Há uma sensação de fim-de-ciclo

Penso que, no confronto com o PS e António Costa, Rui Rio tem o caminho facilitado.

Numa entrevista a Vítor Gonçalves na RTP, Rui Rio – com a sua desarmante ingenuidade – confessou que não lhe repugnaria ir às eleições em coligação com o CDS, mas que a maioria do Conselho Nacional se inclinou para uma candidatura solitária.

Foram muitos os comentadores que criticaram esta decisão.

Não é evidente que uma coligação PSD-CDS criaria uma dinâmica mais forte do que uma ida do PSD sozinho às urnas?

Mesmo com os baixíssimos números que o CDS apresenta nas sondagens, não é verdade que uma coligação teria um valor simbólico acrescido, fazendo lembrar a velha AD e despertando na direita energias adormecidas e uma esperança nova? 

Não é inegável que uma coligação dessas teria um ‘valor sociológico’ muito superior ao seu ‘valor aritmético’?

É uma argumentação razoável. Mas é preciso ter noção de que uma coligação do PSD com o CDS (ou também com a IL) arrastaria consequências muito para além disso.

Promoveria a bipolarização do eleitorado. 

Cortaria o eleitorado ao meio – ficando para um lado os da direita (PSD+CDS+IL) e para outro lado os da esquerda (PS, BE e PCP).

O país ficaria dividido em duas metades, desaparecendo o centro.

Os eleitores seriam obrigados a optar entre a esquerda e a direita.

Ora, com o PSD a apresentar-se sozinho, a realidade é outra.

O centro não desaparece, pelo contrário: o PSD situa-se aí, disputando os votos um a um ao Partido Socialista.

Inicia-se um ‘jogo do empurra’, com o PS e o PSD a quererem ser eles a ocupar a zona central, atirando o adversário para os extremos. 

O PSD tentando colar o PS à esquerda, dizendo que este quer ressuscitar a ‘geringonça’; e o PS procurando identificar o PSD com a direita, agitando o espantalho de uma possível coligação com o Chega. 

E esta luta é centrada em dois homens, António Costa e Rui Rio, representando um deles a continuidade e o outro a mudança. 

Claro que, ao colocar-se ao centro para tentar captar eleitores que nunca aceitariam votar à ‘direita’, Rui Rio deixa mais espaço à IL e sobretudo ao Chega.

Este, pela voz de André Ventura, vai tentar meter o PSD e o PS no mesmo saco, dizendo que entre um e outro venha o Diabo e escolha – apontando o Chega como a ‘verdadeira alternativa’ ao status quo. 

E é por isso que Rui Rio vai ter de ‘esticar’ o discurso, dirigindo-se ao centro mas piscando o olho à direita – como já fez no Congresso, falando da necessidade de repensar os apoios sociais, para evitar que haja gente a aproveitar os subsídios para não trabalhar.

Foi interessante, a este respeito, ver os aplausos espontâneos que esta afirmação provocou, mostrando que há temas que o Chega colocou na agenda e que colhem apoios mesmo nos sectores moderados.

Penso que, no confronto com o PS e António Costa, Rui Rio tem o caminho facilitado.

Episódios como o de Cabrita foram muito desgastantes para a imagem dos socialistas. E a detenção de Manuel Pinho, identificando o PS com gente menos recomendável, também não ajudou nada. 

Por outro lado, este ‘arrastar’ do Governo está a fazer muito mal a António Costa.

Vive-se no país um ambiente de ‘fim-de-ciclo’. 

As pessoas olham hoje para os ministros sabendo que têm os dias contados – e já assimilaram a ideia de que tudo vai mudar. 

Rui Rio só tem de agarrar essa ideia – apresentando-se como o homem que corporiza a mudança. 

Não tem de fazer mais nada.

Por muito que o PS jure que vai conseguir dar a volta por cima, poucos acreditarão que o mesmo primeiro-ministro possa vir a fazer coisas muito diferentes. 

Concluindo, pode ser que o caminho traçado pelo PSD não seja tão disparatado como à primeira vista parecia.

Não aliena os votos do centro, que é onde se vão decidir as eleições – sabendo-se que cada voto conquistado aí vale por dois, pois é um voto a menos no PS.

E Rui Rio, tendo saído deste processo interno como o grande vencedor, está com a confiança no máximo, dispondo de todas as condições para fazer uma boa campanha.

Assim, contra todas as expectativas, Rio tem razoáveis possibilidades de chegar a primeiro-ministro – coisa com que ninguém contava.

Mas não seria o primeiro líder do PSD a quem tal aconteceria.