Portugal pode chegar aos 600 mil isolados na próxima semana

O segundo ano da pandemia termina com mais infeções, menos doentes internados e menor letalidade do que há um ano. DGS muda regras mas subida de contágios mantém pressão sobre serviços.

Na próxima semana, o universo de portugueses infetados e em isolamento por terem tido contacto com alguém com covid-19 pode chegar aos 600 a 650 mil, terminando o ano com recordes de infeções e pessoas em isolamento na Europa e a incerteza sobre se o menor impacto de doença grave e mortalidade conseguido com a campanha de vacinação ao longo do ano é suficiente para que os sistemas de saúde consigam lidar com níveis sem precedentes de contágios ao longo do inverno sem voltar a medidas mais restritivas. A estimativa é feita ao i por Carlos Antunes, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que admite que o impacto da Omicron possa ser menor em termos de doentes a precisar de hospitalização, mas o impacto nos cuidados primários e urgências já é grande e há ainda incertezas sobre o curso da doença. Ontem, ao final do dia, a DGS estava a rever as regras de isolamento, mas com a subida das infeções o número de pessoas isoladas já ultrapassa as 300 mil entre casos ativos e contactos e vigilância, e será crescente. E podendo haver uma mudança a breve trecho nas regras, os próximos dias trarão mais uma vez dificuldades na monitorização da epidemia.

Carlos Antunes explica que os máximos de casos diários reportados no país esta semana resultaram em parte do ajuste de mais de 10 mil casos que não foram diagnosticados no fim de semana de Natal, em que as pessoas mesmo tendo tido sintomas só conseguiram testar-se ou ter resultados já esta semana, mas ao mesmo tempo o sistema de saúde também já está a detetar infeções com menor capacidade. Mantém-se uma marcada tendência de subida nas infeções e esta quinta-feira, tendo em conta já os recordes de casos diários, a incidência a 14 dias calculada pelo i superava já os 1200 casos por 100 mil habitantes, o que o INSA no início da semana estimou que pudesse acontecer dentro de 15 dias a um mês. Ontem no boletim da DGS surgia ainda uma incidência de 923 casos por 100 mil habitantes, mas este indicador não é atualizado diariamente, sendo esperado que aconteça no final desta semana.

Lisboa com maior incidência A maior intensidade de contágios vive-se em Lisboa, onde já foi superada uma incidência de 1500 casos por 100 mil habitantes, mas em todas as regiões houve uma duplicação de infeções nos últimos sete dias. Apesar do aumento da testagem, há um aumento nos casos que dão positivo: a positividade, que até à semana passada rondava os 4%, duplicou para os 8% nos últimos dias, apurou o i. “Já tínhamos perdido a capacidade de rastrear contactos através dos inquéritos epidemiológicos nas últimas quatro semanas e o aumento da positividade significa que estamos com uma malha menos apertada na testagem. Para manter o rácio de 1 rastreador por cada 6 novos casos precisávamos atualmente de 2300 rastreadores e se para a semana atingirmos, em média 24 mil a 25 mil casos por dia, precisávamos de 4000 rastreadores. Na testagem, para manter a positividade abaixo dos 4%, o valor definido como linha vermelha, precisávamos de 350 mil testes por dia em média, indo aos 500 mil testes nos dias úteis porque sabemos que baixam ao fim de semana”. Uma escalada na capacidade instalada no país que Carlos Antunes admite que parece difícil de concretizar e que ajuda a enquadrar a discussão em curso sobre mudar ou não mudar o modelo de acompanhamento da covid-19. O tempo de isolamento é apenas uma das questões. Ontem a Ordem dos Médicos apresentou propostas (ver ao lado) e os médicos de família, assoberbados pelos novos casos de covid-19, pedem também alterações. Nos hospitais, com urgências sobrecarregadas por casos ligeiros, o clima é também de apreensão.

Sobre a redução do isolamento, a Organização Mundial de Saúde pediu esta quarta-feira cautela, salientando que a decisão dependerá mais do equilíbrio que os países fazem dos seus recursos do que da evidência de menor risco de contágio. Mike Ryan chamou a atenção que a variante começou por espalhar-se mais na população mais jovem, com menor risco: “Precisamos de ter cautelas ao mudar a estratégia de forma imediata com base no que estamos a ver”. Algo que se nota também em Portugal, em que as infeções também sobem agora nos mais velhos.

Por outro lado, começa a verificar-se um aumento nos internamentos em Lisboa, a primeira região do país onde se sentiu a explosão de infeções associada à Omicron na semana passada: dados a que o i teve acesso mostram que, no espaço de uma semana, o número de doentes internados com covid-19 nos hospitais da região de Lisboa aumentou 26%, de 314 para 395 doentes internados com covid-19 esta terça-feira, uma inversão na tendência de estabilização de internamentos que poderá seguir-se nas restantes regiões onde a incidência de covid-19 também está a aumentar.

O Governo anunciou que uma reavaliação da situação epidemiológica será feita dia 5, a próxima quarta-feira, o que deverá coincidir com novos máximos de casos reportados depois do fim de semana de Ano Novo. A informação dos hospitais poderá não ser ainda muito clara nessa altura: uma das incógnitas é o impacto no número de doentes a precisar de cuidados críticos, que até aqui se tem mantido estável, mas o agravamento da doença não é imediato. A velocidade da Omicron parece no entanto galgar sobre o tempo: na primeira semana de dezembro foram diagnosticados cerca de 27 mil casos de covid-19 no país, tantos como agora foram reportados num dia.

Matriz ultrapassada O RT, que a equipa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa calcula com menor desfasamento que o INSA, situa-se perto de 1,5, evolução que deverá constar dos boletins da DGS da próxima semana. Parece estabilizar, mas não há pico à vista nesta vaga de infeções. Com uma incidência acima dos 1200 casos por 100 mil habitantes e um índice de reprodução de contágios que nunca tão foi tão elevado desde o início da pandemia, a atual situação epidemiológica já sai fora dos eixos da matriz de risco usada pelo Governo para monitorizar a pandemia. O impacto da primeira semana de contenção numa eventual desaceleração dos contágios poderá começar a ser visível a meio da próxima semana, mas ao mesmo tempo, tal como esta semana se começar a associar uma subida de contágios ao Natal, poderá haver efeito de festas de Ano Novo. Se o cenário parece complexo, as decisões em cima da mesa são claras: quando reabrem os setores fechados, se o teletrabalho é para manter e se as aulas são retomadas presencialmente dia 10.

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