Marcelo marca posição contra a eutanásia

Marcelo podia ter recorrido ao chamado ‘veto de bolso’, deixando-o caducar com o decreto da dissolução do Parlamento. Mas preferiu vetá-lo e aponta-lhe as ‘deficiências’. Paulo Otero diz que o Presidente foi corajoso e astuto.

Marcelo marca posição contra a eutanásia

Marcelo vetou o diploma que procurava legalizar a eutanásia. A decisão foi tomada antes de ser dissolvido o Parlamento por «uma questão de respeito institucional», pois – explica o Presidente – seria um «sinal de desrespeito usar os prazos conferidos pela Constituição e decidir [depois da dissolução]».

Marcelo preferiu, portanto, um veto político ao chamado ‘veto de bolso’. E o que é um ‘veto de bolso’? Cunhado por Marcello Caetano, o ‘veto de bolso’ dá-se quando um Presidente dissolve a Assembleia da República e os diplomas que estes órgãos têm em mãos caducam. Ou seja, considerando que Marcelo irá dissolver a Assembleia da República este fim-de-semana, bastava ter permanecido mudo (os prazos permitiam-no) sobre o diploma da eutanásia para que este recebesse um veto tácito: o ‘de bolso’.

Ao Nascer do SOL, Paulo Otero clarifica: «o ‘veto de bolso’ não é um cenário previsto na Constituição. É um cenário de facto: dissolvida a Assembleia da República, o Presidente deixa de ter órgão para devolver o diploma – então este expira». Marcelo, como sabemos, optou por outra via: a do veto político.

Por que não ‘veto de bolso’ou recorrer ao TC?

E quais as razões que terão levado o Presidente a preferir o veto político ao ‘de bolso’? Segundo Paulo Otero, duas essenciais: uma sobretudo jurídica, outra para criticar os deputados. Expandindo a primeira, fê-lo para escusar-se a «utilizar um instituto que, até agora, ninguém utilizou» e, assim, evitar criar «precedente» e «discussão». «Se esperasse mais quatro ou cinco dias [e o diploma expirasse], suscitava discussão entre os constitucionalistas: ‘será que violou o dever de promulgar?’, ‘será que deveria ter enviado para o Tribunal Constitucional?’, ‘será que discorda’?». De forma a «evitar isto», Marcelo «assume: ‘Devolvo, e devolvo porque isto está tão mal feito em termos de técnica jurídica que eu não posso sequer promulgar’». 

E daqui passamos à segunda razão. No entender de Paulo Otero, Marcelo fez também questão de rejeitar o diploma para provar aos deputados «as deficiências técnicas» do mesmo – ou seja, para marcar uma posição perante eles. Note-se que, sucedendo-se o ‘veto de bolso’, Marcelo poderia ficar em silêncio quanto às razões pelas quais não havia promulgado o diploma.

Na opinião de Otero, Marcelo optou pelo exato contrário: «Preferiu analisar e devolver o diploma num ato de coragem» e, assim, «marcar publicamente a deficiência da técnica legislativa dos deputados». E afia a crítica, notando que se o diploma fosse feito pelos seus alunos do primeiro ano «estaria melhor». No entender do constitucionalista, tratou-se, por parte de Marcelo, de «um ato de pouca piedade para a qualidade jurídica dos deputados portugueses», colocando-lhes, assim, o «dedo na ferida». «Até figuras de esquerda, como Vital Moreira, dizem que a responsabilidade é exclusivamente dos deputados: e é!», frisou.

E ao Tribunal Constitucional (TC), poderia ter Marcelo pedido nova fiscalização do diploma? Podia, mas preferiu poupá-lo. «Não valia a pena aborrecer o TC porque iria estar a apreciar normas imperfeitas em termos jurídicos sabendo que o processo legislativo terminaria com a dissolução do Parlamento», argumenta Otero, considerando que, a seu ver, esta decisão revela «indiscutível astúcia do Presidente».

O diploma foi ‘eutanasiado’

Paulo Otero reforça que este diploma ficou ‘eutanasiado’. «O Parlamento agora, se quiser voltar a tratar da matéria, tem de iniciar um novo processo legislativo». Ou seja, justifica Paulo Otero, os futuros deputados «têm de começar tudo de novo. Podem pegar no texto como novo projeto. Não podem retomar o processo na sequência do veto de presidente».

Por seu lado, o professor catedrático jubilado Fausto de Quadros sublinhou ao Nascer do SOL que, apesar de Marcelo Rebelo de Sousa ter tido «o cuidado de deixar claro que as suas concepções pessoais não haviam interferido na sua decisão de vetar», os portugueses conhecem «as suas ideias e os seus valores».

E reforça: «A eleição do Presidente da República no nosso sistema constitucional é uma eleição pessoal» e, no caso concreto de Marcelo, «todo o eleitorado sabia que ele era católico, e, concretamente, que ele era respeitador da inviolabilidade da vida humana». E conclui: «Por que iria agora Marcelo Rebelo de Sousa renunciar ao que sempre foi, ao que sempre defendeu, e que era conhecido dos que o elegeram?».

O veto do PR

Visão drástica e radical

«Admitamos que a Assembleia da República quer mesmo optar por renunciar à exigência de a doença ser fatal, e, portanto, ampliar a permissão da morte medicamente assistida, ou seja do suicídio medicamente assistido e da eutanásia. (…) Aí suscita-se uma questão mais substancial. Corresponde tal visão mais radical ou drástica ao sentimento dominante na sociedade portuguesa?»

Comparações a Espanha

«O que justifica, em termos desse sentimento social dominante no nosso país, que não existisse [uma renúncia à exigência de a doença ser fatal] em Fevereiro de 2021, na primeira versão da lei, e já exista em Novembro de 2021, na sua segunda versão? O passo dado em Espanha?»

Contradições

«[Clarifiquem-se]o que parecem ser contradições no diploma quanto a uma das causas do recurso à morte medicamente assistida. O decreto mantém, numa norma, a exigência de ‘doença fatal’ para a permissão de antecipação da morte, que vinha da primeira versão do diploma. Mas, alarga-a, numa outra norma, a ‘doença incurável’ mesmo se não fatal, e, noutra ainda, a ‘doença grave’»

Opções pessoais

«Como deixei claro em dois compromissos eleitorais, entre 2016 e 2021, não pesa na decisão que tomo qualquer posição religiosa, ética, moral, filosófica ou política pessoal – que, essa, seria mais crítica – mas, apenas – como aconteceu noutros ensejos similares – o juízo que formulo acerca do que corresponde ao que considero ser o sentimento valorativo dominante na sociedade portuguesa»