Mátria, uma ópera em construção ou uma viagem para o destino

Do nada, pensei em tudo: vou juntar todas as áreas que mais gosto e vou criar algo. Um libreto de ópera. Dez anos depois, a Mátria vai chegar a casa.

Por Eduarda Freitas

Era meio-dia, quase uma da tarde. Tinha acabado de enviar uma peça para o programa Portugal em Direto, da Antena 1. A cabine de som era partilhada apenas por mim e pelas vozes que ecoavam das gravações. Muitas passavam rápido, outras ficavam-me no ouvido, a murmurar coisas da vida e a provocarem-me o pensamento. Fui quase sempre jornalista e trabalhei quase sempre longe do barulho das redações. Ali, naquele dia, a peça já tinha sido enviada e as vozes já se tinham calado mas a minha cabeça continuava a falar. Sentia-me um pouco vazia, e, quando me sinto longe de mim, há um caminho de regresso que não falha. Que não tem falhado. Do nada, pensei em tudo: vou juntar todas as áreas que mais gosto e vou criar algo. Literatura, música, teatro, dança… Um libreto. Sim, vou escrever um libreto de ópera. Deve ser difícil, não há muita gente a fazê-lo. Ri-me de mim e decidi tão rápido que praticamente assumi que estava feito. Às vezes, isso é um erro. No caminho para casa, em dez minutos, partilhei a ideia e cantei letras inventadas a fazer pendant com a chiadeira dos calços do carro. Isto foi algures em 2011, sei que o céu tinha nuvens cinzentas, talvez fosse outono.

No mesmo dia em que decidi que ia escrever um libreto de ópera, decidi também que o importante seria escrever, e não propriamente chegar ao palco, e que me ia inscrever num curso de escrita de libretos em qualquer sítio no mundo. Itália. Sempre. Em poucas semanas, estava em Florença. Antes, surgiu o nome Mátria. Li, algures, um texto de Eduardo Lourenço que dizia que para Miguel Torga, mais do que uma pátria, Portugal era uma mátria. Ficou. No dia em que cheguei a Florença, ainda antes de chegar ao hotel, parei numa pequena feira do livro. Com a mala na mão, estava a olhar para os livros quando ouço o meu nome. Estranhei. Estava em Firenze. Olho de novo e vejo um colega fotógrafo do Expresso com o Eduardo Lourenço. Andavam por alguns lugares da Europa que mais diziam a Eduardo Lourenço e Florença era um deles. Sorte a minha. Nos cumprimentos rápidos de «o que estás aqui a fazer?», não consegui mais do que «cheguei agora do Porto, vou fazer um curso, coisa rápida», até ouvir o sorriso do Eduardo Lourenço perguntar-me «então e como estava o tempo no Porto?». O tempo, o meu, parou. Senti-me na escola primária com aquele cheiro a giz nos dias de inverno sem saber o que responder. Caramba. Que pergunta. Como estava o tempo? Qual tempo? O meteorológico ou o metafísico? O que respondo? «Estava a chover», disse. Eles iam embora de Florença nessa tarde, eu tinha acabado de chegar, o mundo parecia-me um lugar extraordinário e a Mátria um futuro ao longe mas destinado a acontecer. Dez anos depois, a Mátria vai chegar a casa. Dia 17 de dezembro estreia no Teatro de Vila Real, com repetição a 18 e 19 de dezembro.

A viagem é longa e tem muitos actos para contar.

Autora do libreto e produtora da ópera Mátria https://www.facebook.com/matria.pt