Universidade de Washington prevê 3 mil milhões de infeções a nível mundial este inverno

Impacto da nova variante em termos de doença grave nos vacinados é a incógnita e só as próximas semanas trarão mais clareza. Universidade de Washington prevê 3 mil milhões de infeções a nível mundial este inverno. Céptico com projeções a longo prazo, Carmo Gomes diz que é preciso retardar o possível mas definir limites.

No dia em que foi atingido um recorde de casos de covid-19 reportados no país em 24 horas, que deverá ser quebrado já hoje, a ministra da Saúde antecipou o que se espera em janeiro: com uma taxa de duplicação de infeções a cada oito dias, na primeira semana de 2022 poderão estar a ser diagnosticados em Portugal cerca de 37 mil novos casos diários. Com o SNS24 no limite da capacidade e o recurso às urgências a bater recordes, Marta Temido não antecipou alterações nas regras para fazer face à covid-19 no imediato e salientou que a resposta está a ser melhorada e passa pelo reforço da linha SNS24, rastreio e testagem. Especialistas ouvidos pelo i admitem que o sistema já não está a dar resposta ao atual aumento de infeções e dificilmente acompanhará a subida que se segue, mas não há respostas fechadas sobre se as regras de controlo da pandemia devem mudar já, como começa a acontecer em alguns países, ou mais tarde e com mais dados. Uma das incógnitas mantém-se em torno do impacto que o aumento exponencial de infeções terá nos internamentos: embora haja indícios de menor severidade da Omicron, é cedo para ter indicadores consolidados. Em Portugal, dados a que o i teve acesso mostram um aumento dos internamentos em Lisboa, mas até ao momento sem efeito nos cuidados intensivos.

Ao i, o epidemiologista Manuel Carmo Gomes admite que se deve fazer o possível por retardar a propagação da nova variante, mas considera que será necessário definir limites sobre a capacidade de testagem e rastreio de contactos em face do aumento de infeções. O professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa diz que neste momento a incógnita é o impacto nos internamentos, com o país a poder seguir o que se passa no Reino Unido e Dinamarca, onde a disseminação da Omicron parece ter-se dado um pouco mais cedo e há dados robustos sobre admissões hospitalares, mas por outro lado considera que se deve pesar até onde se poderá ampliar o atual modelo de deteção e seguimento de casos covid-19 sem se pôr em causa a resposta aos outros doentes. “A saúde pública está a estoirar, a percentagem de casos que não são rastreados está a aumentar. Acho que devemos ir até um certo ponto para travar a rapidez com que a Omicron se propaga mas haverá um momento em que é impossível acompanhar, consomem-se os cuidados primários e saúde pública. Qual é esse ponto, não sei mas é algo em que se deve refletir”.

Para o investigador, o cenário de a variante Omicron poder ser a transição para uma forma de circulação sazonal do vírus não pode ser descartado, mas para isso e para baixar as barreiras à infeção natural continuam mais uma vez a faltar dados sobre a severidade, nomeadamente entre quem está vacinado. Projeções da Universidade de Washington estimaram na semana passada que 3 mil milhões de pessoas, quase metade da população, pode ser infetada este inverno, com os casos diários em Portugal por exemplo a aproximarem-se dos 60 mil por dia no fim de janeiro, podendo superar os 100 mil quando se tem em conta as infeções assintomáticas que não são aumentadas e que estimam que venham a ser mais, mas com muito menor impacto nos internamentos. Lidos com cautela internacionalmente, Carmo Gomes admite também cepticismo com projeções a longo prazo, mas considera que a confirmar-se a menor gravidade, o cenário em que uma grande fatia da população é infetada e imunizada poderá não ser “má notícia” e levar a que o SARS-Cov-2 caminhe para ser como os outros coronavírus que nos invernos causam constipações ligeiras na maioria dos casos, reinfetando a população ciclicamente. Pelo menos em termos de transmissibilidade, é para aí que se aponta. “É muito transmissível. Querer parar este vírus é como querer parar as constipações no inverno. Parece impossível”, admite, salientando no entanto que, perante um aumento abrupto de infeções, mesmo uma fração menor de casos graves pode ser problemática e é sobre essa tendência e rácios que se espera dados mais claros nas próximas semanas.

Para Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, é preciso definir uma estratégia, admitindo que atualmente mesmo o que está preconizado nas normas da DGS já não está a acontecer. “O que vemos é que, por exemplo, a nossa capacidade de testagem está a ser esgotada por pessoas que não têm sintomas e querem ter convívios familiares enquanto que pessoas que estão de facto sintomáticas não conseguem marcar testes”, exemplifica. Por outro lado, os resultados demoram cada vez mais e a ausência de resposta do SNS24 entope as urgências com casos ligeiros. “A menos que de repente houvesse um aumento massificado de recursos, as coisas não vão melhorar”, diz, admitindo que a alteração no acompanhamento dos casos deve ser equacionado e deve ficar claro para toda a população como agir.

Em relação ao fim do ano, já não se esperam novas regras, mas sublinham a necessidade de se perceber o risco de infeção, maior do que no ano passado. “A título individual, penso que todos sabemos o que devemos fazer. Testarmo-nos se vamos estar com alguém com mais vulnerável, ficar em casa com sintomas. Devemos fazer aquilo que pudermos para retardar a progressão, mas não me parece que faça sentido voltar a fechar o país”, diz Carmo Gomes, admitindo no entanto curiosidade por perceber se na China, que mantém essa estratégia perante os primeiros casos de Omicron, a medida será eficaz com a nova variante.