O primeiro romance anti-woke

Our Parents that Art in Heaven (Flame Books) é o primeiro romance a satirizar o movimento woke

Por João Cerqueira – Escritor

Our Parents that Art in Heaven (Flame Books) é o primeiro romance a satirizar o movimento woke, a cancel culture e o politicamente correcto, praga que das universidades americanas se espalhou pelo Ocidente. E fá-lo com mestria, num género raro na literatura contemporânea: o humor – a única arma eficaz contra a sandice.

Um dos paradoxos destas ideologias que consideram que  todos os males da humanidade resultam da cultura ocidental, do homem branco e da heterossexualidade – esses terríveis opressores – é que apenas nesse mesmo mundo que consideram opressivo se podem expressar com total liberdade e prosperar em carreiras académicas onde politizam os alunos. No resto do planeta, os auto-proclamados libertadores das mulheres, das minorias sexuais e raciais estão sujeitos à censura e à prisão. Mas o resto do planeta pouco lhes interessa. As mulheres afegãs são reduzidas à escravidão e eles calam-se; o povo cubano é reprimido e eles apoiam o regime. Esta e outras contradições resultam de uma agenda oculta: o ódio ao sistema liberal capitalista. Não se trata apenas daquilo que Harold Bloom designou de «Escola do Ressentimento» – esse desejo de ajustar contas com a História e banir os clássicos como Shakespeare e Camões, ou então Tintim, por, dizem eles, serem racistas, machistas, etc. Por detrás do movimento woke, da cancel culture e do politicamente correcto escondem-se as viúvas do Muro de Berlim: marxistas ressabiados que ainda choram o fim da URSS. Então, morto e enterrado o modelo económico estatista, encontraram novas causas para atacar a liberdade ocidental: as  questões étnicas, sexuais e ambientais.

Garry Craig Powell satiriza uma realidade que conhece bem por ter sido professor universitário nos Estados Unidos: a caça às bruxas a quem não pensar como o movimento woke manda e a consequente censura e autocensura que se instalou nas universidades. Ai de quem não seja a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo, da despenalização das drogas ou que diga que Trump, nalgumas coisas, poucas, pouquíssimas, até tinha razão. Será excluído do contacto social, ninguém lhe dirigirá mais a palavra e decerto não lhe renovarão o contrato para leccionar. Os Torquemadas académicos – professores e alunos – passeiam-se pelos corredores das universidades com uma tocha na mão. E, tal como em Fahrenheit 451, já se queimam livros considerados impróprios e ofensivos. As Fraternidades Estudantis nazis que em 1933 atearam fogo a milhares de livros, também considerados impróprios e ofensivos, têm dignos sucessores.

Mas, mesmo sem abrir a boca, hoje, ser homem, branco e heterossexual pode ser um problema. Tal como há cinquenta anos ser negro ou homossexual podia significar ser excluído de um cargo académico, de uma publicação, de um papel no cinema, hoje, sobretudo na literatura, um autor branco e heterossexual pode estar à partida excluído de um prémio ou de uma publicação. Basta ver quantas revistas americanas que publicam contos têm nas suas guidelines algo assim: «This form is currently open ONLY to BIPOC and other mis- and underrepresented writers»[1]. Ou seja, só aceitam minorias étnicas ou sexuais.

No Clube do Bolinha woke, escritor branco e heterossexual não entra.

Mas, se por acaso um branco heterossexual tem o azar de ganhar algum concurso onde também tenham entrado membros de minorias étnicas ou sexuais, então temos o caldo entornado. A seita encarniça-se. O júri, pois então, só pode ser racista, homofóbico e ter um busto de Hitler na mesinha de cabeceira.

Our Parents that Art in Heaven é, por isso, um romance deste tempo alucinado onde também as profecias de Orwell – Ignorância é Força e Liberdade é Escravidão – se estão a cumprir, com a vigilância activa de muitos Grandes Irmãos (e irmãs) nos media e nas redes sociais. O personagem principal, Huw Lloyd Jones, um professor de Escrita Criativa numa universidade do Sul do Estados Unidos que apenas quer ensinar os seus alunos, fazê-los pensar e elevá-los intelectualmente, descobre que têm sérios problemas. A sua bela mulher, Miranda, envolve-se com uma guru feminista que odeia os homens e um psiquiatra New Age que está mais interessado no seu corpo do que na sua mente. A sua chefe de departamento, Frida Shamburger – admiradora de poesia Rap e práticas sadomasoquistas – persegue-o por ele ser um homem branco e não aderir à seita woke. E os poucos alunos que se interessam pela matéria exigem que a raça e o sexo dos escritores se sobreponham à qualidade literária. Huw Jones está tramado. E, para onde quer que se vire, só encontra mais problemas e gente louca.

Em Portugal, quantos professores (as) não estarão a passar por algo semelhante?

Numa linguagem elegante e pontuada de alusões eruditas, Garry Craig Powell apresenta-nos uma tragicomédia com momentos delirantes como quando Frida, considerando que o seu marido Melvyn deveria ser mais evoluído, lhe diz o seguinte:

“Para começar, acho que poderias fazer sexo com um homem, talvez o Timothy ou um dos teus amigos. Ou então uma pessoa transgénero. Torna-te gay, Melvyn. Solta o teu lado selvagem. ”

Melvyn torceu o nariz. “Só de imaginar isso, dá-me vontade de vomitar.”

“Isso é apenas um preconceito, correcto? Recebeste um género e uma sexualidade, e aceitaste-os como um idiota. Foi a tua escolha, mas agora podes mudar Melvyn. Reinventa-te. Afirma a tua liberdade de uma vez. ”

"Eu quero muito", admitiu ele, "mas, diabo, não gosto de bichas!"

“Que preconceituoso. Estou desiludida. Esperava mais de ti, para ser honesta.”

Our Parents that Art in Heaven é simultaneamente uma denuncia do totalitarismo woke e do absurdo do politicamente correcto, assim como uma  afirmação da liberdade de pensamento e uma defesa da cultura ocidental.  E tem ainda o mérito de mostrar que os auto-proclamados salvadores das minorias étnicas e sexuais são, no presente, os seus maiores inimigos. Com humor, inteligência e coragem, Garry Craig Powell afirma que os clássicos são a base da nossa civilização e que não se corrigem os erros e as injustiças do passado com novos erros, novas injustiças e doidice a rodos.

Nota: traduzi o livro para português e espero que seja publicado em Portugal em breve.

 

www.joaocerqueira.com


[1] https://craft.submittable.com/submit/bf4906c2-2cb4-4662-9b49-e17827c689b0/fiction-1k6k-words-fast-response-free-for-bipoc-and-other-underrepresented-wr