“50% das crianças que nascem hoje têm probabilidade de ultrapassar os 100 anos”, explica a demógrafa Maria João Valente Rosa

Perante os dados dos Censos, a demógrafa Maria João Valente Rosa alerta que é preciso encarar de frente a reconfiguração da população portuguesa, que não vai rejuvenescer. “Não estamos a permitir que as pessoas beneficiem de todas as fases da sua vida”, afirma.

O envelhecimento da população é um dos dados que saltam à vista nos resultados dos Censos de 2021. Agravou-se ainda mais nos últimos anos do que estava estimado. 

Estamos com um índice de envelhecimento de 182 idosos por cada 100 jovens, são já quase o dobro. Tínhamos estimativas menores, agora temos os dados finais que mostram uma aceleração do envelhecimento. Outro dado que salta à vista é a diminuição da população, o que desde que se fazem este tipo de recenseamentos em Portugal, desde 1864, só tinha acontecido durante a década de 60, num período de forte emigração. Esta diminuição resulta de um saldo natural que foi extremamente negativo e do saldo migratório que, apesar de positivo, não foi suficiente para compensar a diminuição de nascimentos.

Que ilações há a tirar?

É preciso perceber que temos de facto uma reconfiguração da população portuguesa, em que não há só um aumento da população idosa mas uma diminuição da população em idade ativa. Com este desequilíbrio, o que teremos é uma população idosa que tenderá a ficar mais fragilizada e, por outro lado, uma situação em que, se mantivermos o modelo de trabalho tal como hoje existe, limitado por balizas etárias, vamos assistir a uma cada vez maior escassez de mão de obra. Isto não é exclusivo de Portugal mas cá começa-se a sentir. A população em idade ativa que mais diminui são os mais jovens e os das idades superiores mais tarde ou mais cedo serão idosos e isso vai agravar o desequilíbrio. Continuamos organizados em sociedade como estávamos no passado, em que a população era jovem, havia reposição de gerações, ter 65 anos era diferente do que é hoje por isso estamos no momento ótimo de pensar em como nos adaptarmos a esta nova configuração e no que vamos fazer daqui para a frente.

Ciclicamente discute-se como promover a natalidade, do desafio envelhecimento, mas vimos este ano até um recuo na idade da reforma fruto da diminuição da esperança de vida com a pandemia. Em que é que nos devíamos focar? 

As pessoas estão a viver globalmente mais anos e isso devia levar-nos a pensar num modelo em que trabalhassem menos intensamente nas idades centrais, o que agradaria a todos e libertaria tempo para outras atividades, nomeadamente lazer e formação e ao mesmo tempo permitiria prolongar o seu tempo de atividade. Precisamos de perceber de uma vez por todas que o tempo não é sinal de produtividade, não é por trabalharmos muitas horas que somos mais produtivos. Temos vários exemplos disso: Portugal é muito menos produtivo do que a Alemanha e trabalha-se cerca de mais nove horas por semana no que na Alemanha. Não precisamos de tanto tempo de trabalho e poderíamos usar esse tempo para lazer e formação em vez de termos uma rutura entre a idade em que se trabalha e a idade a partir da qual, de forma compulsória, somos obrigados a retirar-nos.

E fica-se com tempo para tudo, quem tem saúde…

Não faz sentido porque isso angustia as pessoas e desperdiçamos um capital humano importantíssimo.

A questão a seguir é como fazê-lo.

Não poderia ser uma mudança para as pessoas que estão hoje na idade de reforma mas para quem tem por exemplo 40 anos e tem décadas pela frente. Temos de nos preparar para o futuro, o que normalmente não fazemos. Reagimos. Vamos ter cada vez mais pessoas nas idades superiores e com vidas mais longas. Das crianças que nascem hoje, 50% têm probabilidade de ultrapassar a barreira dos 100 anos. Temos vidas mais dilatadas, o que é bom, mas temos de lhes dar conteúdo e no modelo de sociedade que temos hoje não estamos a permitir que as pessoas beneficiem de todas as fases da sua vida. As pessoas não estão a beneficiar de mais tempo de vida, as pessoas estão a beneficiar de mais tempo para serem velhas e isso não faz sentido. Precisávamos de uma discussão alargada à sociedade, a começar pelos governantes, procurando-se um pacto de regime em que, independentemente de quem está no poder, se define uma estratégia para se retirar real proveito da esperança de vida que alcançámos. De outra maneira andamos ciclicamente com o problema da Segurança Social, porque são cada vez menos aqueles que contribuem, e ficamos presos a uma única fórmula: ou reduzimos as pensões ou aumentamos as contribuições ou aumentamos a idade de reforma.

Como diminuir a carga de trabalho nas idades centrais sem perder rendimentos?

Avaliando resultados, remunerar as pessoas pelo trabalho que realizam. Estamos presos a essa ideia do trabalho por hora quando há vários exemplos de que as pessoas podem ser mais produtivas se estiverem mais descansadas, se tiverem tempo para fazer outras coisas. Há já experiências de redução da semana de trabalho para quatro dias e recordo-me por exemplo de dados apresentados pela Microsoft do Japão, em que a produtividade aumentou 40%. As pessoas vão mais satisfeitas de trabalhar, mais ricas em termos de conhecimento em vez de terem gasto esse tempo num desgaste rotineiro. E se conseguíssemos fazer isto, trabalhariam mais anos da sua vida.

Não chegavam aos 60 anos desesperadas por se reformarem em alguns casos para terem tempo para si.

Sim e ao mesmo teriam tido tempo para ir fazendo formação, convertendo os seus conhecimentos, havendo com certeza apoios para isso porque a nossa vida é cada vez menos linear, sabemos que há postos de trabalho que vão desaparecer mas outros serão necessários. Grande parte das coisas que aprendi hoje não me servem para nada e as escolas deviam estar abertas às pessoas mais velhas, não no sentido de irem tirar cursos superiores, mas de atualizarem os seus conhecimentos. Claro que tudo isto é um desafio mas em primeiro lugar precisamos de aceitar os factos: a população vai envelhecer, os saldos migratórios positivos serão extremamente importantes e temos de perceber como atrair as pessoas sem as considerar uma ameaça e definir uma estratégia a longo prazo para a sociedade. E não andarmos permanentemente a reagir aos problemas que circunstancialmente surgem todos os anos e que são sempre os mesmos.

Estamos em período eleitoral. Gostava de ver este tema nas campanhas?

Era uma oportunidade ótima de pôr os futuros governantes e as pessoas que vão estar em lugares de referência a pensarem nestas questões e não andarem permanentemente a discutir só o dia a dia. O urgente vem sempre antes do importante, mas temos de começar a discutir o importante. E os cidadãos que vão votar têm de ser mais exigentes em relação a quem vão eleger no sentido de lhes pedirem para se focarem naquilo que é realmente importante para todos enquanto sociedade.

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