Negar, negar sempre, mesmo perante a evidência

Sem respostas claras a estas questões, os eleitores correm o risco de voltar a ser enganados, como já o foram em 2015.

As próximas eleições legislativas são de uma importância vital para o futuro do país. É preciso que todos os protagonistas, incluindo os eleitores, tenham consciência desse realidade e intervenham com sensatez.

Votar não é apenas um dever cívico, pois tornou-se, agora ainda mais, num imperativo ético e, em certo sentido, é condição para salvar o modelo de sociedade em que vivemos e evitar a fragilidade da própria democracia.

Para votar, e votar com consciência, é necessária boa informação e essa boa e correta informação só pode ser prestada pelos partidos políticos e por todos aqueles que os representam nas candidaturas.

Passaram-se seis anos anómalos na vida política portuguesa. Tudo começou com a decisão de alguém que, tendo perdido as eleições, (1975) e, ao contrário dos princípios que dizia defender e impunha aos outros, se disponibilizou para montar uma solução, que sendo formalmente constitucional, se encontrava bem longe do pensamento dos portugueses quando votaram.

Foram seis anos perdidos, não porque o país tenha regredido (com exceção do período agudo da pandemia), mas porque foi incapaz de aproveitar as condições excecionais que a União Europeia criou para ultrapassar as múltiplas dificuldades, políticas, demográficas, económicas e geoestratégicas, com que se viu confrontada.

Uma prova irrefutável é o facto de o país, apesar de algum crescimento, ter sido sistematicamente ultrapassado por quase todos os membros recentes da UE, apesar de todos terem partido muito atrás de nós.

Ou, ainda, pela constatação, feita por todas as instituições europeias, de que Portugal será dos países (provavelmente só em paralelo com a Espanha) com mais dificuldades para retomar os níveis de riqueza atingidos em 2019.

Apesar de algumas escassas ‘folgas’ tão apregoadas e publicitadas, a dívida pública, mantém-se num nível quase insuportável (277,5 mil milhões de euros) bem acima do que seria desejável nesta altura (mais ou menos 100% do PIB ou seja, 200,088 mil milhões) o que provocará um constrangimento futuro enorme, face à subida das taxas de juro que a inflação em crescimento não se cansa de anunciar.

De resto, este cenário já foi antecipado pelo governador do Banco de Portugal (o ministro das finanças do tempo das ‘folgas’) e pelo atual ministro responsável pelas contas públicas, em termos que anunciam tempos de uma austeridade mais ou menos temperada.

Neste quadro, a que devemos acrescentar a ‘instabilidade natural’ que a União Europeia sofrerá no próximo ano, não só como consequência da crise energética, do agravamento do relacionamento com a Rússia, da pressão dos refugiados e do fim do bipartidarismo e consequente excessivo crescimento de partidos com representação parlamentar, mas também pelas alterações políticas na Alemanha, na França e na Itália, as eleições legislativas, (ainda por cima precipitadas – afinal onde estava a pressa?) tornam-se cruciais num país com a dimensão e os problemas de Portugal.

A escolha a fazer é entre aceitar a solução negativa dos últimos seis anos, que permitiu que partidos menores condicionassem as soluções de que o país necessita (no Sistema Nacional de Saúde – que é bastante mais do que o SNS – na Educação, na Administração Pública, na Justiça e na modernização da estrutura produtiva) ou escolher um caminho diferente, juntando as forças políticas que se revêm no modelo social europeu e partilham os valores europeus, quer quanto à economia de mercado quer quanto às opções geoestratégicas, mas também quanto ao modelo de justiça, à luta contra a corrupção e à construção de uma verdadeira democracia liberal.

Todos tem de assumir as suas responsabilidades e não se podem refugiar na negação sistemática de erros que estão à vista de todos.

Que tipo de alianças estão as forças partidárias disponíveis para suportar? Aceita o partido do Governo atual repetir a fórmula da ‘geringonça’ ou definitivamente a considera um mero parêntesis passageiro e irrepetível?

Sem respostas claras a estas questões, os eleitores correm o risco de voltar a ser enganados, como já o foram em 2015. O modelo de crescimento económico e de desenvolvimento social para o futuro e o compromisso com a democracia parlamentar e liberal e com o estado de direito, ou seja a matriz europeia, é o que verdadeiramente importa definir e reafirmar nas próximas eleições.

Brevemente poderão ser usados os fundos europeus da Next Generation EU e de um quadro financeiro plurianual de grande dimensão. Ora o bom aproveitamento destas verbas não está comprometido (como ameaçava o Presidente da República) com a inexistência temporária de um Orçamento, mas pode ficar destruído com a incapacidade de fazermos escolhas eleitorais acertadas.

Substituir a discussão séria desta opção com factos parcelares e absolutamente transitórios, embora importantes, (nomeação do chefe da Armada, funcionamento da linha SNS 24, alterações nos tribunais de instrução criminal, suspensão dos centros de vacinação em período de férias, demissão dos chefes de diversos serviços de medicina, etc.) pode interessar aos atuais detentores do poder, mas não é bom para o país e para os cidadãos.

Estamos na véspera de um período em que a Verdade, a Lealdade, o Sentido de Estado e a Visão de Futuro são cruciais e os principais protagonistas (incluindo boa parte da Comunicação Social) ainda não o percebeu.

Negar os erros cometidos, negar sempre, mesmo perante as evidências, só serve para adiar as soluções e tornar mais difícil e traumatizante a recuperação de que o país necessita.

A partir de agora a palavra essencial é dos cidadãos. Confiar na sua escolha e no seu bom senso é confiar e fortalecer a democracia.