BdP. Incerteza faz soar alarmes e estabilidade financeira pode tremer

 Inflação, juros, risco de crédito e endividamento podem estar em causa a médio-prazo devido à incerteza criada pela evolução da pandemia.

A pandemia pode causar riscos de médio-prazo à estabilidade financeira. O alerta é dado pelo Banco de Portugal no Relatório de Estabilidade Financeira (REF), divulgado esta segunda-feira, e aponta para a inflação, juros, risco de crédito e endividamento. De acordo com o documento, “os efeitos da pandemia não estão ultrapassados, nem integralmente materializados, sendo ainda incerta a sua extensão total”. 

E acrescentou: “Adicionalmente, as medidas de mitigação do impacto da pandemia e de apoio à atividade económica originaram um recurso acrescido a dívida, tanto pública como privada. Como a experiência passada demonstrou, a acumulação de dívida constitui uma vulnerabilidade que potencia a materialização de riscos de crédito e de mercado para os setores residentes”. 

Outra dor de cabeça poderá ser o “aumento significativo da inflação” a nível mundial, “também associada à pandemia”, que segundo a entidade liderada por Mário Centeno, reflete, entre outras coisas, “a recuperação desfasada da oferta face à procura em setores e atividades relevantes”. Uma situação que poderá provocar o risco de agravamento dos custos de financiamento de Portugal nos mercados internacionais e que poderá não levar o Governo a “ser obrigado” a corrigir as contas públicas a breve prazo, como também para os bancos, sobretudos os que estão mais expostos à dívida pública. Aliás, ainda na sexta-feira, o ex-ministro das Finanças tinha afirmado que o próximo Governo “terá dois a três anos” para repor o equilíbrio das contas públicas, depois dos défices orçamentais e da subida da dívida pública em resultado das medidas de apoio às empresas e famílias durante a pandemia.

E apesar da evolução da inflação ter sido avaliada como temporária pelo Banco Central Europeu (BCE), o banco central avisa que “a revelar-se mais persistente do que o esperado existe o risco de gerar volatilidade excessiva nos mercados financeiros e de assumir uma natureza mais estrutural nas expectativas dos agentes económicos”.

Soar alarmes

O Banco de Portugal apontou assim também para “vulnerabilidades e riscos para a estabilidade financeira no médio prazo”. A primeira é a “reavaliação dos prémios de risco, em resultado do aumento de incerteza por parte dos investidores quanto à evolução da inflação e à reação das autoridades monetárias”. 

Seguem-se as “alterações nas condições de financiamento nos mercados internacionais, com impacto nos preços do mercado imobiliário residencial e no custo de financiamento do soberano e dos restantes setores institucionais”.

O BdP aponta também para “perturbações da atividade das sociedades não financeiras [empresas] com impacto no incumprimento e materialização do risco de crédito, em particular nos setores mais afetados pela pandemia”. E por último para a possível “subida do rácio de endividamento dos particulares em relação ao rendimento disponível, sobretudo decorrente do crescimento do crédito à habitação, que afetaria a resiliência financeira dos particulares a variações do desemprego e consequentes quebras de rendimento”.

Já em relação ao setor bancário, o supervisor alerta para a “deterioração da qualidade dos ativos e materialização do risco de crédito”, chamando a atenção para a “importância de um adequado registo de imparidades para crédito”.

Moratórias controladas

A entidade liderada por Mário Centeno afirmou ainda que os riscos de incumprimento relativamente às moratórias estão “mais controlados” do que o esperado, ainda assim, apontou para “sinais de deterioração” na qualidade desse crédito. E afirmou: “No geral, o setor dos particulares demonstrou maior resiliência, enquanto no caso das empresas, em especial nos setores mais vulneráveis, poderão existir mais dificuldades com o retomar do serviço da dívida”.

Mas apesar disso, reconheceu que “os dados disponíveis não permitem ainda determinar o impacto do final da moratória na qualidade dos ativos do sistema bancário”, acrescentando que “no final do primeiro semestre de 2021, observaram-se, contudo, alguns sinais de deterioração na qualidade do crédito para alguns dos mutuários que beneficiaram da moratória e para as empresas de setores mais afetados”. 

No entanto, no caso das situações viáveis, mas em dificuldade reconheceu que as instituições financeiras poderão ter um papel essencial na sua recuperação através da renegociação e reestruturação atempada das operações de crédito. “Os bancos têm ao dispor instrumentos, com condições favoráveis, que permitem o apoio à recuperação dos mutuários, como a linha Retomar e as linhas de crédito com garantia do EGF [fundo de garantia pan-europeu]”, afirmou.

Sobrevalorização do imobiliário

O regulador continua a acreditar que há alguma “sobrevalorização” no mercado imobiliário, apesar de não associada à concessão de crédito.  E face a esse cenário, o supervisor deixou a garantia de que irá continuar a “monitorizar e a ver se são necessários ajustamentos”, e caso esse seja o caso, o BdP não deixará de “tomar decisões em conformidade”.

Este alerta mão é novo. Mário Centeno, já tinha reconhecido que no banco central há “sempre uma preocupação muito significativa sobre o funcionamento desse mercado”, até “pela dimensão dos desequilíbrios que até historicamente se foram acumulando” no setor.