Porque não votei Rui Rio

Nunca votaria em Rio até porque, no partido, nunca votei. Antes, porque o conhecia e sabia da sua bem oculta e cinzenta mediocridade enquanto homem de formação cultural mediana e conhecia de sobra o líder sem ideias e paralisante do desenvolvimento. Um verdadeiro não realizador. 

Por Luis Filipe Menezes
Ex-presidente do PSD 

No último sábado escrevi nestas páginas que não tinha votado em Paulo Rangel nas eleições internas do PSD. E expliquei porquê.

À posteriori, reconheço que Paulo Rangel fez um bom discurso a assumir a derrota e afirmou, o que também é digno de nota, que cumpriria o seu mandato Europeu até final e que estaria no combates das legislativas de janeiro. 
Tudo atitudes louváveis e eu, que nunca fui íntimo de Rangel, continuo a reconhecer a sua superior qualidade intelectual e nada me move contra ele – o que havia, e tinha a ver com as autárquicas de 2013, já é passado distante.

Todavia, embora o meu texto fosse bem explícito, podia alguém permitir deduzir que não tendo votado em Paulo Rangel, poderia ter votado Rio. O meu escrito era muito claro, mas mesmo assim esclareço-o com normal frontalidade. 

Votei nulo. Porque na comparação entre ambos Rio só ganhava em algo que não me convencia nem considerava essencial: as oportunas sondagens que, da noite para o dia, o davam como o preferido dos eleitores!

Então porque nunca poderia também votar em Rio?

Porque do ponto do vista cultural e intelectual Rio estava a anos luz de Rangel e é, com Manuela Ferreira Leite, o mais árido ‘pensador’ entre o universo de 19 líderes social democratas (com a diferença que Ferreira Leite tem, antes da atividade política, um notável currículo sócio profissional, isto apesar da sua formação hiper-dirigida). 

Mas voltemos às tais sondagens que diriam que ele era o mais preparado para governar. Até porque isso, convém recordar, já era aferível. Ele já governou. Uma eternidade. Doze anos na cidade do Porto. 

Um período em que a cidade que vinha do ciclo de modernidade impulsionado por Fernando Gomes – Porto Capital Europeia da Cultura, Porto Património da Humanidade, Porto líder das cidades do Eixo Atlântico Ibérico, o Porto do novo Parque da Cidade, da renovação dos equipamentos culturais, da revolução na habitação social, da liderança do Norte. 

Rio em 12 anos só acelerou uma desertificação desastrosa de uma cidade densa, expurgou tudo que cheirasse a cultura, fez guerras contra tudo e contra todos – as magistraturas, as polícias, a comunicação social e, claro, o FCP, já que, com o seu apurado oportunismo tático, cedo percebeu que isso lhe dava simpatia no País (principalmente a Sul, onde a informação e o conhecimento da realidade portuense são sempre quase nulos, onde a guerra anti-dragão chegou para fomentar a ideia artificial do homem corajoso, sério e de boas contas).

Foram os anos mais negros do Porto contemporâneo, que o podem ter afundado definitivamente para o desígnio de tornar a urbe no segundo farol de desenvolvimento e empreendedorismo na frente peninsular atlântica.

A sua bandeira, a única, foi a de que colocou as contas da Câmara em dia! A velha questão de que uma mentira dita muitas vezes passa a ser ‘a verdade’. O que é notável é que nunca identificou quem as teria colocado em desalinho – ou seja contas deficitárias filhas de pai incógnito – e até já Rui Moreira veio a público declarar que fez mais pelas contas municipais em 4 anos que Rio em doze. Nunca houve acusado de delapidar essas contas, porque não era uma asserção correta e porque uma guerra pública, retroativa, com Gomes seria suicida!

Nunca votaria em Rio até porque, no partido, nunca votei. Antes, porque o conhecia e sabia da sua bem oculta e cinzenta mediocridade enquanto homem de formação cultural mediana e conhecia de sobra o líder sem ideias e paralisante do desenvolvimento. Um verdadeiro não realizador. 

Depois de 2013 somava ao seu inqualificável procedimento contra a candidatura legítima do partido à Câmara do Porto, o seu comportamento mesquinho em relação ao governo liderado por Passos Coelho.

Ambas essas atitudes, num partido europeu tolerante e pluralista, tiveram tal gravidade, que só poderiam ter tido um caminho: «processo disciplinar e eventual perda de direitos prolongado ou até mesmo expulsão», como afirmou há semanas, fazendo com essa opinião primeiras páginas, Rui Moreira, o edil da Invicta. 

Curiosamente foi Rui Moreira quem mais beneficiou com tais condenáveis desvarios, o que ainda valoriza mais essa opinião.

Há dois anos, com o meu voto e com a minha remanescente influência partidária, impedi que ‘caísse’ em Conselho Nacional. Fi-lo em coerência. Tinha sido sufragado, ‘ou seja amnistiado’, por todo o partido, teria pois que mostrar na plenitude o seu valor. Voltaria hoje a fazer o mesmo.

Todavia, durante estes quatro anos, ainda ninguém percebeu o que Rio defende para o país, nem tão pouco para a sua governação quotidiana. 

Da saúde à segurança social, da política de emprego à política educativa, do papel de Portugal no mundo ao seu papel no jogo nacional de poder, da descentralização à própria política económica e financeira, de que, de acordo com a lenda, após toda uma vida adulta como político profissional, seria ‘expert’. 

A sua vitória foi tangencial, mas foi a terceira, o que lhe dá um certo estatuto de boneco rombo, mas sempre em pé. O eleitorado gosta desse tipo de equilíbrio épico. Qualifica-o com aquela palavra nova e horrível –resiliência.

As tais sondagens, verdadeiras ou marteladas, deram-lhe um inequívoco impulso e a evidente queda vertical de toda a esquerda, e de forma nítida da maioria governamental, podem ajudar a construir um farol de oportunidade.

Uma coisa é certa, o maior adversário de Rui Rio continuará a ser ele próprio. As suas insuficiências estruturais, a sua arrogância patética, a sua auto suficiência sem sustentação e a sua tendência para os dictates e decisões prepotentes.

As listas de deputado, agora públicas, são um hino a tudo aquilo que Rio esconde e tanta comunicação encobre. A seriedade intelectual, o espírito de justiça, o amor à qualidade, a aposta na sociedade civil extra partidária.

As candidaturas do PSD são, na generalidade, um hino à falta de caráter na decisão, um exercício de intolerância com perigosos tiques antidemocráticos, uma expurgação radical da sociedade independente e livre.

Acabei de ler um artigo de Pedro Santos Guerreiro intitulado a Razia Sonsa. Tudo o que atrás refiro peca por defeito em relação ao que li nessa peça, com uma diferença, está mais bem focada que a minha. Na verdade, ainda existem profissionais de comunicação cultos, sérios, inteligentes e não manipuláveis.

Todavia, toda aquela amálgama de fiéis, podia albergar uma qualidade extra. Mas tal não é verdade. Na generalidade é constituída por jovens sem história de vida e muitos deles sem potencial para algum dia a terem, a maioria é ‘aparelho puro e duro’, mas o aparelho do Rio de hoje. Sim, porque o aparelho do Rio de ontem, que cometeu a heresia de ter apoiado Rangel, foi condenado às galés do saneamento sumário. Isto depois de já ter ‘incinerado’ tudo que cheirasse a Passos Coelho e ao seu governo antipatriótico.

Alguns seráficos falam da oportunidade dada a jovens, em contraste com os safardanas dos J das décadas anteriores. Nada mais manipulado. 

Houve no passado jovens a singrar sem condições pessoais para tal? Alguns, mas foi desses jovens que saíram quadros qualificados para a sociedade civil, ministros competentes e líderes de qualidade. Passos Coelho, Carlos Coelho, Jorge Moreira da Silva, Miguel Macedo, Carlos Pimenta, entre muitos outros, eram uns ‘miúdos’ quando se sentaram no Parlamento pela primeira vez. Alguém acredita que a maioria desta leva de meninos obedientes vai ter o mesmo destino? 

Uma outra respeitável referência do PSD defendia os saneamentos de Rio comparando com igual atitude assumida por Cavaco Silva em 1985, após o disputado congresso que o elegeu na Figueira Foz.

Não é de tido exato. Essa radicaliza-se só foi assumida no Algarve, onde fui excluído José Vitorino em detrimento de Mendes Bota. Só que Vitorino tinha-se efetivamente excedido e Mendes Bota foi a alma, muito determinante, de toda a campanha nacional de Cavaco Silva. 

O oposto é que é a realidade. Cavaco Silva logo de seguida recuperou para o Parlamento e para o Governo, a maioria dos seus opositores na Figueira: António Capucho, Carlos Pimenta, Arlindo Cunha e o próprio autor desta prosa.

Há dias uma das mais proeminentes referências morais e políticas do PSD e da política portuguesa dizia-me: «Rio pertence àqueles seres que, não tendo nem qualidade política, nem grandeza humana, passam décadas na vida pública, lá nascendo, vivendo e morrendo, sob um intocável manto de santidade. Um espécie de Conselheiros Acácios e permanentemente lavados em água benta!». 

Não há nada que os moleste e normalmente usufruem até ao fim dessa ‘auréola divina’! Conheci muitos assim e são um grupo comportamental muito especial. Gente sofrível, mas com uma esperteza e um inato sentido de oportunidade. O silêncio sobrepõe-se à falta de ideias que é neles uma arma poderosa.

Rio é um dos seus expoentes máximos no Portugal contemporâneo.

Ainda sobre as candidaturas ao próximo Parlamento um amigo permitiu-me copiar um post das redes sociais em que punha a lista do Porto de 1991 em paralelo com a de hoje. 

Fiquei orgulhoso, porque fui eu, como Presidente do PSD local, que então a compus na totalidade – também nesse particular uma diferença abismal. A confiança que o líder de então, mesmo que forte e um pouco autoritário, tinha nas suas estruturas locais.

Comparando 1991 com 2022. 1 – Fernando Nogueira / Sofia Matos, 2 – Falcão e Cunha / Rui Rio, 3 – João de Deus Pinheiro – Paulo Rios, 4 – Arlindo Cunha / Catarina Ferreira, 5 – Luís Filipe Menezes / Afonso Oliveira, 6 – Pacheco Pereira / Hugo Carneiro, 7 – Vieira de Carvalho / Márcia Resende, e por ai fora na mesma esteira de contraste. No Porto e em todo o território nacional!

Há dias António Barreto publicou um texto em que chamava a atenção para esta deterioração radical das elites dirigentes – é óbvio que tal não é um exclusivo social democrata, comparando-a com a que levou ao desastre da primeira República.

Concordo com ele e não é obviamente Rio o principal e muito menos o único causador deste cataclismo.

Anos e anos de demagogia anti-reformista provocaram-no. Em que entra o regime salarial e social dos detentores de cargos políticos, a falta de reformas do sistema político e eleitoral no caminho da maior representatividade local e responsabilização individual dos eleitos, um funcionamento enviesado da justiça e de alguma comunicação social que, aleatoriamente, dispara sem critério em todas as direções, não ajudando a separar o trigo do joio, antes colocando todos ‘os políticos’ debaixo do manto da sempre possível falta de probidade.

Sendo esta a realidade, ainda se exigiria mais e melhor dos atuais líderes. Exigia-se que tivessem a capacidade de tentar superar essas dificuldades, convencendo gente com história de vida a assumir responsabilidades, unindo e aglutinando aqueles que dentro de portas mostraram ser superiores, mesmo que heterodoxos em relação ao pensamento dominante, não expurgando tudo o que foram referências sólidas que fizeram a história da sua comunidade político partidária.

Assim, para votar em janeiro, serei fiel aos meus princípios e votarei PSD, mas fazendo o que muitos comunistas exercitaram quando em 1995, seguindo os conselhos do coerente Dr. Cunhal, colocaram a mão com os dedos entreabertos à frente dos olhos e votaram no único candidato que poderia derrotar a ‘direita’, o democrata Mário Soares. 

P.S. – Nas listas estão pessoas que estimo, são competentes e serão elegíveis. Entre outros, Paulo Ramalho, Gustavo Duarte, Mónica Quintela, Luís Gomes, Alexandre Poço, Paulo Mota Pinto, Baptista Leite, Rodrigo Gonçalves, Fernando Negrão, Fernanda Velez. Só que uma andorinha não faz a primavera.

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