Natal não é quando a covid quiser

As iluminações públicas contrastam com a ‘escuridão e as incertezas’ de uma pandemia que está também a matar o Natal e a Família.

Há um ano, na tradicional bênção Urbi et Orbi – a partir das Sala das Bênçãos e não da sacada central da Basílica de São Pedro, com a Praça com o mesmo nome deserta em função das medidas restritivas impostas pela covid-19 -, o Papa Francisco transmitiu a Roma e ao Mundo uma mensagem de esperança – «Neste tempo de escuridão e incertezas pela pandemia, aparecem várias luzes de esperança, como a descoberta das vacinas» – com uma referência especial para as famílias, impedidas pela primeira vez de se reunirem livremente à mesa de Natal. Foi para elas, aliás, a última palavra de Francisco: «Seja o Natal a ocasião propícia para redescobrirem a família como berço da vida e de fé. Feliz Natal para todos».

Quem diria que um ano depois, mesmo num país com mais de 80% da população plenamente vacinada, incluindo doses de reforço para os de maior risco e mais velhos, e em que até jovens e crianças já foram inoculados, voltaríamos a passar o Natal com as mesmas (ou com outras mas basicamente idênticas) ‘escuridão e incertezas’ do ano passado?

Um ano volvido, o Natal volta a não ser o que era, sobretudo para a Família, célula ou esteio basilar de uma sociedade com futuro – ou nas palavras mais católicas do Papa «berço da vida e de fé».

Ainda há bem pouco tempo, o Presidente Marcelo congratulava-se com a taxa de vacinação em Portugal – no topo do ranking mundial – e dizia alto e a bom som que este ano, assim, cada um poderia celebrar o Natal como bem quisesse.

Pois sim, semanas depois o primeiro-ministro António Costa anunciava novas restrições para a época festiva e dava o seu próprio exemplo: já falara com o irmão e combinara que este ano ainda não estariam todos à mesa no Natal.

Os exemplos das mais altas figuras do Estado apontam para a dispersão das famílias como forma de prevenção da pandemia.

E é o que temos.

Na verdade, os infetados disparam, independentemente da vacinação. O número de internamentos e de vítimas mortais não assume o dramatismo de há um ano – provavelmente, por efeito da vacinação mas, eventualmente, também porque a Omicron, apesar de mais contagiosa, não produz efeitos tão graves para a saúde da generalidade dos afetados como as variantes anteriores (de outro modo, o número de mortos em países com taxas de vacinação bem menores já seria dramático) – mas isso é matéria para os especialistas, que não sou.

Do Natal do presépio de Belém que representa a vida, a família, a fraternidade, a solidariedade, a generosidade, a paz, o amor e outros valores essenciais para a sobrevivência da Humanidade sobram as luzes pelos espaços públicos, os pais natais dos centros comerciais ou a trepar pelas fachadas dos prédios como larápios prontos a invadir varandas e janelas e outros símbolos do consumismo que também faz parte da época, porque alimenta o comércio e a economia (e, para crise, já basta assim).

As famílias trocam presentes, encontram-se aos bochechos, lamentam que não possa ser de forma diferente e a tradição vai-se mudando.

A festa da reunião da Família à volta da mesma mesa, com bacalhau, peru, polvo ou cabrito, filhós, azevias, rabanadas ou fatias douradas, lampreias de ovos, bolo rei ou rainha, conforme as regiões e as posses de cada um, volta a ter de ficar adiada.

A alternativa – menos má e só para quem puder – são jantares volantes em espaços arejados, com uso de máscara, mantendo as distâncias de segurança e testando todos os presentes. Missão quase impossível para quem não teve o cuidado de marcar nas farmácias com preventiva antecedência, já que os testes estão esgotados em todo o lado e o sistema também foi incapaz de prever e garantir resposta para tantos  pedidos.

Mais uma consequência da navegação à vista que tem sido, sempre, a luta contra a pandemia. Ou, como disse o Papa Francisco há um ano, de tanta «escuridão e incertezas».

Neste estado das coisas, resta-nos a esperança. Sobretudo em que, mais variante menos variante, as populações vão criando anticorpos e defesas que transformem a covid numa gripe como as outras, menos contagiosa e, sobretudo, com efeitos menos graves.

Afinal, no Natal de 2022 ainda há neste mundo crianças a morrer de poliomielite e há décadas que há vacinas eficazes para a combater. Como é possível?

Um ano é exceção, dois quebra a regra, três será demais. 

Como disse o Papa Francisco, «seja o Natal a ocasião propícia para redescobrirem a família como berço da vida e de fé». Feliz Natal para todos!