O ‘passageiro’ acidental

No meio de tudo isto passou despercebida, a aprovação do Orçamento da UE para 2022 (quase 170 milhões de euros em compromissos) o que permitirá a Portugal , com o PRR, dispor de cerca de 22 milhões de euros diários durante o ano.

As eleições legislativas de 30 de janeiro foram um presente inesperado que uma ‘esquerda tonta’ e um partido comunista em declínio acentuado, ofereceram, sem reflexão, ao primeiro-ministro de Portugal e ao partido socialista.
A ordem dos fatores não é arbitrária; a antecipação das eleições em dois anos vem mesmo a calhar a António Costa, pois, mais coisa ou menos coisa, o fim do mandato vai coincidir com algumas alterações no nível das lideranças europeias, às quais o SG do PS não é manifestamente indiferente; para o PS as eleições, neste momento, permitem que uma pequena elite, associada a um conjunto de ilustres desconhecidos, cujo valor está muito longe de ser aceite, mantenha o poder e evite um debate clarificador sobre o futuro do partido que se antecipava para daqui a dois anos.
Como é costume dizer-se ‘enquanto o pau vai e vem folgam as costas’ e pelo menos nos próximos tempos, a geração de ‘chefes’ criada na sequência do consulado de José Sócrates, e a respetiva guarda pretoriana, proveniente da ‘insuspeita juventude partidária’ tem o emprego (que na maior parte é o primeiro ou o único) assegurado.

Tudo bem portanto. A pressão exercida para a realização de umas eleições ultra rápidas (já alguém sentiu a falta do OE ou gritou histericamente contra o perigo de se perderem as verbas do PRR?), num quadro social em que semana sim, semana não, passamos do milagre no combate à pandemia, para a tragédia anunciada das novas variantes, facilitou a tarefa de quem vai à frente.

Em condições normais estaria a fazer-se um verdadeiro balanço sobre o que foram os seis anos de governação da ‘geringonça’ e, como consequência, a exigir-se aos que estão contentes (onde se inclui o primeiro-ministro) que reafirmassem o compromisso de repetir a fórmula e aos críticos da solução que assumissem frontalmente a sua divergência.

Reconheça-se que esta segunda atitude se torna mais difícil pois o principal partido da oposição foi quase sempre incapaz de denunciar os erros cometidos (e até colaborou nalguns) e, nomeadamente não foi capaz de apresentar um plano alternativo para o desenvolvimento do país. A propósito, onde tem andado o excelente Prof. Joaquim Sarmento, o Centeno do PSD? Que raio de comparação.

E os parceiros da ‘geringonça’ fazem lembrar o maluquinho que existe em quase todas as pequenas localidades do país e que passa a vida a gritar ‘agarrem-me se não mato-me’, mas que, agarrados ou não, mantém-se fiéis ao compromisso que impede o desenvolvimento do país.

Bom ambiente, portanto, para o PS continuar a exibir a sua natureza, explorando até à exaustão as estatísticas que ‘parecem’ positivas, mesmo quando o não são, e ignorando olimpicamente tudo o que possa parecer menos positivo.

Ainda recentemente a OCDE, normalmente simpática para Portugal, (por razões que a razão desconhece) veio alertar para o facto de o nosso país ser um dos que mais dificuldade vai ter para sair da crise económica e as previsões de evolução do PIB, com base nos dados do segundo trimestre apontam para que Portugal esteja, em 2021, bastante abaixo do final do ano de 2019, ou seja antes da pandemia.

É já claro que dentro de dois ou três anos o rendimento dos portugueses, em paridade de poder de compra, só estará à frente da Bulgária. Podia ser pior.

Com o quase completo silêncio do líder da oposição, entretido com purgas internas, desvalorização do sistema parlamentar, assassinato de um verdadeiro processo de regionalização e afirmações desfocadas (mesmo quando parecem ter alguma razoabilidade) sobre as recentes intervenções da PJ e do MP, o PS só perderá as eleições, se houver ‘um milagre’ que é um acontecimento cada vez mais difícil de ocorrer.

É claro que a campanha eleitoral ainda não se iniciou (apesar de não se ver outra coisa?) e tudo pode mudar, mas Costa, há muito tempo que sabe ‘que não há uma segunda oportunidade para causar uma boa primeira impressão’.
É certo que em eleições há sempre surpresas (alguém imaginava que Moedas ganhasse Lisboa a Medina?) mas nunca são tantas como se imaginam ou se desejam.

Apenas, por exclusiva responsabilidade do PPD/PSD, que decidiu encostar-se à esquerda e querer ser social democrata (como se alguém trocasse o original pela cópia) a direita liberal e a direita radical vão crescer, mas como se verá, pelo menos na próxima legislatura, esse facto não porá em causa, significativamente, a hegemonia do PS.
Por isso se justifica a presença na lista de deputados da maioria dos membros do atual Governo, e a manutenção dos habituais ‘jotas’ que pouco mais conhecem da vida que a lógica do aparelho e a intriga partidária. De renovação e pluralismo ninguém ouviu falar.

Pode este ‘desfecho anunciado’ ser diferente? Pode, ou melhor podia, se tivesse sido apresentada uma alternativa clara, se fosse feita uma declaração inequívoca que não seria tolerada outra geringonça que tão mal fez ao futuro do país, bloqueando as reformas que impediram e impedem o desenvolvimento do país e se fossem denunciados os governantes que, às vezes passando entre os pingos da chuva, tanto contribuíram para a degradação da saúde, da administração pública e da justiça em Portugal.

Sacrificou-se o Cabrita, o passageiro acidental, porque Costa com a manha que todos, justamente, lhe reconhecem, o removeu como ‘ativo tóxico’, antes que fosse tarde de mais.

No meio de tudo isto passou despercebida, a aprovação do Orçamento da UE para 2022 (quase 170 milhões de euros em compromissos) o que permitirá a Portugal , com o PRR, dispor de cerca de 22 milhões de euros diários durante o ano.

Infelizmente Portugal está a ficar cada vez mais dependente dos fundos europeus e cada vez mais próximo, em desenvolvimento, da cauda dos membros do clube europeu.

Não chega ter fundos (seria demasiado fácil), pois é indispensável modernizar Portugal, reduzindo a burocracia, combatendo a sério a grande corrupção, melhorando a justiça e criando um sistema fiscal amigo das empresas e dos cidadãos.

Estes são os temas que deveriam ser discutidos antes das eleições de 30 de janeiro.

A ‘geringonça’ adiou Portugal o que torna quase criminosa a ideia de a querer continuar. Quem o defender deve ser, eleitoralmente, castigado.