O golo surreal que envergonha o futebol colombiano

O que é possível fazer no espaço de um minuto? Num jogo da segunda divisão colombiana isso foi o suficiente para marcar dois golos que ditaram a promoção do Unión Magdalena. O Presidente Iván Duque falou de “vergonha nacional” e há jogadores a serem ameaçados de morte.

Ao minuto 93 do último jogo da época, o destino do Unión Magdalena parecia traçado. Só a vitória interessava à equipa visitante e, a perder por 1-0, precisava de marcar dois golos para subir ao escalão principal do campeonato colombiano. Por essa altura, três dos cinco minutos de descontos concedidos pelo árbitro estavam esgotados…

Mas um lançamento longo para o interior da área, a 60 segundos do apito final, seguido de um bom domínio de peito e de um remate colocado de González, permitiu à equipa visitante igualar o marcador. O Unión Magdalena sonhou com o impossível.

Impossível? Em condições normais, sem dúvida. Mas o que se seguiu no estádio da cidade de Villavicencio não teve nada de normal.

A passadeira vermelha para o insólito estava estendida, cortesia dos atletas do Club Llaneros. Perante a passividade total da equipa da casa, os jogadores do Magdalena ocuparam o meio-campo adversário, trocaram a bola, entraram na área sem oposição e marcaram o golo que garantia a promoção. Tudo demasiado fácil.

O cronómetro marcava 94 minutos e 58 segundos quando a bola tocou nas redes. Em menos de um minuto o impossível tinha-se tornado uma realidade.

Mas como explicar tantas facilidades? Excesso de hospitalidade dos homens da casa? Bastava alguém ter disputado o lance ou retido a bola por alguns segundos para segurar, pelo menos, o empate. E nem o facto de Jonathan Segura, o autor do golo decisivo, se ajoelhar e beijar o relvado fez abrandar as suspeitas. Ninguém conseguiu levar muito a sério tamanha comoção.

“Vergonha nacional” Quem não teve dúvidas acerca do sucedido foi o Presidente colombiano: “Aquilo que aconteceu no jogo de subida à Primeira Divisão do futebol colombiano é uma vergonha nacional”, sentenciou Iván Duque através do Twitter. “O desporto requer transparência, honestidade e zero tolerância face a qualquer situação que não seja legítima da ética desportiva. O Ministério dos Desportos e o ministro do desporto já estão a dar seguimento do caso para as autoridades competentes, a Primeira Liga de futebol e a Federação de Futebol da Colômbia, para que esta situação seja esclarecida com celeridade”, anunciou.

Opinião idêntica tiveram vários jogadores da seleção daquele país. Também para Matheus Uribe, centrocampista do FC Porto, o que se passou no estádio de Villavicencio foi “uma vergonha para o futebol colombiano”. Por sua vez, Cuadrado, o internacional da Juventus, desabafou: “Que falta de respeito este golo do Unión”.

A Associação Colombiana de Futebolistas Profissionais juntou a sua voz aos protestos e solicitou uma investigação para apurar como o golo surreal que carimbou o passaporte do Magdalena para a promoção foi possível.

Suspeita-se de mais um caso de resultados combinados, como o que em 2006 estalou em Itália e arrastou a Juventus para a segunda divisão. A mecânica é simples: investidores apostam num determinado cenário e pagam a uma das equipas para garantir que esse cenário se concretiza. E depois recolhem os ganhos. Normalmente, fazem-no em jogos dos escalões secundários, que não estão sujeitos a tanto escrutínio. Só que neste caso deram demasiado nas vistas.

Mário Iguarán, antigo procurador geral da Colômbia, falou num “cenário falsificado” que prejudicou centenas de adeptos e por isso apresentou uma queixa por corrupção, escreve o Observador.

Se os jogadores do Magdalena festejaram a promoção, já os do Fortaleza, que subiria caso o Magdalena não vencesse, tiveram a festa estragada. “Não tenho vergonha de chorar porque me sinto roubado”, disse o treinador. Em comunicado, o clube prejudicado declarou: “Consideramos que esta situação não é uma simples questão de apostas, tem por trás um quadro mais profundo que seguramente as autoridades disciplinares e os jogadores envolvidos irão confirmar, respeitando o devido processo aplicável a este tipo de caso”.

Insultos e ameaças “Pareceu-vos “estranho” o caso do @UnionMagdalena?”, questionava num tweet Federico Ortega, jornalista residente em Bogotá. “Bom, só quero recordar-vos que essa equipa é propriedade de Eduardo Dávila Armenta, um sujeito condenado pela justiça por assassínio. Ah… e também narcotráfico”.

Eduardo Dávila, por sua vez, achou tudo normal. “Caso? Não entendo a pergunta, nós ganhámos. No segundo golo acharam que estava fora de jogo, não havia e o nosso jogador aproveitou”, disse em entrevista, também citada pelo Observador.

Quem também não viu nada de estranho no lance polémico foi o treinador do Llaneros: “Naquele minuto, quando eles conseguiram chegar ao empate, mudaram por completo os papéis e nós precisávamos de cinco golos [para subir de divisão]. Em termos anímicos a equipa foi-se abaixo. Quando acontecem estas situações a parte emocional é complexa”, justificou.

Mas os adeptos não estão convencidos e têm chovido insultos e ameaças. Cristian Mina, jogador do Llaneros, explicou ao El País como tem vivido estes dias, embora, por opção técnica, nem sequer tenha entrado em campo na tarde fatídica. “Já nem quero atender o telefone por causa das ofensas, mensagens e agressões que as pessoas me fazem, as ameaças…”, revelou. “Disseram que se me virem me fazem mal, que não me querem ver na rua”. A ameaça é para levar a sério. Em 1994, o defesa central Andrés Escobar foi assassinado com 11 tiros à porta de uma discoteca de Medellín por, um mês antes, no Mundial dos Estados Unidos, ter marcado um golo na própria baliza que ditou o afastamento precoce da seleção colombiana.