Caso João Rendeiro. “É incrível como ele escolheu Durban”

Ainda que o i tenha contactado a esquadra de Durban Norte e a polícia sul-africana, não obtendo qualquer resposta, conseguiu conversar com Cláudia Nunes, luso-africana que considera que a fuga de Rendeiro “foi um choque”.

Depois de João Rendeiro ter sido detido na manhã de sábado, na África do Sul, pela Polícia Judiciária (PJ), várias questões surgiram. Por exemplo, se os cortinados que eram visíveis atrás do ex-banqueiro, quando concedeu uma entrevista à CNN Portugal, poderiam ter conduzido as autoridades a este desfecho. Efetivamente, juntamente com as perguntas e as respostas sempre evasivas do ex-banqueiro, foram as únicas pistas disponíveis, até porque o contacto com os jornalistas havia sido estabelecido por meio da aplicação Telegram, um serviço de mensagens instantâneas que permite o diálogo sem revelação de dados, sendo encriptada.

Porém, muito continua por esclarecer. Após ter prestado declarações à agência Lusa, há dois dia, o porta-voz do comissário nacional da polícia sul-africana Vishnu Naidoo não voltou a falar. O i contactou a esquadra de Durban Norte, assim como enviou e-mails à polícia sul-africana, porém, não obteve qualquer resposta de nenhuma das partes.

Recorde-se que Rendeiro foi condenado a 10, 5 e 3 anos e meio de prisão no âmbito de três processos judiciais. Entre os variados ilícitos dos quais está acusado, encontram-se a falsidade informática, a falsificação de documentos, a burla qualificada e a fraude fiscal.

Pouco depois das 9h30, teve início a conferência de imprensa anunciada pela PJ. O diretor nacional da PJ, Luís Neves – que, esta quinta-feira, em declarações à CNN Portugal, asseverou que havia “crença, paciência e tempo” para localizar Rendeiro, explicitando que a PJ estava a “trabalhar afincadamente” e com “parceiros internacionais” para localizar o foragido –, começou por se dirigir às vítimas dos crimes cometidos pelo ex-presidente do Banco Privado Português (BPP): “Fizemos a nossa parte”. De seguida, explicou que esta força de segurança trabalhou em parceria com a unidade nacional de combate à corrupção, de informação criminal e de cooperação internacional, agradecendo mais diretamente aos congéneres daquele país e de Angola.

Em seguida, esclareceu que Rendeiro entrou na África do Sul no passado dia 18 de setembro. Recorde-se que no dia 5 de novembro Maria de Jesus Rendeiro revelou que o marido estaria na África do Sul, para escapar à prisão de preventiva, tal como foi adiantado em primeira mão pela RTP3.

Em resposta às perguntas da juíza Catarina Pires, disse ainda que falava com o marido “todos os dias”. No dia anterior, o Tribunal de Instrução Criminal (TIC) havia decretado que Maria de Jesus ficaria em prisão domiciliária com pulseira eletrónica e que estava ainda proibida de contactar Florência de Almeira, o presidente da ANTRAL, e o seu filho, Florêncio Plácido.

Segundo Luís Neves, aquando da detenção, Rendeiro “reagiu surpreso, não estava à espera”, narrou, adicionando que “é patético” o ex-banqueiro dizer que não estava fugido, pois “tinha muitos cuidados e não circulava livremente”.

Sabe-se que o foragido ter-se-á instalado no hotel de cinco estrelas Forest Manor Boutique Guesthouse, na cidade sul-africana de Durban, em Umhlanga, na província de Kwazulo Nata. Mas “depois teve outros locais por onde deambulou no sentido de dificultar” a investigação das autoridades. “Se e quando for extraditado, naturalmente será para cumprimento de pena”, asseverou Luís Neves, garantindo também que existem condições para ir buscar Rendeiro àquele país apesar de existirem diversas restrições em vigor devido à pandemia de covid-19.

“Ele foi muito inteligente” À época, Rendeiro esclareceu que só voltaria a território nacional caso fosse ilibado ou indultado pelo Presidente da República. Acerca de Ricardo Salgado, Rendeiro afirmou que este é “protegido pelo sistema”. “Como nunca paguei nada a ninguém e não tenho segredos de Estado, sou um poderoso fraco”, referiu, contrapondo-se ao ex-presidente do Banco Espírito Santo, que “segue com a sua vida tranquila em Lisboa”. Indo ao encontro do ponto de vista da PJ, naquele dia a CNN Portugal declarou que o ex-banqueiro havia sido entrevistado “à distância e através de tecnologias” que permitiram “proteger rastos de localização”.

Por todos estes motivos, Cláudia Nunes, que, apesar de viver em Portugal desde 1990, continua a considerar-se sul-africana de alma e coração, considera que “de certa forma, esta situação pode ter impacto na forma como somos vistos na África do Sul porque ele é uma pessoa muito conhecida, importante e isto pode criar algum estigma”. “Esta é a minha opinião, mas parece-me que é baseada em factos e acaba por espelhar a dos restantes membros da diáspora”, sublinha a mulher de quase 48 anos que nasceu em Joanesburgo e viveu na África do Sul até aos 17 anos.

“Para nós, estando já em Portugal, sendo que me considero sul-africana, foi um choque. Como também foi no caso do Ricardo Salgado. São personalidades de alto gabarito nas quais devíamos confiar e depois fazem isto. Falando de Rendeiro, especificamente, estranhei que tivesse escolhido aquele país”, adiciona a professora de música que, atualmente, reside em Lousada, no município do Porto.

“É incrível como ele escolheu Durban… Julgo que o tenha feito por ser uma cidade costeira. Acho que a Cidade do Cabo daria mais nas vistas, ele foi muito inteligente. Escolheu mesmo uma localização com acesso marítimo fácil para uma eventual fuga”, garante, adiantando, contudo, e indo ao encontro da PJ, que “na parte dos cortinados esbarrou-se e não foi nada esperto. Foi por aí, aliás, que a PJ conseguiu descobrir o hotel”.