Pandemia de covid-19 deixa Portugal sem dados sobre VIH

Centro Europeu de Prevenção de Doenças fez balanço a nível europeu. Portugal foi o único país a não reportar qualquer elemento. “Compreendemos a ausência de números, não podemos é aceitar que a covid-19 mantenha um protagonismo que afete a resposta”, diz ao i presidente da Liga Portuguesa contra a Sida.

Assinala-se esta quarta-feira o Dia Mundial de Luta contra a Sida e, como é habitual, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças fez um balanço da epidemia na região europeia, procurando refletir já o impacto causado pela pandemia. Entre os 27 estados membros, Portugal foi o único a não reportar qualquer informação, constata-se no documento publicado ontem pelo ECDC, que aponta para uma quebra de 24% nos diagnósticos de VIH nos países europeus no ano passado, que o organismo considera que em parte se deverá à perturbação causada pela covid-19 nos serviços de saúde, quer nos diagnósticos, quer no seu reporte atempado, isto numa avaliação preliminar. “Todos os países da UE/EEA reportaram dados para 2020 mas Portugal optou por não publicar os seus”, lê-se nas notas do documento.

Já após ser questionada pelo i sobre o que motivou esta decisão, a Direção Geral da Saúde e o Instituto Ricardo Jorge emitiram um comunicado a indicar que neste momento não existe informação com abrangência e representatividade que permita “conhecer a dimensão e as características atuais da infeção, bem como compreender a sua evolução temporal”, pelo que Portugal está mesmo sem um balanço da situação epidemiológica. De acordo com o veiculado pelo ECDC, noutros países também falha informação nomeadamente sobre modo de transmissão ou diagnósticos tardios, mas pelo menos quantos novos casos de infeção por VIH foram reportados em 2020, o que permite calcular a diferença face ao pré-pandemia, foi enviado ao organismo por todos os países à exceção de Portugal.

Desvio de recursos “Embora existam informações, recolhidas através da notificação clínica de casos e de outras fontes, sabe-se que não estão garantidas a abrangência e representatividade de dados que permitiria conhecer a dimensão e as características atuais da infeção, bem como compreender a sua evolução temporal”, indicaram a Direção Geral da Saúde e o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, remetendo a publicação do relatório nacional referente a 2020 até 30 de abril de 2022. O “desvio dos recursos disponíveis” no curso da pandemia é uma das justificações apontadas, referindo a DGS e o INSA que tal se verificou no setor da saúde e noutros, “no nosso e noutros países”. “A premência desta situação extraordinária sobrepôs-se às imprescindíveis atualizações e manutenção do sistema informático do VIH (SI.VIDA), o que impossibilitou a recolha atempada da informação necessária.”

A DGS e o INSA acrescentam que os indicadores em saúde “valem acima de tudo por reproduzir fielmente a realidade. Só assim é possível analisar o efeito das opções estratégicas e fundamentar a tomada de decisões”, considerando que com a informação disponível, que não foi divulgada, “não existe essa garantia. “Assim, entende-se não divulgar este ano a informação de progresso do VIH em Portugal, quer a nível nacional como internacional.”

Recursos “parcos” Maria Eugénia Saraiva, presidente da Liga Portuguesa contra a Sida, diz ao i compreender a ausência de dados compilados em face dos “recursos parcos” no programa de VIH da Direção Geral da Saúde e pelos serviços de infecciologia dos hospitais terem estado na linha da frente contra a covid-19. Para a responsável, a par da vigilância, devem ser reforçados os meios. “Compreendemos a ausência de números, não podemos é aceitar que a covid-19 continue a ter um protagonismo que fragilize a resposta a outras doenças e ao VIH/Sida”.

Assinalando o Dia Mundial de Luta Contra a Sida, Eugénia Saraiva defende que é necessário reforçar a atividade, sublinhando que as associações que permaneceram no terreno durante toda a pandemia constatam a diminuição nos rastreios e consultas, que nos últimos meses estavam a recuperar mas enfrentam agora mais uma vez o risco de perturbação com o aumento de casos de covid-19. Deste último ano, destaca como positiva a criação de três programas autónomos na esfera da DGS, que separaram a resposta ao VIH e outras infeções sexualmente transmissíveis, tuberculose e hepatites. “Congratulamo-nos com isso, mas precisamos de continuar a trabalhar. Compreendemos que mais vale ter números reais e sérios, mas independentemente de aceitarmos isso, é preciso voltar a colocar na agenda pública e política o VIH”.