Os extremos não se atraem, ofendem-se

Hoje em dia conseguir reunir um grupo de amigos sem ideologias extremas diferentes tornou-se uma tarefa quase impossível…

Boa noite, senhores visitantes e senhoras visitoras’. Era assim que um speaker que se ouvia no altifalante de um evento de Natal se dirigia às pessoas. Este é só um exemplo do ridículo a que os fundamentalismos podem levar.

Desde miúda que ouço dizer que num jantar de amigos não se deve discutir política nem futebol. Porque em ambos os assuntos há pessoas tão fanáticas que defendem o seu partido ou o seu clube tão cegamente que não conseguem ouvir a opinião dos outros de forma descomprometida e sensata, o que propicia desavenças inesperadas, por vezes para o resto da vida. Duas pessoas podem ser muito amigas e ter muito em comum, mas basta uma delas ter uma posição mais vincada em relação a qualquer assunto, que o diálogo acerca torna-se impossível.

Acontece que hoje em dia conseguir reunir um grupo de amigos sem ideologias extremas diferentes tornou-se uma tarefa quase impossível. Discutir futebol já representa um mal menor, porque nem sequer envolve valores morais. Agora temos os feministas, os ambientalistas, os vegan, os antirracismo, os anti-vacinas, os negacionistas, os antixenofobia, etc. Defender e discutir ideologias diferentes é natural, muitas são louváveis e cada um tem o direito de ter as suas. Mas aquilo a que cada vez mais se assiste é a um extremismo radical e irracional. Ao entrincheiramento numa doutrina abrindo mão do bom senso, da moderação e do sentido crítico, sentindo e fazendo saber – muitas vezes da pior forma – que todos os que não pensam da mesma maneira são quase uns criminosos.

É um contrassenso a forma como os tempos modernos valorizam a liberdade de expressão e ao mesmo tempo a silenciam quando não vai ao encontro de certos ideais. Por exemplo, o politicamente correto ergue uma barreira contra qualquer opinião que possa levantar alguma dúvida, que levante o véu a algum assunto menos adequado ou esperado.

As redes sociais são um dos grandes responsáveis pelo que se está a passar. Têm várias qualidades mas são sem dúvida um pau de dois bicos. Por um lado são um veículo fácil e constante de informação, mas por outro são em parte a origem de grupos fundamentalistas que se formam à volta de doutrinas, bem como um campo de batalha e de troca de insultos.

Os mais radicais fecham-se nas suas ideologias e não são capazes de ouvir, de refletir, de ponderar, de decidir pela sua cabeça o que está mais correto ou é mais sensato. E pior do que isso, muitas vezes não percebem que os outros nem pensam de forma assim tão diferente da sua, mas simplesmente pensam, acompanham a evolução dos acontecimentos, bebem daqui e dali, ponderam e mudam de opinião quando é preciso. Não é por aceitar que de vez em quando a nossa equipa perdeu porque jogou mal que deixamos de vestir a camisola, não é por admitir que o árbitro roubou os adversários que somos menos fiéis ao nosso clube. A sensatez, a ponderação e o bom senso nunca fizeram mal a ninguém – muito pelo contrário. Já a obstinação, a rigidez e a intransigência estiveram na origem de muitas guerras. E pelos vistos continuam a estar.