Netflix quer produzir documentário sobre jovens portugueses que apresentaram queixa contra 33 países

Ainda não existem datas previstas para a produção e o lançamento do filme, mas, de acordo com informação veiculada pela norte-americana National Public Radio (NPR), existem mais novidades: esta ação terá captado a atenção da atriz Angelina Jolie, embaixadora da Boa Vontade da Agência de Refugiados da ONU, que terá contactado a GLAN e convidado Sofia – uma das…

No início de dezembro de 2020, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) anunciou que havia dado luz verde a um caso inédito. A Global Legal Action Network (GLAN) – organização internacional sem fins lucrativos que trabalha com o objetivo primordial de interpor ações legais inovadoras além-fronteiras para enfrentar intervenientes poderosos que violam os direitos humanos – uniu o trabalho de advogados à revolta de seis jovens portugueses perante a inércia governamental em termos do combate às alterações climáticas. Agora, sabe-se que a Netflix pode vir a produzir um documentário sobre os mesmos.

O caso captou a atenção de uma equipa de documentaristas austríacos que estão associados à plataforma de streaming anteriormente referida, sendo que parecem ter a ambição de entrevistar os portugueses que têm dado que falar nacional e internacionalmente. Ainda não existem datas previstas para a produção e o lançamento do filme, mas, de acordo com informação veiculada pela norte-americana National Public Radio (NPR), existem mais novidades: esta ação terá captado a atenção da atriz Angelina Jolie, embaixadora da Boa Vontade da Agência de Refugiados da ONU, que terá contactado a GLAN e convidado Sofia – uma das jovens – a colaborar num livro acerca de direitos das crianças.

À época, o i noticiou que havia sido apresentado um processo contra 33 países, incluindo Portugal, sendo que, na queixa, os queixosos alegaram que os governos visados não estavam a decretar cortes profundos e urgentes nas emissões poluentes "necessários para salvaguardar o futuro" dos mesmos. O caso foi comunicado às nações processadas, o que implica que cada uma respondesse legalmente até ao fim de fevereiro de 2021. Sublinhe-se que a GLAN explicitou, em comunicado, que "como a grande maioria dos casos movidos pelo tribunal de Estrasburgo não chega a esse estágio, esta decisão representa um grande passo em direção a um possível julgamento histórico sobre as mudanças climáticas".

A queixa foi interposta por Cláudia Agostinho, então de 21 anos, Catarina Mota, de 20, Martim Agostinho, de 17, Sofia Oliveira, de 15, André Oliveira, de 12, e Mariana Agostinho, de 8. Sofia e André vivem em Lisboa – cidade onde, durante a onda de calor de 2018, foi estabelecida uma nova temperatura recorde de 44 graus –, enquanto os restantes são naturais de Leiria – região fortemente afetada pelos incêndios de 2017 que "mataram mais de 120 pessoas", como os queixosos mencionaram no documento apresentado ao tribunal. 

"A Rita Mota, que é uma das advogadas da GLAN, é amiga do nosso pai e tinha decidido apresentar este caso em parceria com outros advogados. E decidiu acrescentar crianças, neste caso, quatro da família dela, de Leiria, e pensou em nós também. Achou boa ideia e quisemos logo agir", disse Sofia Oliveira, de 15 anos, que vive com os pais – ambos biólogos de profissão – e o irmão André, de 12 anos, na capital, em declarações ao i naquela altura. Os adolescentes valorizam a educação que lhes é dada assim como a influência do meio em que cresceram, pois estiveram sempre "rodeados de informação", tendo "consciência" daquilo que se passa em seu redor. "E se as coisas estão mal, queremos fazer alguma coisa para que não estejam tão mal", rematou o menino.

"Esta é uma causa de todos nós, desde sempre que nos preocupamos com as alterações climáticas, no entanto, foi em 2017, com os incêndios florestais, que tomámos consciência de que algo tinha de ser feito", começou por explicar Cláudia, que conversou com a prima Rita Mota, à época, e percebeu que a organização "estava a explorar formas de agir contra as alterações climáticas". Deste modo, iniciou um trabalho concertado com os restantes membros da equipa, sendo que o mesmo "resume-se a várias horas de reuniões via Skype". Estudando Enfermagem, admitiu que pretende seguir esta área profissionalmente, mas continuará a lutar contra as alterações climáticas, pois quando o fazemos, "estamos automaticamente a agir a favor da nossa saúde".

A jovem salientou igualmente que "o ser humano é vulnerável, a pandemia que vivemos comprova-o" e "as alterações climáticas vão pôr cada vez mais vidas em perigo". A rapariga destacou que, em maio, mais de 200 organizações que representam pelo menos 40 milhões de trabalhadores de saúde em todo o mundo pediram aos governos que garantam uma recuperação ecológica da crise da covid-19. Pelos motivos referidos, quando soube que o TEDH havia aceitado o processo que interpôs com os restantes requerentes, sentiu "alegria e esperança: alegria, pois é muito raro obter uma resposta tão rápida por parte do tribunal, o que mostra que a urgência em agir é reconhecida" e, por outro lado, "esperança porque, agora a meta de reduzir as emissões de gás com efeitos de estufa para 65% até 2030 está cada vez mais perto".

Ainda que os constrangimentos fossem e continuem a ser muitos, os jovens frisavam que não desistiriam de seguir os seus ideais. "Espero que a nossa ação inspire as pessoas. Principalmente as gerações mais novas, por serem as principais prejudicadas. A nossa saúde depende da saúde do meio ambiente onde vivemos e sabemos que as catástrofes naturais e ondas de calor vão matar cada vez mais pessoas, pelo que é urgente agir agora", elucidou Cláudia, que nunca esquece que os incêndios de 2017 funcionaram como um "abre-olhos muito doloroso" e a fizeram despertar de forma intensa para as questões ambientais. Afinal, "as florestas estavam muito secas devido ao calor extremo da época e, como resultado, os incêndios espalharam-se a uma velocidade extraordinária, foi aterrador assistir a isto", recordou. 

"Se o Tribunal nos der razão, vai finalmente haver uma base legal sólida para qualquer cidadão destes 33 países chamar o seu Estado à responsabilidade de forma concreta", lembrou a jovem, aludindo à tomada de medidas para diminuir as emissões de gases com efeito de estufa e a extração de combustíveis fósseis. "Por isso, muito do que se pode passar depois da decisão vai bem além do que nós podemos fazer", constatou, acrescentando que ambiciona que, "com a chamada de atenção deste caso, os governos comecem a fazer o que têm de fazer para combater as alterações climáticas".

A seu lado, André e Sofia Oliveira realçaram que "os países são mesmo obrigados a responder, agora não há volta a dar". Os irmãos lisboetas querem, acima de tudo, que os países em questão "tomem medidas para adaptação às alterações climáticas e oiçam os cientistas para fazerem mais e melhor", afirmando com convicção que uma das medidas "mais importantes" se trata da "transição energética, para que se pare de extrair recursos fósseis da Terra".

"É muito importante perceber que os juízes do tribunal entenderam que isto é uma emergência climática porque, se não repararem nisto, eu não sei se este mundo vai poder prosperar", afirmou André com a emoção notória na voz, mencionando, em conjunto com a irmã, que, embora "quem tenha de agir sejam os governantes", os cidadãos comuns podem tomar medidas essenciais no quotidiano.

As atividades humanas, nomeadamente a queima de combustíveis fósseis, o abate da floresta tropical e a pecuária assumem um impacto negativo no clima e na temperatura terrestres cada vez maior. De acordo com informação veiculada pela Comissão Europeia, “o CO2, o principal gás com efeito de estufa produzido pela atividade humana, é responsável por 63 % do aquecimento mundial antropogénico” e “a sua concentração na atmosfera é atualmente 40 % mais elevada do que no início da era industrial”.

É de lembrar que os gases com efeito de estufa – dióxido de carbono, metano, óxido nitroso e gases fluorados – juntam-se àqueles que estão naturalmente presentes na atmosfera, reforçando o efeito de estufa e o aquecimento global. Segundo a Comissão europeia, "o metano e o óxido nitroso são responsáveis, respetivamente, por 19% e 6% do aquecimento antropogénico". Para o aumento das emissões destes gases, contribuem a queima de carvão, petróleo ou gás produz dióxido de carbono e óxido nitroso; o abate de florestas – também denominado de desflorestação, pois as árvores ajudam a regular o clima absorvendo o CO2 presente na atmosfera; o aumento da atividade pecuária – "as vacas e as ovelhas produzem grandes quantidades de metano durante a digestão dos alimentos"; os fertilizantes; e os gases fluorados que "têm um efeito de aquecimento muito forte, que chega a ser 23 000 vezes superior ao do CO2", mas que "felizmente, são libertados em pequenas quantidades e estão a ser gradualmente eliminados ao abrigo da regulamentação da UE".

Os países argumentaram contra a ação, no entanto, o TEDH rejeitou o recurso em fevereiro de 2021 e deu-lhes até maio para se defenderem. Neste momento, o caso continua em apreciação e os jovens terão de apresentar contra-argumentos até ao final do mês corrente.