TAP. ‘Viabilização além da política’

Bruxelas deu finalmente luz verde ao programa de reestruturação. ‘Ultrapassado este impasse deve haver estratégia empresarial catalisadora dos esforços conjugados de acionista, gestores e trabalhadores’, alerta Sérgio Palma Brito ao Nascer do SOL.

TAP. ‘Viabilização além da política’

A pesar de a TAP ter recebido luz verde por parte da Comissão em relação ao programa de reestruturação nada está garantido em relação ao futuro da transportadora aérea. «O auxílio de Estado autorizado pela Comissão garante o percurso da companhia aérea em direção à viabilidade de longo prazo. Esta viabilidade é assegurada por uma TAP com acionista Estado qualificado, gestão independente e responsabilizada, e trabalhadores motivados. Nenhuma destas exigências está devidamente assegurada», garantia dada ao Nascer do SOL por Sérgio Palma Brito, autor do livro TAP que futuro? Como chegámos aqui? 

A companhia de aviação terá, no entanto, de ceder 18 slots no aeroporto de Lisboa. Uma reivindicação de companhias aéreas de baixo custo, como é o caso da Ryanair e easyJet. No entanto, fica dispensada de fazer mais despedimentos, cortar salários ou devolver aviões.

A companhia de aviação irlandesa já pediu à Comissão Europeia para que liberte os cerca de 5% de slots da TAP no aeroporto de Lisboa até ao verão do próximo ano, em vez de adiar para novembro. «A decisão da comissária em adiar esta entrega mínima de 5%, equivalente a 18 slots diários, desde o verão até ao inverno de 2022, prejudica ainda mais a concorrência e as escolhas dos consumidores em Lisboa e irá atrasar a recuperação do Aeroporto da Portela, no decorrer da pandemia», afirmou o CEO do Grupo Ryanair, Michael O’Leary. 

Já a participação minoritária da TAP na Groundforce (49,9%) só será vendida em «condições satisfatórias para a TAP», referiu o ministro das Infraestruturas. «É por isto que dizemos que não vamos ter uma TAPzinha», afirmou.

Foco na estratégia empresarial

De acordo com Sérgio Palma Brito, ultrapassado este impasse, deverá haver uma estratégia empresarial catalisadora dos esforços conjugados de acionista, gestores e trabalhadores. «A prioridade ao hub de Lisboa parece estar assegurada, abandonada que foram as rotas de ‘coesão territorial’ à partida de Porto e Faro», acrescentando que «os poucos voos intercontinentais a partir do Porto existem na estrita medida em que a sua procura não canibalizam a dos voos do hub».

O especialista em aviação recorda que, em 1994, a decisão da Comissão Europeia assentava no compromisso do Governo em privatizar a TAP a partir de 1997. Em 2019, o plano de reestruturação assenta em empresa estatal. «Há uma referência tática à privatização, quando o ministro refere que ‘uma companhia aérea não sobrevive isolada’ na atual conjuntura e que a estratégia passava por trabalhar para que a empresa fique ‘num grupo sólido de aviação», apontando para o Lufthansa Group. 

«A empresa que se integra neste grupo é a TAP estatal ou a privatizada? A viabilidade da TAP passa pela sua privatização a 80% pelo menos. O foco da TAP na aviação parece implicar a TAP sair de Manutenção Brasil, Groundforce e Cateringpor o que se saúda», diz.

Já em relação à perda de slots, o responsável considera que não parece ser significativa e a dimensão da TAP, medida em oferta de passageiros/quilómetro e taxa de ocupação resulta, em última análise, do mercado. «Último, mas não menos importante, a TAP não pode beneficiar de novo Auxílio de Estado no prazo de dez anos. Quem viver, verá e a Comissária Vestaeger dirá que só viabilizou o percurso e não a viabilização da TAP», disse ao Nascer do Sol.

Injeção e potenciais interessados

Ainda esta sexta-feira, o ministro das Finanças garantiu que a TAP vai receber uma nova injeção de dinheiro do Estado até ao fim do ano. «Com o sucesso na aprovação da reestruturação pela Comissão Europeia vamos injetar mais 530 milhões na próxima semana», disse João Leão.

Pedro Nuno Santos afirmou que 3,2 mil milhões de euros pode ser suficiente para viabilizar a TAP. Mas deixou um alerta: «Se não houver nenhuma perturbação mais grave na conjuntura dos próximos anos, este valor é mais do que suficiente» e relembrou que o «destinatário final deste investimento é mesmo a economia portuguesa. Portanto, os portugueses recebem se a TAP continuar a servir a economia portuguesa». 

E deu números: a empresa que exporta 3 mil milhões de euros, que compra 1,3 milhões de euros por ano a várias empresas nacionais. «Tem um impacto tremendo na economia nacional». Um argumento que vai ao encontro das declarações da Comissão Europeia ao referir que a TAP «desempenha um papel fundamental no crescimento do turismo e da economia portuguesa no seu conjunto e é um empregador significativo em Portugal», tendo sido responsável, em 2019, por mais de 50% das chegadas e partidas no aeroporto de Lisboa, daí a aprovação do novo regime português.

O ministro admitiu que existem seis interessados na companhia aérea nacional. «Achamos que a TAP deve integrar-se num grupo. Há vários interessados na TAP. São seis, três fundos e três grupos de aviação». Pedro Nuno Santos, avança que para «fazer negócio, terá de ser com um grupo de aviação que perceba do setor».

Recorde-se que o valor aprovado pela Comissão Europeia divide-se entre 2,55 mil milhões para a reestruturação e regresso à viabilidade da empresa, bem como 107,1 milhões para compensar a companhia pelos danos causados pela pandemia entre o início de julho e o final de dezembro de 2000. «Hoje é um dia muito importante para a TAP, para o país e para o Governo português», disse o ministro das Infraestruturas, acrescentando que os argumentos foram bem recebidos e que os resultados são bons. «O trabalho do Governo português está feito». 

Recorde-se que a transportadora aérea já recebeu um financiamento de emergência de 1.200 milhões de euros ainda em 2020, a que se somaram  462 milhões em 2021. No entanto, o ministro garantiu que será agora contraído um empréstimo junto de privados de 360 milhões de euros entre 2021 e 2022, que contará com garantias públicas a 90%.

Impasse

Ainda no final da semana passada, António Costa garantiu que se recusava entrar em alarmismos e que esperava «serenamente» por uma decisão de Bruxelas. «Sei que temos um dossier sólido. Sabemos que o diálogo com a Comissão Europeia foi bastante intenso», disse apenas.

A reação do primeiro-ministro surgiu depois de o ministro das Infraestruturas e Habitação ter revelado que a companhia aérea teria de fechar se o plano não fosse aprovado. «Estamos a falar na única companhia área a operar em Portugal que tem um hub, que faz viagens intercontinentais entre os Brasil, EUA, África e Portugal e distribui para o resto da Europa», disse o governante.

O Governo entregou à Comissão Europeia, há um ano, o plano de reestruturação da TAP, tendo entretanto implementado medidas como a redução de trabalhadores. Depois de a Comissão Europeia ter aprovado, em 10 de junho de 2020, o apoio estatal de até 1.200 milhões de euros à TAP, a companhia teve seis meses para apresentar um plano de reestruturação que convencesse Bruxelas de que a empresa teria viabilidade futura.

Já em agosto, a Comissão Europeia admitiu recear que o auxílio de 3.200 milhões à reestruturação da TAP viole as regras de concorrência, uma queixa que tem sido repetida por outras companhias aéreas, como a Ryanair.

Bruxelas tinha dito ainda que duvidava que o apoio de 3.200 milhões garantisse de vez a viabilidade da companhia, apesar de reconhecer a importância de o Estado português salvar a transportadora aérea. Um entendimento diferente tem o Governo, que tem vindo a afirmar que «a TAP ficará, assim, devidamente capitalizada para poder prosseguir a sua atividade, contribuindo fortemente para a economia portuguesa».