O ‘passageiro’ acidental…

Foi necessário o atropelamento fatal do trabalhador na A6 para Cabrita se sentir forçado a extrair as consequências políticas, embora ao retardador

A menos de dois meses das legislativas antecipadas, António Costa já promete tudo e mais ‘bacalhau a pataco’, com «efeitos retroativos», se os portugueses voltarem a elegê-lo e ao PS, garantindo que todas as ‘benesses’ do OE chumbado serão recuperadas. Na mesma onda, promete, também, um governo renovado «mais curto e mais compacto», em contraponto àquele que ainda chefia, o mais numeroso em democracia.

Reconheça-se que é um progresso, após o ‘sacrifício’ de Eduardo Cabrita, que se despediu, finalmente, do Governo para impedir o «aproveitamento político absolutamente intolerável» do caso em que era «um passageiro» acidental num carro, que seguia em excesso de velocidade, atropelando mortalmente um trabalhador na A6. 
Como se sabe, o motorista do ex-ministro – um funcionário que, pelos vistos, conduzia por conta própria, à revelia do ‘chefe’ – foi acusado pelo Ministério Público de homicídio por negligência, algo que Cabrita se apressou a considerar «o estado de direito a funcionar!»…

São pérolas imperdíveis, de irresponsabilidade política, a juntar a outras com as quais se tenta infantilizar os portugueses, antes que estes se apercebam do sarilho em que estão metidos, para além da crise sanitária, que tem servido de ‘escudo protetor’ para muito disparate e para assustar e condicionar as populações. 

Eduardo Cabrita vangloriou-se do seu trabalho – aliás, um «excelente ministro» para Costa – e ‘passou’ o testemunho a Francisca Van Dunem, que ficou ‘de castigo’, em regime de acumulação com a Justiça, quando publicamente já exprimira o desejo de sair do Governo, porque «a minha profissão não é esta». 

De facto, a magistrada de carreira do Ministério Publico é conselheira do Supremo Tribunal de Justiça, desde que tomou posse há 5 anos, mantendo a cadeira cativa. 

É outra originalidade, que não abona o Estado democrático: concentrar nas mesmas mãos a Justiça com as polícias e a segurança, quando seria natural que o primeiro-ministro assumisse essa pasta, que conhece bem. 

Como vai sendo habitual, as oposições e a generalidade dos media adotaram um silêncio conivente. Por essas e por outras, à míngua de escrutínio, o regime começa a ser classificado como uma «democracia com falhas», como se assinala no relatório da Democracy Index 2020, a caminho de se tornar numa democracia simplesmente eleitoral. 

O certo é que a Administração Interna parece ser um ministério enguiçado. O próprio António Costa que o diga, quando desempenhou o cargo num governo de Sócrates, e não escapou incólume às críticas que recaíram sobre a adjudicação do famoso SIRESP (incluindo o Tribunal de Contas), o sistema de emergência que colapsou na tragédia dos incêndios florestais em Pedrógão Grande, e que ‘queimou’, também, Constança Urbano de Sousa, outro erro de casting.

Constança desfez-se em lágrimas, depois de ter demonstrado a sua completa inaptidão para o lugar. Mas teve sorte.

Afinal, o seu sucessor honrou o ditado popular de que «atrás de mim virá quem bom de mim fará», graças a episódios que deixaram marcas imperecíveis, desde as famigeradas ‘golas de fumo’ de proteção, que se se revelaram inflamáveis, até à morte violenta do emigrante ucraniano nas instalações do SEF.

Foi necessário, porém, o atropelamento fatal do trabalhador na A6 para Cabrita se sentir forçado a extrair as consequências políticas, embora ao retardador, e a contre-coeur, para poupar o PS a mais embaraços.

À semelhança do que aconteceu com Sócrates, o ex-ministro tornou-se um ‘ativo tóxico’ para o partido, e este precisava de desenvencilhar-se dele quanto antes. Nessa matéria, Costa ‘não brinca em serviço ‘. 

A frase feita preferida de Costa, quando se vê ‘em apertos’, é invocar a necessidade de «deixar a Justiça funcionar».

Recorreu a esse jargão já em 2014, ao visitar Sócrates, detido preventivamente em Évora.

O pesadelo socialista começou aí, com a prisão de Sócrates, que ocorreu em vésperas do congresso de consagração de Costa como líder. Compreende-se, por isso, que não quisesse arriscar outro sarilho com Cabrita.

Com ou sem gravata – conforme se apresentar como primeiro-ministro ou secretário geral do PS –, Costa não será muito diferente da campanha das autárquicas, onde se envolveu de corpo inteiro, para distribuir promessas à sombra do PRR.

Não foi bonito.

Há um cansaço percetível nas populações, que Costa e o PS têm subestimado. Traduz-se, afinal, numa maioria silenciosa que tanto pode engrossar a abstenção como ‘trocar as voltas’ às sondagens, como aconteceu em Lisboa e não só.

Por muito anestesiada que esteja, há uma opinião pública que já se deu conta dos artifícios e percebeu que Portugal está em ‘maus lençóis’.

Fosse outro o líder do PSD e o desfecho das próximas eleições não deixaria dúvidas. E mesmo assim…