O Natal dos mais velhos em tempos de pandemia

O Nascer do SOL quis saber como será o Natal dos mais velhos e que diferenças notam em relação ao ano anterior. Voltámos a falar com as mesmas personalidades do ano passado que nos deixam os seus testemunhos. Entre esperança e preocupação, esta época volta a ser passada em família, sempre com cuidados redobrados.

António Bagão Félix: É sempre possível vivenciar o Natal – Se olharmos para o que tem sido o ‘Natal das compras’, talvez devêssemos, nestes anos tão insolitamente diferentes, reflectir sobre os excessos desta febre consumista. 

Associo a ideia de Natal à esperança. E a esperança ao musgo. Musgo de esperança, perguntará o leitor? Como então, se o pobre musgo nem sequer tem raízes, como briófita que assim nasceu? Como então, se não tem sementes para se reproduzir, nem flores e frutos como fonte de vida? Como então, se está condenado ao nanismo, por não ter um verdadeiro sistema vascular? 

Gosto da ideia de esperança que engravida o Natal. Gosto da atmosfera e da iconografia do Natal e da Epifania. E gosto do presépio. E do musgo que lhe dá leito e união. Porque o musgo é, por definição, sinestésico. No seu cheiro inigualável em terra molhada, no seu aveludado tatuar, na quietude da sua extensão. 

Aproximo a lupa de um tufo de musgo, para ir ao encontro de uma delicada cápsula em cima de um delgado pedicelo. Há quem lhe chame até o fruto do musgo. Não que o seja, mas porque envolve uns minúsculos esporos que, na hora do parto possibilitado pela abertura da cápsula, caem sobre a terra humedecida e dão novas vidas à vida. 

Um milagre da natureza: estes minúsculos corpos nem provêm dos óvulos de um ovário, nem têm um embrião e, no entanto, germinam como uma semente, envolvida na esperança. «Na pequena esperança que não tem ar de nada. Esta menina esperança, imortal», citando Charles Péguy (1873-1914). 

Lá fora, na cidade, não há musgo. Com a hiperbolização da sociedade de consumo, o Natal entrou na economia e a economia moldou o Natal. 

Se olharmos para o que tem sido o “Natal das compras”, talvez devêssemos, nestes anos tão insolitamente diferentes, reflectir sobre os excessos desta febre consumista. Dar só vale a pena se a pessoa que recebe está antes da prenda que se entrega. Dar só faz sentido se o que se oferece for uma ponte entre pessoas, uma expressão de um sólido sentimento de união, estima ou consideração.

O certo é que, com pandemia ou sem pandemia, é sempre possível vivenciar o Natal – religioso ou apenas festivo – centrado na esperança e na renovação da magia do espírito de criança, que em nós permanece. Lá diz a sabedoria popular que enquanto há vida há esperança. O musgo que o diga. Para ele, não há a indiferença, o desespero ou esse cretino dilema entre matar o tempo e deixar-se matar pelo tempo.

Corro agora para colher mais musgo – suavemente deitado nos troncos das minhas oliveiras – para lhe ouvir o silêncio purificador da esperança. No musgo, celebra-se a vida. É Natal!
(texto escrito, por opção pessoal, com a grafia antes do AO)

Fernando Correia: O meu Natal de teste e máscara – Resolvi celebrar o Natal em julho porque faço anos e o Natal é quando o homem quiser.

Há oito dias comprei o bacalhau. Há três dias comprei o peru. Na véspera comprei as couves. E hoje percebi que não tenho consoada ou, então, vou consoar comigo, se alguém cozinhar por mim.

Progressivamente aconteceu que uma das filhas contraiu covid. Dois netos também. Reduzimos então o jantar de Natal, considerando a necessidade de quarentena para uma ramo da família. A seguir o covid atacou uma sobrinha e dois filhos dela. Voltamos a reduzir a consoada. Foi então que a minha filha velha fez um teste que deu positivo e outro dos meus netos também. Mais quarentena para outra casa e para mais uma descendência direta.

Entretanto, a minha companheira recebeu a visita inesperada do filho que vive na Holanda e fizeram planos (que cumprem) de cear fora de Lisboa, numa casa de família que mantêm.

Fiquei eu e mais uma filha e cinco netos. Vive na Carapinheira, perto de Mafra. Ao menos, minha querida, vamos estar juntos e damos beijinhos aos restantes pelo telefone.

Qual quê!…

Mais um teste positivo e mais uma quarentena.

Fiquei eu e três doses de vacina (covid) e uma da gripe.

Não tenho consoada. Tenho um gin tónico, um bolo – rei e um filme na televisão.

Estou feliz, porque a infelicidade não se mede em ‘Covids’. E resolvi celebrar o Natal em Julho, com os meus filhos e netos. Porque é Verão. Porque faço anos. E porque o Natal é quando o homem quiser.

Eduardo Catroga: "Infelizmente este Natal atípico já é uma tradição" – ‘Vamos reunir na minha casa, em Lisboa, o mesmo grupo restrito de familiares. Netos e filhas, essencialmente’. Mas desta vez com menos preocupação: já estamos vacinados’.

Em relação ao Natal nada vai mudar significante face ao do ano passado. Vamos reunir na minha casa, em Lisboa, o mesmo grupo restrito de familiares. Netos e filhas, essencialmente. Cunhado e mano, tal como no ano passado, este ano não vêm a Lisboa. Os cuidados são os mesmos embora, estejamos menos preocupados na medida em que estamos todos vacinados ou com duas ou três doses. No ano passado ainda não havia vacinas. No fundo, é um Natal com alguma preocupação mas, desse ponto de vista da pandemia, com mais descanso na medida que a vacina tem provado ser eficaz. Não pensamos sair, pensamos estar essencialmente num ambiente familiar. Infelizmente este Natal atípico já é uma repetição mas penso que na generalidade das famílias e das pessoas há menos preocupação no Natal de 2021 do que no Natal de 2020. Há uma curva de experiência que funciona. Não quer dizer que não existam riscos, no entanto, essa curva de experiência leva a cuidados mas leva também a uma menor preocupação relativa, sem eliminar os cuidados que é preciso ter. Agora temos que psicologicamente nos convencer que vai existir a quarta dose, a quinta, a sexta até se descobrir uma vacina com uma eficácia temporal mais alargada. Psicologicamente já estou preparado para levar a quarta dose. Confesso que não senti qualquer efeito secundário. Todos os anos tenho sido vacinado com a vacina da gripe, a vacina da pneumonia de cinco em cinco anos, desta vez até me descobriram que tinha a vacina do tétano desatualizada e também levei duas doses dessa vacina. Já tenho as vacinas tropicais. Estou super imonizado. Não estou a pensar ir para nenhum país tropical mas apetece-me. Gosto muito de férias tropicais de praia no nosso inverno. Já há uns aninhos que não faço isso e está-me a apetecer meter-me num avião para um sítio tropical. Mas sempre passávamos o Natal em casa e depois apostávamos num destino tropical.

Galopim de Carvalho: "Procuremos dar toda a alegria possível" – ‘Nesta quadra que, cada vez mais, me amargura, procuro neles a alegria convencionada para estes dias, que já pouco ou nada me dizem’.

Por tradição, no dia 24, iremos (estou a falar pelo casal que, curiosamente, completa hoje 64 anos de vida em comum) reunir, num jantar mais tardio e prolongado do que o habitual, a família mais próxima, ou seja, os dois filhos, uma ‘genra’ e três netos. Na situação pandémica que estamos a viver, manda o bom senso que todos nos auto-testemos. É, pois, com essa segurança que procuraremos, nesse convívio, dar-lhes toda a alegria possível e deixar que boa parte dessa alegria nos invada. É, em especial, a alegria dos mais novos que, agora, nesta etapa da nossa vida (já dobramos os 90), nos dá alento e força física, para fazer sair, dos sítios de arrumo, os tradicionais arranjos festivos e a velha árvore de Natal (a mesma, desde que os filhos nasceram, há mais de 50 anos) e ter artes para a decorar e iluminar a preceito. É esta alegria e o prazer de os termos connosco que nos leva para a cozinha e, aí, numa dedicação de horas, confecionarmos aquilo que sabemos que eles apreciam.

Nesta quadra que, cada vez mais, me amargura, procuro neles a alegria convencionada para estes dias, que já pouco ou nada me dizem. Tenho saudades da minha mãe, do meu pai, dos meus irmãos que já partiram e dos amigos e colegas que, também eles, disseram adeus à vida. Tenho saudades dos anos em que fui filho em muitas consoadas, em que pôs as botas junto à lareira, para, no outro dia, sair da cama, a correr, ao encontro do que o menino Jesus lá deixara. Tenho saudades do tempo em que acreditava nessa figurinha e no presépio que montávamos (eu e os meus irmãos) com o musgo que íamos tirar dos muros de pedra virados a norte, com os bonequinhos de compra e os outros que fazíamos com barro, e com tudo o mais que a imaginação ditava.

No que respeita a Portugal, entristece-me, sobretudo, a pobreza de uma parte significativa do nosso povo, a justiça e a educação, três realidades que, em minha opinião, nos envergonham. A pobreza e a justiça, pelas imagens que vou fazendo com base na informação que os media põem ao meu alcance, a educação por tudo o que conheço ao vivê-la por dentro. Em 2015, em princípio do seu mandato, numa acusação implícita aos seus antecessores, o primeiro-ministro, falou do ‘défice que acumulámos de ignorância, de desconhecimento, de ausência de educação, de ausência de formação e de ausência de preparação’. Seis anos volvidos, pouco ou nada avançámos. É verdade que melhorámos consideravelmente o parque escolar e é verdade que alargámos a escolaridade obrigatória até ao 12.º ano, mas há muita coisa a corrigir neste importantíssimo setor da vida nacional, a começar pela preparação dos professores e pela dignificação desta que é uma das mais importantes profissões da sociedade civilizada. 
Desmotivados, mal tratados e mal pagos, sobrecarregados com catadupas de tarefas administrativas e, cada vez mais, pressionados (a bem das estatísticas) a amestrar os alunos a acertarem nas questões que lhes serão colocadas nos exames finais, muitos professores só pensam na possibilidade de se reformarem o mais cedo possível. Cada vez há menos professores e cada vez são em menor número os candidatos a este mister.

No que concerne a humanidade, em que muito poucos concentram toda a riqueza do mundo, assistimos à exaustão dos recursos naturais e à poluição do planeta já visível em terra, no ar que se respira, nos solos, nos aquíferos, e também nos oceanos. A ciência e a tecnologia dispõem hoje de conhecimentos e o planeta ainda conserva reservas para se combater toda a fome e doenças que afetam largas franjas desta humanidade e dar a cada indivíduo a dignidade a que tem direito. Mas o insaciável mundo da finança, mais interessado em viver o presente, vive bem com esta realidade, que também me entristece, e muito.

Teresa Ricou: ‘Temos de estar sempre preparados para o que der e vier, mas, sobretudo, para quem vier e der!’ – O Natal fá-la viajar até África, onde, juntamente com a família se reunia à volta da mesa para a grande ceia. Hoje, diz ser uma ‘nómada’ e quer estar onde mais precisam de si. 

Quando penso nos Natais da minha infância, sou transportada até aos interiores de África, com a minha família. A minha grande família! Às vezes até junto dos doentes com lepra que o meu pai, que era médico, tratava. Sempre fomos muito tradicionais nesta altura do ano, o Natal sempre foi  um momento que nos uniu a todos, mas em África era um pouco diferente. Não existem renas, ou neve, ou frio. Existiam sim muitas árvores, muito sol, muita praia, muita terra encarnada e muitos bons fins de tarde. Era uma vida muito ligada à terra… Nós éramos muitos, porque tenho sete irmãos. A minha mãe tinha sempre um cuidado muito especial nos nossos jantares… Enfim, era tudo muito bom e, ao mesmo tempo, nunca nos esquecemos daqueles que estavam mais abandonados. 

Entretanto a família foi-se espalhando, cada um está no seu local, as pessoas cresceram, as famílias multiplicaram-se e eu ando um pouco de um lado para o outro. Nesta altura, estou muito com os jovens que estão pelos centros educativos, a tentar dar-lhes algum conforto e apoio… Depois tenho o chapitô… Na verdade não tenho tido muito tempo para os meus amigos (que amo de coração), mas não consigo estar em todo o lado. Com a minha família lá vou estando… De maneira que, sou assim uma nómada de Natal em Natal e sinto-me bem. Tal como quero que o resto do mundo se sinta. Desperdício poucas coisas e procuro distribuir aquilo que tanto tenho com aqueles que pouco têm. Por isso, ando aí de um lado para o outro e a minha família é o resto do mundo. 

Nós fazemos sempre grandes festas e grandes animações, mas o Natal este ano está, mais uma vez, contido. Na nossa área de produção, vamos estar no Douro e em Évora, juntos, fazendo a festa e espero que a coisa se mantenha. Com pouca gente, mas cheios de amor e fazendo sempre o nosso trabalho. Porque um artista não tem Natal nem Fim do Ano, tem sempre! O nosso Natal e o nosso fim do ano é sempre em festa. Temos de estar sempre preparados para o que der e vier, mas, sobretudo, para quem vier e der! Eu estou sempre onde for preciso. Ando por aí, gosto de andar. Sou uma nómada.

Maria do Rosário Gama: ‘É importante pensar naqueles que têm de optar por comida ou medicamentos’ – É importante transportar a tradição ‘dos presentes no sapatinho’. Mas o seu pensamento mantém-se junto daqueles que ‘não tem dinheiro sequer para comprar um chocolate aos netos’. 

Lembro-me dos Natais passados no Alentejo. Tínhamos a família toda reunida, os meus pais, as minhas três irmãs, uma tia e uma avó. Parece que ainda sinto o calor daquela grande lareira. Tínhamos sempre aquela atividade do sapatinho na chaminé que carrego comigo até hoje: colocávamos o sapatinho na chaminé e, uma de nós (normalmente era a minha irmã do meio) ia lá colocar as prendas, muito pequeninas. Acho que, na altura, a minha mãe dava dois escudos e meio ou 25 tostões para irmos comprar prendas. Comprávamos chocolates e ficávamos todas contentes. Nessa altura eram esse tipo de prendas que se dava… Isso era essencial. Depois havia a ceia do Natal, onde se faziam todas as comidas típicas que se comem nesta altura do ano, no Alentejo, e que nos permitiam estar todos numa grande união à mesa. Isto depois de termos desvendado os presentes que estavam nos sapatinhos. Era assim… 
Este ano vou passá-lo com os meus filhos e os meus netos. No total seremos dez, porque ainda vem uma irmã e um sobrinho. Eu agora faço a mesma brincadeira com os meus netos, para manter a tradição. Mas, atualmente, temos pistas. Escondemos as prendas, e as pessoas têm de as encontrar através de pistas que vamos dando para percorrerem a casa até encontrá-las. Depois, vamos abrindo à vez e é engraçado… 

Temos também as tradições à mesa. Normalmente, o prato principal é bacalhau. Normalmente nunca o faço cozido, arranjo sempre outras formas mais interessantes de o confecionar e, o resto, é aquilo que se sabe. As entradas e sobremesas típicas. No dia 25, fazemos carne… Ou peru, ou lombo de porco, ou ensopado de borrego, ou cabrito guisado. 

Felizmente a pandemia não alterou muita coisa na dinâmica que se vive lá em casa nesta altura. Somos poucos, sempre os mesmos, estamos juntos todos os dias. 

Quando pensamos em Natal temos de pensar em dois aspetos: a união das famílias e os presentes. A compra dos presentes, nesta altura, aumenta gravemente o consumismo. As pessoas fazem esforços inimagináveis para comprar presentes para os familiares, mesmo, às vezes, não tendo esse dinheiro. Agora, acho importante pensarmos naqueles que não podem comprar sequer um chocolate para dar aos filhos e aos netos. Ou aqueles que gostariam de estar certamente em família e não podem, uns por causa da pandemia, outros por causa das suas pensões bem baixas, abaixo do salário mínimo. São mais de um milhão de pensionistas que dificilmente conseguem comprar uma lembrança para as pessoas que mais amam, porque têm de escolher, normalmente, entre o alimento e o medicamento. É importante pensar nisto.

Simone de Oliveira: ‘Nesta altura do ano sinto uma saudade lavada’ – Em cima do fogão da casa dos pais, recorda uma boneca vestida com um vestido branco às bolinhas. O pão belga Kramiek é uma tradição desde que se lembra.

Lembro-me perfeitamente do Natal dos meus quatro anos. Ficou-me marcado e tenho imagens tão bonitas gravadas no pensamento… Vivíamos nos Olivais. Em cima do fogão estava uma boneca com um vestido branco com pintinhas azuis, um serviço de louça pequenino de café e um boneco dado pela minha avó, que era belga, e que acabou por me acompanhar até desaparecer. Ai os natais da minha infância… Natais com pai, mãe, avós, tios, primas. Natais maravilhosos, inesquecíveis, que, normalmente, me trazem à memória a felicidade que vivi na minha infância inteira. Que sorte! 

Agora, tenho filhos, netos e este ano vamos, finalmente, estar praticamente todos juntos. Nós não somos muitos e vamos passar o Natal na casa da minha filha, fora de Lisboa, num sítio tranquilo onde há muito pouco. Vamos ser seis ou sete, os meus netos passam o dia 24 com os avós maternos e o 25 connosco. Nesta altura do ano o que me importa é estar perto deles, é mesmo o mais importante. É uma altura em que as saudades de todos aqueles que partiram apertam, não é? O meu marido, os meus pais, amigos… Mas a saudade, quando se tem a minha idade, é uma coisa que vai entrando dentro de nós e, como eu costumo dizer, é uma frase do Senhor Varela, o meu marido: ‘Eu tenho uma saudade lavada’. Já usei saltos e agora já não uso, já não tive rugas e agora tenho, já não tive cabelos brancos e agora tenho… É uma saudade lavada. Não tenho essa mágoa, vivo perfeitamente com as diferenças que eu tenho com os meus 83 anos, quase 84. Tive uma vida que me deu quase a obrigação de ser uma mulher feliz! 
Uma das tradições de Natal que também veio da minha infância e que estou, agora, a passar aos meus netos, é a confeção do pão belga Kramiek que tem passas e açúcar. O cheiro, a sensação que me deixa no paladar e na minha vida. Sem este pão, o Natal não é Natal. E fico feliz, porque há um dos meus netos que já o faz maravilhosamente bem. Mas tirando essa, já há poucas. Tivemos a tradição do bacalhau que aos poucos se foi alterando pelo facto da minha filha não viver em Portugal há muitos anos e termos, aos poucos, alterado várias coisas. Não gosto de bolo rei, mas gosto de bolo rainha! E as filhoses? Aí o quanto eu adoro filhoses!

Aqui em casa, como vivo sozinha, tenho uma árvore de Natal pequenina e tenho efeitos discretos. Tenho a minha companheira de vida que é a minha empregada há 25 anos e que me vai fazendo essas, num bom termo português ‘mariquices’, que nos fazem muita falta. Há ‘mariquices’ que nos fazem falta! O tal abraço, o tal beijo, o tal calor que este ano já se vai podendo fazer com certeza com toda a cautela e cuidados necessários. Infelizmente ainda não temos um Natal como gostaríamos, mas a única coisa que eu peço às pessoas é que percebam que é preciso ter as cautelas que os nossos governantes pedem e não é por birras, nem por nada. É mesmo porque tem de ser assim. Há por aí um tipo de negacionismo que eu tenho muita dificuldade em aceitar. Se nós não olharmos para o lado, naturalmente é mau. Temos de olhar para o lado para podermos tomar conta de nós e dos outros. Acho que essa é a nossa função no mundo que, infelizmente, julgo estar muito complicado, muito difícil. Gostava que houvesse mais paz, mais igualdade, mais liberdade em muitas coisas, em muitos países, mais coerência, mais lucidez , mais amizade. Lá está, mais ‘olhar para o outro’. Sem isso, não somos nada.

Gentil Martins: O que foi para mim 2021 – ‘Foi para mim um ano mais preocupante ao ver que os responsáveis políticos parecem não compreender que têm de alterar o modelo de sistema de saúde’.  

Foi para mim um ano mais preocupante ao ver que os responsáveis políticos parecem não compreender que têm de alterar o modelo de sistema de saúde e tratar condignamente os profissionais de saúde, nomeadamente médicos e enfermeiros, os grandes heróis da luta contra a covid-19. Tivemos uma pandemia nunca vista e que infelizmente está para durar e nos obriga a manter vigilantes e a respeitar as regras da ciência, muito embora esta mantenha ainda sérias dúvidas, nomeadamente quanto a  consequências futuras.

Preocupou-me sobretudo o facto de cada vez mais se perder a universalidade e criar um grupo dos que têm algum dinheiro e conseguem tratar-se a tempo e horas e outro dos que têm dificuldades económicas e esperam meses ou até anos por consultas e tratamentos, até por vezes, perdendo a possibilidade de cura. Só reagir depois dos problemas surgirem é em regra tarde demais.

Continuei a pensar  que num mundo em que a longevidade é cada vez maior, não é racional cada vez se procurar encurtar mais a idade da reforma. Não se deve deixar de aproveitar a experiência e capacidade dos mais velhos, embora reconhecendo as suas naturais limitações É no justo equilíbrio entre novos e mais velhos que se deverão encontrar  as melhores soluções.

Continuei a pensar que se não somos infalíveis e nos podemos enganar, não deixa de ser essencial dizer aquilo que se pensa e  em que se acredita, e não apenas o que se pensa que os outros querem ouvir. 

Continuei a pensar que se acreditamos num projeto ou numa missão, é essencial procurar dar continuidade a esse projeto ou essa miIssão. Por isso é essencial procurar a tempo quem nos substitua . Assim deixei a Presidência da Associação dos Atletas Olímpicos e do Centro e Apoio a Vitimas de Tortura, embora permanecendo disponível e colaborante. Como na Medicina o segredo está na prevenção, na vigilância,.na atitude acertada e no desejo de ajudar os outros como gostaria que me ajudassem. Foi isso que procurei fazer.