Guttmann: a casa já não era dele

O regresso, em 1965, do treinador que vencera as Taças dos Campeões foi um martírio para o Benfica. Algo que nunca devia ter acontecido.

No Natal de 1964, Béla Guttmann estava em Lisboa. Instalou-se no Hotel Tivoli, tanto do seu agrado, e deu uma entrevista a "A Bola" em tom azedo: «Quando ganhei o campeonato nacional com o Benfica recebi um prémio de 150.000 escudos. Agora fico a saber que Czeizler recebeu 250.000 e ficou instalado num hotel que custava 8000 por mês».

Lajos Czeizler fora o treinador do Benfica na época de 1963-64. Saíra a mal da Fiorentina e tinha-se dado ao luxo de passar dois anos à boa-vai-ela antes de assinar contrato com os encarnados que continuavam a crer que teria de ser um húngaro a conduzi-los a nova vitória na Taça dos Campeões. Aliás, a Taça dos Campeões, nesse tempo, era uma ideia fixa para qualquer direção do clube. Ganhar o campeonato, com a qualidade que o plantel tinha, era praticamente obrigatório. A medida tirava-se pela qualidade das presenças europeias e Czeizler, nesse aspeto, ficou sem créditos depois de eliminado pelo Borussia de Dortmund, depois de uma dolorosa goleada na Alemanha por 0-5. Ganhou o campeonato e a Taça de Portugal, mas de nada lhe serviu. Seguiu-se-lhe um romeno que, na realidade era austro-húngaro, Alexandru Schwartz, mais conhecido por Elek, que venceu novamente o campeonato mas perdeu a final dos campeões para o Inter (0-1), naquele infame jogo marcado para San Siro, a casa do adversário, e no qual os encarnados jogaram a segunda parte reduzidos a dez e com Germano na baliza por lesão de Costa Pereira. O sonho da terceira Taça dos Campeões voltava a dissipar-se.

A História tem mais tendência para repetir-se do que o propagam as frases feitas. Havia uma inevitável força de atração entre Guttmann e o Benfica e estavam destinados a reencontrar-se no tempo e no espaço. Um erro tremendo como viria a revelar-se. Elek Schwartz tinha montado uma formidável máquina ofensiva que marcara 88 golos nos 26 jogos do campeonato e 26 golos na Taça dos Campeões até atingir a final, arrasando, pelo caminho, o Real Madrid, na Luz, por 5-0. Enquanto Schwartz dava corda a esta mecânica formidável, Guttmann, na sua vilegiatura lisboeta, lamentava-se: «Como o Benfica está a ganhar muito dinheiro com o futebol depois daquilo que eu fiz, é natural que queira comer algo daquilo que cozinhei». 

Pressão!
A pressão dos adeptos também cresceu como um balão. Numa terrível injustiça para com Elek Schwartz, praticamente exigiram à direção do clube que recuperasse o treinador das Taças dos Campeões. E assim, em meados de agosto de 1965, Béla Guttmann já estava na Luz a dirigir os treinos do Benfica no topo de uma onda de otimismo que se espalhou em redor como uma febre. Como era seu timbre, Guttmann fez-se pagar e bem. Incluindo no contrato as já suas famosas cláusulas de prémios por vitória em cada prova, sobretudo se voltasse a conquistar a Taça dos Campeões Europeus.
Tudo começou cedo a correr mal, com uma derrota caseira na Luz por 2-4 frente ao Sporting. O treinador queixava-se que os jogadores estavam aburguesados: «Quando cá cheguei, só três ou quatro tinham carro. Agora todos vêm para os treinos ao volante. Parece que perderam a sede de ganhar». Incapaz de aceitar que os seus métodos estavam ultrapassados, carregava as responsabilidades para as costas dos jogadores, esquecendo por completo que treinava uma equipa tricampeã nacional e que jogara na época anterior mais uma final dos campeões. O discurso chegou a um ponto de agressividade tal que a direção do clube exigiu que parasse de fazer declarações à imprensa. O ambiente era podre: «Pela primeira vez na minha vida, proibiram-me de falar!». A derrota caseira com o Manchester United para a Taça dos Campeões (1-5), pôs fim ao mito. Guttmann atirou o seu veneno sobre Eusébio: «Leva um estilo de vida pouco saudável. Não consegue correr, deixou de marcar, é triste assistir ao fim de um grande futebolista». O mesmo Eusébio que nesse Verão, encheu os campos de Inglaterra com uma classe incomparável. Assistia-se, isso sim, ao triste fim de um grande treinador. Saiu sem ganhar o que quer que fosse. Mas ninguém apagará essa sua época de fracassos. Nunca deveria ter voltado.