Após saída de cinco cirurgiões, escalas de urgência no Hospital de Faro podem ficar comprometidas

“Ao preferir investir na TAP e nos bancos, este Governo mostra que não tem como prioridade o SNS. Não recebemos lições de resiliência de quem quer que seja nem desculpas não sentidas”, garante Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos.

Após saída de cinco cirurgiões, escalas de urgência no Hospital de Faro podem ficar comprometidas

Volvido um dia do fecho das urgências de pediatria do Hospital Garcia de Orta, em Almada, o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) anunciou que as escalas de urgência do Hospital de Faro podem ficar sem profissionais, pois quatro jovens cirurgiões já saíram e um quinto fará o mesmo assim que terminar o período de isolamento profilático.

“Temos reafirmado que o principal problema do Serviço Nacional de Saúde [SNS] é a incapacidade que a senhora ministra tem de demonstrar que há um sério problema de recursos humanos”, começa por explicar o secretário-geral Jorge Roque da Cunha. “Quando afirma que contrata milhares de médicos, no Parlamento, se confrontarmos a propaganda com a realidade, ganha sempre a última”, avança, explicando que nos hospitais de Setúbal, Vila Franca de Xira, Castelo Branco, Leiria, Guarda, nas maternidades de Lisboa “e, no fundo, um pouco por todo o país, passam a ser públicas as decisões dos chefes de equipa no sentido de denunciar essa escassez”. 

“Apesar das centenas de horas extraordinárias que os médicos fazem e ainda que tenham demonstrado resiliência nos últimos dois anos, os conselhos de administração tapam o sol com a peneira e ocultam os problemas em vez de exigir soluções junto do Governo”, critica o dirigente, salientando que, desde maio, mais de 400 profissionais abandonaram o SNS. “Por isso, situações como estas que ocorrem pontualmente na pediatria de Almada, que recordo, esteve mais de um ano sem urgência noturna, levem a que a nossa preocupação aumente”, garante o médico de família que exerce funções em Camarate, acrescentando que “as pessoas menos favorecidas têm cada vez menos acesso ao SNS, um milhão nem sequer tem médico de família e há outras situações como as dos 1500 médicos que têm de sair dos centros de saúde para fazer outras atividades”.

“Não havendo acesso aos cuidados de saúde primários, há um entupimento das urgências e, naturalmente, os doentes não são acompanhados. O caso da SIDA ilustra bem este problema: o número de testes e de infetados foi claramente subreportado dadas estas limitações”, diz após o Dia Mundial de Luta Contra a Sida, especificando que, em vez de contratar mais médicos, “o Ministério da Saúde carrega essa tarefa junto dos cuidados de saúde primários e agrava ainda mais as limitações que todos os dias identificamos”. 

“Com salários de 1.800 euros líquidos para especialistas e com pagamento de 12,50 eur. brutos por cada hora extra, naturalmente que, quando comparado com aquilo que é pago a médicos menos diferenciados, os especialistas procuram locais onde são mais bem tratados como o setor privado e o estrangeiro”, refere, realçando que, para além das condições laborais, o apoio à formação dos profissionais também deve ser valorizado. “A bem da sanidade mental e daquilo que é a normalidade, acabam por lutar por outra vida”. Roque da Cunha remata ainda que, desde 2012, esta classe profissional perdeu mais de 30% do poder de compra.

“Ao preferir investir na TAP e nos bancos, este Governo mostra que não tem como prioridade o SNS. Não recebemos lições de resiliência de quem quer que seja nem desculpas não sentidas”, afirma, recordando que, na quarta-feira da semana passada, durante a Comissão de Saúde, abordando o trabalho nos serviços de urgência dos hospitais, Marta Temido declarou: “Estes profissionais são, de facto, chamados a profissões extraordinariamente exigentes. E também é bom que todos nós, como sociedade e isto envolve várias áreas, pensemos nas expectativas e na seleção destes profissionais. Porque, porventura, outros aspetos como a resiliência são tão importantes como as suas competências técnicas. Estas são, de facto, profissões que exigem uma grande capacidade de resistência, de enfrentar a pressão e o desgaste e temos de investir nisso”.

No dia seguinte, a dirigente justificou que “não disse em momento nenhum que é necessário recrutar profissionais de saúde mais resilientes”, mas sim que “é necessário que todos façamos um investimento em resiliência, sobretudo quem trabalha em áreas tão exigentes como a Saúde”, admitindo que se sentiu “muito e genuinamente indignada com essa receção, com esse mal-entendido”.

“O SIM tem várias propostas, nomeadamente, para a tentativa de resolução da problemática das urgências. Como, por exemplo, definir a existência de médicos que só fazem urgências no seu expediente ou daqueles que as façam em determinado período do ano”, assinala Roque da Cunha, concluindo que “o facto de não haver hierarquias devido a grande parte dos médicos serem prestadores de serviços cria dificuldades e o claro aumento da despesa”.