Os novos miseráveis

Esperemos que este ano letivo seja o último afetado pela pandemia

Esperemos que o Ano Novo traga boas notícias e não se confirmem as previsões dos especialistas quanto ao número de novos infetados de covid-19. Ou, no caso contrário e mais provável, que ao menos também se confirmem as previsões daqueles que acreditam que esta contaminação generalizada, muitas vezes assintomática ou com sintomas sem a severidade de outras variantes anteriores, antecipe o fim da pandemia com uma imunização mais rápida e natural do que a resultante de um mais lento e dispendioso processo de vacinação.

Num caso como no outro, o mais certo é voltarmos a ter já este mês centenas de milhares de portugueses em isolamento profilático ou preventivo, sendo que boa parte destes serão alunos que continuam à espera de um computador para poderem assistir a aulas online.

Há precisamente um ano, quando as escolas voltaram a fechar, meio mundo caiu em cima do ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, por este ter clamorosamente falhado a promessa – correspondente a um compromisso também assumido no Parlamento pelo próprio primeiro-ministro, António Costa – de toda a comunidade escolar (ou melhor, professores e alunos) estar devidamente apetrechada com computadores com acesso à internet a partir do início do ano letivo de 2020.

Mais de 12 meses depois e passado o primeiro período de mais um ano letivo, eis que a promessa continua por cumprir – ainda há centenas de milhares de alunos que continuam à espera do prometido computador – e ninguém parece estar particularmente preocupado com isso.

Nos tempos que correm, é assim como em tudo: a polémica vai como vem e só volta a falar-se nisso quando as coisas tornam a apertar.

De facto, a um mês de eleições e de um novo Governo, já de pouco valerá a pena perder mais tempo a tentar perceber por que raio um Executivo que até tem um ministro para a Transição Digital – que, neste caso em particular, nem sequer foi tido nem achado -, e que gastou mais de 160 milhões de euros na compra de computadores, ao fim de dois anos de pandemia ainda não conseguiu garantir o acesso de todos os alunos do ensino público a esses benditos aparelhos.

A verdade é que, hoje, toda a comunidade escolar – em particular depois das experiências vividas durante a pandemia – não tem dúvidas de que as aulas presenciais são as que mais contribuem para o desenvolvimento do aluno a todos os níveis.

Mas dúvidas também não restam para ninguém de que os dois anos já passados em pandemia, com um calendário escolar marcado por sucessivas e prolongadas interrupções forçadas, teve um enorme impacto negativo sobretudo no processo de aprendizagem dos estudantes mais desfavorecidos e de mais tenra idade.

Basta pensar que um aluno que esteja hoje no terceiro ano de escolaridade não teve ainda um único ano ‘normal’ ou que um estudante que ingressou agora no segundo ou no terceiro ciclos atravessou um dos ciclos anteriores em permanente instabilidade.

Independentemente das condições – mais grave quando inexistentes ou insuficientes -, é óbvio o prejuízo para esta geração de alunos com telescola de recurso ou aulas online que, apesar de todo o esforço dos próprios, dos professores e dos pais ou encarregados de educação, serviram apenas para atenuar os efeitos da ausência de aulas presenciais.

E os desvios comportamentais ou a baixa de rendimento escolar são facilmente constatáveis por todos os agentes ligados à Educação neste que já é o terceiro ano em pandemia.

Pior ainda quando os ‘furos’ se sucedem perante a falta de professores ou quando estes, por incompreensíveis incongruências do sistema, chegam a acumular um impensável número de turmas (são frequentes os casos em que têm nove) e de alunos (a uma média de 28 por turma, dá mais de 250 discentes). Um exagero.

Se a pandemia promete voltar a abalar a normalidade das escolas de todo o país já em janeiro, o mais provável é que a próxima campanha eleitoral acabe por ter de se debruçar sobre o assunto. António Costa já há mais de 20 anos pertenceu a um Governo cujo líder, António Guterres, elegeu a Educação como ‘paixão’. E Rui Rio coloca-a também agora entre as prioridades das prioridades. 

A Educação precisa de uma reforma urgente. De modelos, de práticas, de programas, de objetivos, de avaliação. Menos palavreado e menos tarefas inúteis – tanto para alunos como para professores – e mais instrução, mais saber e mais exigência – para todos. 

Este país não pode continuar a formar doutores e engenheiros para balcões das multinacionais de fast food, caixas de supermercados ou volantes de carros de aluguer.

Nem condenar as novas gerações a novos miseráveis.

Que 2022 seja um ano de prosperidade!