Alterações Climáticas. Europa dividida quanto ao nuclear

“Há uma pressão de França” sobre a Comissão Europeia, aponta o presidente da Zero, que saúda a oposição do Governo português ao nuclear, mas condena a abertura quanto ao investimento no gás natural. 

Contra a vontade de boa parte dos Estados membros, incluindo Portugal, a Comissão Europeia bate-se pela aposta na energia nuclear e produzida com gás natural como solução a médio prazo para as alterações climáticas. Com Angela Merkel fora de jogo, Bruxelas mostrou-se disposta até a enfrentar Berlim, onde novo chanceler Olaf Scholz, “rejeita expressamente” qualquer opção que envolva energia nuclear”. “Consideramos a energia nuclear perigosa”, sumarizou Steffen Hebestreit, porta-voz do Executivo alemão, na segunda-feira.

As fraturas dentro da União Europeia são cada vez mais claras e não há solução à vista. É que em muitos países europeus as energias renováveis não são potencialmente tão rentáveis como em Portugal, que goza de sol, vento e mar invejável, tornando mais difícil alcançar a meta de tornar a Europa o primeiro continente do ponto de vista carbónico neutro até 2050. Ainda há o caso de França, que aposta tudo no nuclear há décadas e não deverá inverter esse rumo, exigindo que esta energia, que produz muito pouca emissão de gases com efeito de estufa, seja considerada verde. E, como tal, possa beneficiar de subsídios europeus.

“Há uma pressão de França, sem dúvida, que está na presidência da União Europeia e vai puxar pelo dossiê do nuclear”, aponta Francisco Ferreira, presidente da ZERO, que saudou a oposição do ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes em relação a esta posição. Mas criticou a sua tolerância quanto ao investimento de gás natural, como transição até que os países do norte da Europa possam ser abastecidos com energias renováveis, como o hidrogénio, de que Portugal pretende tornar-se exportador.

“O gás natural está neste momento a cumprir uma função de transição energética, sem dúvida. Porque senão, com a saída do carvão, não teríamos capacidade de ter a produção elétrica a funcionar”, explica Francisco Ferreira ao i. “Ter a infraestrutura atual de gás natural a funcionar enquanto estou a fazer a transição para as renováveis, perfeito. Mas estar a fazer novos investimentos em gás natural é perpetuar essa situação”.

E acrescenta: “A Espanha, que tem características semelhantes às nossas e uma ambição climática grande, já veio dizer que está contra quer os projetos de gás natural quer os nucleares”. Quanto a este último tópico é taxativo: “O nuclear não é sustentável do ponto de vista da segurança e dos resíduos”, sentencia. “E aí concordamos integralmente com o ministro, tem um custo muito mais elevado do que a aposta nas renováveis. Não faz sentido”.

Discórdia no seio da Europa O plano apresentado pela Comissão Europeia daria o rótulo verde a todas as centrais nucleares operacionais, bem como aquelas que sejam construídas até 2045. Com o requisito que as novas centrais usem a tecnologia mais avançada, que lhes permite usar o urânio de forma mais eficiente – logo deixando menor quantidade de resíduos radioativos, algo de que ainda não sabemos de como nos livrar, tornando-se um legado que pode assombrar a humanidade durante centenas ou milhares de anos – e as torna mais seguras do que as antigas centrais nucleares ainda em funcionamento. Além disso, também seriam consideradas verdes as centrais termoelétricas à base de gás natural, o combustível fóssil que causa menores emissões de gases com efeito de estufa, construídas até 2030.

“Precisamos dessas energias”, assegurou uma fonte na Comissão Europeia, em declarações ao El País. “É uma proposta pragmática e realista para facilitar a transição energética”.

A questão é que não é só Bruxelas que acha isso. Sem energia à base de carvão e sem nuclear, enquanto as renováveis não são expandidas, aumentaria a dependência do gás natural. Boa parte do qual chega à Europa vindo da Rússia, levantando grandes preocupações que isso seja usado como forma de pressão política por Vladimir Putin.

França, que investiu fortemente na energia nuclear nos anos 1970, de maneira evitar ver a sua economia afundar outra vez, como aconteceu em sucessivas crises do petróleo, não hesita em usar esse argumento. E se dentro do Governo de Scholz – uma coligação do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD, na sigla alemã) com verdes e liberais – é o partido ecologista que é mais radicalmente oposto à energia nuclear, também são este que têm a perspetiva mais belicosa face ao Kremlin, sendo sensíveis à necessidade de não comprar gás natural à Rússia. E novo chanceler alemão pode já ter declarado oposição aberta ao nuclear, mas hesitou fazê-lo num primeiro momento.

“Cada país segue a sua própria estratégia para lutar contra as alterações climáticas”, respondera Scholz no seu primeiro dia no posto, ao lado do Presidente francês, Emmanuel Macron. “O que nos une é que reconhecemos essa responsabilidade e somos ambiciosos”.

O certo é que não é nada fácil debater o tema em plena crise energética, num contexto de escassez e flutuações energéticos, que alguns atribuem em parte à pandemia, mas também ao facto de se ter descontinuado investimentos em energias fósseis antes dos investimentos nas renováveis as conseguirem substituir. Já o presidente da ZERO salienta que esta crise momentânea não pode definir a discussão sobre o futuro do planeta. “Temos de perceber que uma coisa é esta situação este ano, nestas circunstâncias, outra é olhar para os próximos trinta anos”, reforça.