a nova variante é médico no Hospital Garcia de Orta e seguindo as orientações da Direção Geral de Saúde de isolar todos os contactos de casos confirmados desta variante, a autoridade de saúde determinou o isolamento de 56 profissionais e utentes do hospital de Almada por 14 dias, o que ditou o fecho da urgência pediátrica e consultas de pediatria nas próximas duas semanas, sem equipas para se manter aberta. Ao i, o presidente do conselho de administração do Hospital Garcia de Orta disse ontem ao final do dia que além do médico há mais duas colegas neste universo com sintomas mas sem teste positivo para a covid-19, não tendo sido confirmados até ao momento novos casos. Reconhecendo o impacto da decisão nos doentes e famílias, Luís Amaro diz que o hospital seguiu a decisão da autoridade de saúde, que considera proporcional enquanto medida de precaução face ao desconhecimento em torno da nova variante. Mas confessa que este cenário não fazia parte do planeamento para o inverno e que desde o início da pandemia nunca tinham vivido nada assim, admitindo maior preocupação com os meses pela frente: “É evidente que não estávamos à espera disto. Passar outro inverno como 2020 seria uma coisa atroz”, admite.

“Perante uma variante que há a hipótese de ser altamente transmissível, não podemos correr o risco de termos o hospital cheio de situações destas”, acrescentou o responsável, pouco tempo depois de ser anunciado o fecho dos dois serviços no final do dia de ontem. “Percebo as cautelas da Direção Geral da Saúde”, afirmou ainda Luís Amaro, esclarecendo que entre estes 56 contactos há profissionais e doentes.

Se durante meses faltou pessoal no serviço, que reabriu o atendimento noturno em setembro depois de ter estado encerrado desde 18 de novembro de 2019, Luís Amaro sublinha que desde que reabriram estão a funcionar dentro dos rácios definidos pela Ordem dos Médicos. Perante esta nova ameaça e sendo o primeiro hospital a ter o problema em mãos, admite que medidas como ter equipas em espelho para desencontrar profissionais de saúde não são exequíveis no universo de um hospital. “Os profissionais estão profundamente cansados e não existem recursos para isso.”

Questionada ontem pelo i sobre esta decisão e o impacto que pode ter noutros hospitais, a Direção Geral da Saúde não se pronunciou. A solução para as famílias será idêntica à que conheceram noutros períodos em que a urgência esteve fechada, nomeadamente o desvio para o Hospital Dona Estefânia em Lisboa e o Hospital de Santa Maria.

Até 21 de novembro não havia transmissão comunitária 

Se a situação do Garcia de Orta é uma ramificação do surto no Belenenses, para já não há indicação de transmissão comunitária da nova variante em Portugal.

O Instituto Ricardo Jorge divulgou esta terça-feira os resultados da última amostra semanal de casos sequenciados geneticamente e não foram detetados casos da nova variante, mantendo-se o predomínio da variante delta. Há que notar no entanto que estes últimos casos sequenciados pelo INSA dizem respeito ainda a infetados diagnosticados até 21 de novembro, estando ainda em apuramento alguns resultados. Existe sempre um desfasamento de pelo menos uma semana dado que é preciso o INSA receber amostras de vários pontos do país e depois fazer a sequenciação genética, um processo mais demorado que um teste de covid-19.

Acontece que é precisamente a partir dessa altura, a última semana de novembro, que há agora sinais na Europa de que a variante sul-africana já poderia estar a circular por cá, embora o alerta só tenha soado a nível internacional na semana passada quando cientistas sul-africanos e do Botsuana juntaram as peças da nova variante, declarada de preocupação pela Organização Mundial de Saúde e pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças na sexta-feira.

Ontem as autoridades de saúde holandesas anunciaram ter detetado a variante em duas amostras recolhidas em testagens entre 19 e 23 de novembro, antes de ser reportada pela África do Sul, onde o primeiro caso remonta a 11 de novembro. Segundo a informação prestada no país, não há certezas sobre o historial de viagem dos infetados em causa, pelo que nesta altura a própria emergência desta variante no continente africano ou noutro qualquer lugar é incerta. Ontem o ECDC, que passou a fazer balanços diários da nova variante, o que até aqui não tinha acontecido com nenhuma, informou que estavam confirmados geneticamente 44 casos na União Europeia, em 11 países, Portugal incluído.

Por cá, entram esta quarta-feira em vigor novas medidas, decididas pelo Governo na última quinta-feira antes de vir a público o alerta sobre a Omicron. Também na reunião do Infarmed não havia ainda este elemento. Em Portugal, os diagnósticos mantêm uma tendência de aumento mas que abrandou ligeiramente na última semana. No entanto há um ano, por esta altura, a tendência era já decrescente depois das restrições apertadas aos fins de semana, na altura apenas nos concelhos de risco elevado. A região do Algarve continua a registar a incidência mais elevada em Portugal, seguindo-se a região Centro, ambas acima do patamar dos 480 casos por 100 mil habitantes definido pelos peritos que aconselham o Governo como patamar de risco muito elevado.

Quem está a ser infetado 

Os dados por faixa etária na última semana, que o i analisou, mostram que o aumento de diagnósticos se mantém transversal a todas as faixas etárias mas também menor em todos face à semana anterior.

Os grupos etários com maior crescimento de diagnósticos continuam a ser os jovens até aos 19 anos de idade, com os casos aumentar na casa dos 40% face à semana anterior. Na semana passada foram diagnosticados 4849 jovens, quando na semana anterior tinham sido 3499.

No caso dos idosos com mais de 70 anos, a receber agora o reforço da vacinação, o aumento é menor do que nos mais jovens. No grupo etário entre os 70 e 79 anos os casos aumentaram 12% e, nos maiores de 80, 21%. No global, a semana terminou com um total de 20 568 novos casos, depois de na semana anterior terem sido confirmadas 15 289 infeções. Entre pessoas com mais de 70 anos, com maior risco de complicações, houve 1974 casos, quando na semana anterior tinham sido 1727. Com o aperto das medidas, é expectável um reforço da testagem em particular de população jovem adulta que, como aconteceu praticamente durante toda a pandemia, domina a maioria dos casos – mais de metade dos infetados continuam a ser pessoas com menos de 50 anos. Por outro lado, também nos lares e hospitais passa a ser obrigatório certificado e teste recente para visitas.