O PS e o PSD são iguais?

À primeira vista, podemos achar que entre o PS e o PSD não há grandes diferenças: situam-se ambos ao centro, um mais à esquerda e outro mais à direita, defendem ambos este modelo de sociedade, são moderados, repudiam os extremismos. Mas, por detrás destas fachadas semelhantes, escondem-se naturezas muitíssimo diferentes.

Um destes dias, trabalhando em casa com a televisão ligada, ouvi alguém dizer que «o PS e o PSD são partidos quase iguais».

Espreitei para ver quem falava: tratava-se de um comentador experiente, que até aprecio.

Mas como podia dizer tamanha enormidade?

À primeira vista, podemos achar que entre o PS e o PSD não há grandes diferenças: situam-se ambos ao centro, um mais à esquerda e outro mais à direita, defendem ambos este modelo de sociedade, são moderados, repudiam os extremismos.

Mas, por detrás destas fachadas semelhantes, escondem-se naturezas muitíssimo diferentes.

Historicamente, sociologicamente, ideologicamente, o PS e o PSD situam-se nos antípodas.

O PS nasceu antes do 25 de Abril, por ação de pessoas – e famílias – ‘antifascistas’, com uma tradição de luta contra o Estado Novo.

Em boa parte, os socialistas eram herdeiros de políticos da 1ª República.

O próprio Mário Soares era filho de um ex-ministro republicano e depois combatente contra a ditadura: João Soares.

O PSD, pelo contrário, formou-se já depois do 25 de Abril e a sua raiz era outra: fundava-se na ‘ala liberal’ constituída no tempo de Marcello Caetano, numa tentativa de reformar o regime salazarista.

Os seus membros – Sá Carneiro, Balsemão, Magalhães Mota – não eram lutadores antifascistas, como os outros, eram sobretudo europeístas, imbuídos de um espírito menos ideológico, mais pragmático.

Muitos dos que inscreveram ou aderiram ao PPD depois do 25 de Abril fizeram-no com a intenção de se demarcarem dos socialistas.

Como se dissessem: nós somos democratas mas não temos nada que ver com as lutas do passado, com o antifascismo, pertencemos a um tempo novo.

Essa necessidade de demarcação do socialismo levou até gente da ‘ala liberal’, como Miller Guerra, a inscrever-se no PS, temendo que o PPD evoluísse para a direita.

Ao contrário dos socialistas, que tinham como cartilha o socialismo democrático (‘socialismo em liberdade’), os do PPD não adotaram cartilha nenhuma.

Eram democratas, europeístas, ponto final.

O facto de o PPD não se integrar em nenhuma corrente ideológica internacional (enquanto o PS era socialista, o PCP comunista e o CDS democrata-cristão) levou-me um dia a chamá-lo «o partido mais português de Portugal». 

Era formado por portugueses comuns, sem grandes preocupações políticas nem doutrinárias, que queriam simplesmente fazer a sua vida.

Não intentavam implantar em Portugal nem o comunismo, nem o socialismo, nem a democracia cristã, nem nada – queriam um regime que os deixasse trabalhar.

A transformação do PPD em PSD não se deveu a questões ideológicas mas a razões puramente táticas: para poder inscrever-se num partido europeu e assim se defender dos radicais no período revolucionário.

Política e sociologicamente continuou a ser PPD.

Sendo o PS herdeiro dos partidos republicanos, conseguiu – como aqueles – conquistar muitos apoios no funcionalismo público e na pequena burguesia urbana.

E, tal como aconteceu com o Partido Republicano de Afonso Costa na 1ª República – numa curiosa repetição da História -, o Partido Socialista tornou-se a pouco e pouco o ‘proprietário do regime’ nesta 2ª República.

Mesmo quando está fora do poder, o PS mantém a sua influência.

E, assim, as pessoas que queriam lugares, que desejavam posições, que precisavam de apoios do Estado começaram a encostar-se ao PS.

E para o PPD foram aqueles de espírito mais liberal, com mais iniciativa, empreendedores, gente que não esperava ajudas públicas e antes apostava na livre iniciativa. 

Hoje, mesmo quando defendem coisas aparentemente parecidas, o PS e o PSD fazem-no com um espírito e objetivos diferentes.

O PS é o partido do sistema, identifica-se com o sistema, o sistema está feito à sua imagem e ele defende-o.

Sendo o principal beneficiário do sistema, quer protegê-lo e não reformá-lo – pelo que nunca se poderão esperar dele grandes (nem pequenas) reformas. 

O PSD não.

Assente na sociedade civil e não no Estado, é por natureza reformista.

Não quer um Estado tão pesado, tão gastador, tão omnipresente.

Quer dar mais espaço aos cidadãos, à iniciativa privada.

O PS precisa do Estado para sobreviver; o PSD quer sobreviver para além do Estado.

E aqui temos como o PS e o PSD são realidades inteiramente distintas.

Diferentes na história, na sociologia e no modo como encaram a sociedade. 

Se o PS é o preto, o PSD é o branco.

Dizer que são quase iguais é não perceber nada de nada.