“Sem vacinas, com este nível de infeção, tínhamos estoirado os hospitais há muito tempo”

Com a procura às urgências no São João a bater recordes, o diretor da Unidade Autónoma de Gestão da Urgência e de Medicina Intensiva admite que, mesmo com menor severidade, o aumento de infeções vai perturbar a resposta dos serviços de saúde e defende que é preciso mudar de estratégia. Nelson Pereira considera que, sem vacinas,…

Numa entrevista ao i, e confrontado com o facto de os primeiros indícios indicarem que a Omicron causa doença mais ligeira, Nelson Pereira confirma que “os dados de outros países indiciam isso”, mas confessa que não consegue confirmá-lo.

“O que sabemos até aqui da covid-19 é que os doentes agravam ao 10.º dia de doença, pelo que é muito cedo para perceber se a variante tem o mesmo nível de gravidade que a anterior ou não. Admitindo que seja uma severidade menor, com um volume tão elevado de infeções haverá sempre repercussões no sistema de saúde. No nosso hospital o que posso dizer é que neste momento não é um problema nos internamentos, mas já é claramente um problema no serviço de urgência e isto é especialmente preocupante porque sabemos que não atingimos o pico. Só vai piorar. E portanto é altura de dizer que isto está a funcionar mal e vai piorar senão houver medidas corretivas na estratégia global que estamos a seguir”, defendeu.

Para o médico “há várias componentes que é preciso ajustar” e defende que é preciso “descomplicar” o processo.

“Percebo perfeitamente que as pessoas precisam de documentação, mas a primeira coisa que me preocupa enquanto médico é a componente clínica. Não podemos continuar a olhar para a fase da epidemia em que estamos da mesma maneira que olhávamos no início de 2020. Há de haver um momento, e não me compete a mim dizer se é já ou mais daqui a algum tempo, em que teremos de olhar para esta doença, de tal forma disseminada está, como uma doença em que as pessoas só devem ir aos serviços de saúde com sintomas graves. Ou seja, olhar como em tempos olhámos para a gripe. As pessoas com sintomas ficam em casa, não vão trabalhar mas não precisam obrigatoriamente de ter um teste confirmatório nem precisamos de fazer um inquérito epidemiológico alargado para saber todos os contactos. As pessoas têm de começar a ser instruídas para serem elas próprias a fazer isso, a ficar em casa, a avisarem os outros, e deixarmos de ter profissionais de saúde ocupados com essa missão. Os profissionais de saúde não vão chegar para tudo. Não vão chegar para fazer as tarefas que não são iminentemente clínicas e tratar dos doentes que realmente precisam. E esse é o risco corremos ao manter uma estratégia que fez sentido noutras vagas da pandemia, hoje pode ainda dar mas dentro de alguns dias vai deixar de dar para garantir resposta. É preciso pôr as coisas em perspetiva, perceber onde estamos, que recursos temos. Às vezes estamos de tal forma metidos no barulho que somos incapazes de perceber que as coisas não estão a funcionar e que estamos a afundar-nos sem resolver os problemas de fundo”, declarou.

Nelson Pereira considera ainda que, sem vacinas, e com este nível de infeções, já tínhamos “estoirado os hospitais há muito tempo”.

“Sem vacinas, com este nível de infeção, tínhamos estoirado os hospitais há muito tempo. A esmagadora maioria das pessoas que chega ao hospital está vacinada porque a maior parte da população está vacinada. Agora a percentagem de pessoas que têm sintomas graves e precisa de internamento é menor e disso não haja a menor dúvida, por isso temos de continuar a apostar no reforço da vacinação”, considerou.

Com o ano novo à porta,  o médico deixa um conselho: “Neste momento o único conselho que posso dar é fiquem em casa e festejem o ano novo em frente à lareira com as pessoas com quem vivem”, completou.

Leia aqui a entrevista na íntegra.