Vítor Costa: “Sempre que há um alívio na pandemia temos uma resposta imediata na procura”

Vítor Costa, presidente da Entidade Regional de Turismo da Região de Lisboa, diz que, no último ano, abriram vários hotéis em Lisboa, o que veio trazer mais concorrência em termos de oferta que, neste momento, tem fraca procura. Retoma do setor volta a ser adiada, mas admite que mesmo nesta situação, em que os ‘incómodos são…

Vítor Costa: “Sempre que há um alívio na pandemia temos uma resposta imediata na procura”

No final do verão, a expectativa era que o turismo nacional iria ganhar um novo brilho, mas o aparecimento da quinta vaga da pandemia veio trocar as voltas ao setor. Vítor Costa admite que o turismo de lazer em cidades acaba por ser penalizado, mas garante que «este período de pandemia mostrou que continua a existir uma vontade de viajar e essa vontade até talvez tenha sido reforçada» com a capital a estar bem posicionada nos mercados internacionais. Em relação ao segmento de eventos, as notícias não tão favoráveis e reconhece que o plano estratégico, cujo pico devia ser alcançado em 2024 terá de ser adiado para 2026. «É como se estes últimos dois anos não tivessem existido», reconhece. O responsável lamenta que se tenha perdido seis anos sem decidir a localização do novo aeroporto e fica surpreendido com o facto de o tema não estar a ser discutido nas eleições legislativas ao contrário do que aconteceu nas autárquicas. 

Já vamos com quase dois anos de pandemia. O turismo começa a dar sinais de recuperação? Os dados do INE de novembro apontam para um crescimento…

Não subscrevo a ideia de que já estamos em recuperação mas de que começam a haver sinais positivos e que vamos entrar agora num caminho de recuperação. Talvez há dois meses, ou seja, logo a seguir ao verão, havia de facto uma esperança para uma abertura e para uma melhoria. Mas mesmo assim, os números podem parecer enganadores, pois houve realmente uma melhoria mas apenas quando comparado com o ano de 2020 que tinha sido muito mau nesse período. Se formos comparar com 2019 ainda estamos muito longe. No caso de Lisboa, a partir de meados de agosto até outubro, tivemos alguma abertura que nos dava esperança de podermos entrar num caminho de retoma e a nossa esperança era que em 2023 pudéssemos ter recuperado. Mas entretanto surgiu esta nova situação, esta quinta vaga da pandemia, que tem sido bastante negativa para o turismo. Penso que em termos de saúde pública não está a ter tantas consequências em termos da sua gravidade, não em termos de números de infetados, etc., mas isto tem um impacto dramático depois de um período muito longo que o setor tem estado em baixo, especialmente em Lisboa, em que está a sofrer muito. A perspetiva para o primeiro trimestre é voltarmos outra vez a ter números bastante baixos, quase uma paralisação do turismo.

E havia a expectativa para a passagem de ano que foi entretanto defraudada…

Em outubro a perspetiva era bastante otimista de recuperarmos os números de 2019 em 2023, já nem era em 2022. Seria uma retoma progressiva, mas depois tivemos esta machadada com impactos enormes no Natal e na passagem de ano, em que assistimos a cancelamentos em dormidas nos hotéis, nos restaurantes. O cenário piorou bastante e agora continuamos numa situação difícil. É sempre difícil fazer previsões, mesmo para o dia seguinte, mas não podemos ter a expectativa que vamos ter um bom trimestre. O primeiro trimestre vai ser com certeza mau para o turismo e vai afetar, pelo menos, o primeiro semestre. Ainda não sabemos o que vai acontecer e tenho visto declarações de associações empresariais setoriais com mais conhecimento de causa dos seus associados, como a AHP e a AHRESP, e acredito nas perspetivas que têm. Ainda por cima em Lisboa – até pode ter acontecido em outras zonas – assistimos a um aumento da oferta. No último ano abriram vários hotéis e é evidente que não foi decidido fazê-lo num ano de pandemia, mas eram investimentos que vinham a decorrer em anos anteriores, no entanto, a sua abertura veio aumentar mais oferta em relação à que já existia e agora estando numa situação difícil têm de repartir os clientes. A questão positiva é que este período de pandemia mostrou-nos que continua a existir uma vontade de viajar e essa vontade até talvez tenha sido reforçada e Lisboa está bem posicionada nos mercados. Já tínhamos essa sensação desde o início, mas agora temos essa garantia. Cada vez que há uma abertura temos uma resposta. Mesmo agora nesta situação, em que os incómodos são enormes – testes, controlos nos aeroportos – mesmo assim, temos turistas.

Lisboa continua a ser suficientemente atrativa?

Sim, as pessoas têm vontade de viajar. Esse período logo a seguir ao verão foi curto mas sentimos no turismo de lazer uma resposta imediata.

Vão aparecendo mais turistas…

Cada vez que há uma abertura da situação da pandemia temos uma resposta imediata na procura. Aparecem muitas pessoas e no centro de Lisboa nota-se logo uma animação e uma afluência diferente. Não temos situações como em certos momentos da pandemia em que não havia ninguém na Baixa, e mesmo quando se agrava e com todos os incómodos que existem continuamos a ver algum movimento, o que significa na minha interpretação que as pessoas querem vir. E mesmo com o incómodo de testes, com filas no aeroporto vêm. Isto mostra que o turismo não é uma coisa obsoleta. 

Chegou a dizer que Lisboa era uma marca excelente. Continua a achar o mesmo?

Sem dúvida. Junta-se a vontade de viajar à força da nossa marca e do nosso destino turístico. Nunca acreditei que no final da pandemia, as pessoas ou deixavam de viajar ou passavam a ir para sítios zen, da natureza. Isso continua a ter o seu mercado, mas as cidades e os destinos urbanos vão continuar a existir e os condicionamentos são conjunturais. 

A aposta terá de passar pelo mercado interno? Número será sempre insuficiente…

Temos de ter uma forte componente internacional. Se entendermos o mercado interno quase como a Europa aí podemos falar em mercado interno porque tem uma certa dimensão. Se olharmos para o Brasil, para os Estados Unidos ou para outros países grandes vimos que têm uma dimensão semelhante à Europa e aí vivem do mercado interno. Nós só podemos viver do mercado interno se consideramos o mercado interno a Europa. O mercado português, obviamente, não é para desvalorizar ou para dizer que é pouco importante, mas temos um problema de escala. A nossa população é pequena para o número de visitantes estrangeiros que costumamos ter, nunca poderá ser equivalente. Antes da pandemia, dos cerca de 30% de dormidas nacionais, a maior parte eram viagens de negócios ou para visitar familiares. Só 8% é que eram turistas nacionais, ou seja, pessoas que vinham em lazer ou vinham para participar em eventos em Lisboa. E mesmo que os 8% passassem para 12% e já era um aumento de 50% ficava a faltar muito. Portanto, a nossa base é o turismo internacional.

Todos temos ainda gravado as imagens de turistas a ‘invadirem’ o Bairro Alto ou o Cais do Sodré?

Se calhar temos uma base errada de quem são os frequentadores desses locais. Concluir que as enchentes do Bairro Alto ou de Santos são turistas penso que é precipitado, porque não joga com os nossos inquéritos do que é os turistas fazem em Lisboa. Pode haver muitos estrangeiros mas também temos muitos daqueles a que chamamos de residentes temporários, como aqueles que estão a fazer Erasmus, nómadas digitais, etc. pois são segmentos que têm crescido muito, porque lhes agrada a cidade e talvez contribuam mais para essas enchentes do que propriamente os turistas. Mas em relação às medidas em concreto, muitas vezes não as compreendo e nem sempre são bem explicadas. Porque é que os bares e as discotecas estiveram fechadas quase sempre desde o início da pandemia, porque é que para os eventos culturais há umas regras e no dia seguinte já são outras? Compreende-se que as situações mudam muito e as respostas têm que ser em função das situações, mas muitas não são baseadas na pandemia, mas em questões sociais ou de organização familiar, por exemplo. E se formos olhar para os segmentos do turismo de negócios – congressos, reuniões, etc. – as coisas são ainda piores porque enquanto uma viagem de lazer para fazer um city break – dois ou três dias num destino urbano – é uma coisa que se pode decidir na véspera, a realização de um congresso não pode ser assim. O que temos verificado neste segmento é que houve muitos adiamentos em 2020 para 2021, de 2021 para 2022 e este ano que estava bastante preenchido começamos já a sentir desistências sobretudo para a primeira parte do ano. A perspetiva não é otimista. 

Estão a cancelar…

Sim porque não podem decidir de um dia para o outro. Há tempos de decisão e há uma previsibilidade que tem que existir. O facto desse tipo de eventos terem sido adiados nestes últimos anos, muitos perdem-se, deixam-se de se fazer. E não estamos a falar só daqueles que foram adiados também há aqueles que foram entretanto marcados e talvez ninguém esperasse que a pandemia durasse tanto tempo, sobretudo esta última vaga. 

Lisboa já tinha um peso importante como cidade de congressos antes da pandemia…

No ranking da ICCA, que é a organização internacional mais importante na área dos congressos, Lisboa ficou em segundo lugar em termos mundiais, a seguir a Paris. Nunca tínhamos tido esse posicionamento, mas estávamos muito bem classificados em termos de número de congressos. Claro que havia sempre o problema do número de participantes, mas isso está mais relacionado com as infraestruturas. Mas em termos de números de congressos Lisboa já tinha feito um percurso, estava no top 10 há vários anos, e em 2019 – o último ano normal – ficou em segundo lugar. É um destino com um posicionamento forte nesse produto. 

Corremos o riscos de temos de começar tudo de novo?

Não diria que será necessário começar tudo de novo, mas há impactos nesse segmento do turismo dos eventos, resultado das incertezas sobre os impactos estruturais que esta crise pode vir a ter. Sabemos que os meios digitais ganharam a sua força, que há uma parte de reuniões que as empresas vão tentar evitar que se realizem presencialmente porque representam custos – por exemplo, uma reunião semestral dos diretores de vendas – e, por outro lado, houve a habituação. E aqui as previsões dividem-se sobre os impactos que isso vai ter, nomeadamente em eventos e em congressos. Ou seja, será que o meio digital vai levar à redução da participação em congressos ou será que o meio digital vai levar a ampliar as audiências dos congressos? É uma previsão que como se costuma dizer ‘só no fim do jogo’. Acredito que desapareçam muitas reuniões de empresas que davam sempre uma certa dinâmica, mas as viagens de incentivos não podem desaparecer. Ninguém dá um prémio ao melhor vendedor dos EUA de uma viagem via internet. Vai ter de ir sempre ao local. Também as apresentações das marcas, dos produtos julgo que irão continuar a ser presenciais. 

E há quem venha a Lisboa em trabalho e depois regresse mais tarde em lazer…

Claro. Uma das vantagens deste segmento é porque, além de ser mais rentável porque as pessoas gastam mais quando vêm em viagens de trabalho – porque uma grande parte das despesas é paga pelas empresas – depois têm tendência em voltar se gostarem do destino, mas em viagens de lazer. Claro que essa recuperação exige estabilidade, previsibilidade e segurança em termos sanitários. Isso não é compatível com regras e com situações instáveis, logo com pandemias. Por isso é que Lisboa tem sido das cidades mais afetadas do país com a pandemia porque não está só dependente do turismo de lazer. E, mesmo no contexto da nossa concorrência europeia, Lisboa foi o destino que mais sofreu por causa da distância, já que as pessoas só podem vir de avião. Tínhamos tido um período de ouro, em que tínhamos ganho quota de mercado em termos nacionais, ou seja, o destino Lisboa tinha sido aquele que mais tinha crescido, num contexto em que o país todo cresceu, mas em que crescemos mais do que o resto do país. E também tínhamos crescido mais do que a nossa concorrência internacional.

As perspetivas eram animadoras…

Em termos de futuro acredito que voltará a ser. 

No caso dos eventos, estes podem regressar mas há o risco de não existirem empresas para prestar esse serviço? 

A direção da Associação do Turismo de Lisboa (ATL) e a comissão executiva da Entidade Regional do Turismo já decidiram fazer algo que é importante que é retomar o plano estratégico do turismo para termos um caminho confiável para seguirmos e não por palpites ou por sensibilidades: em 2020 tinha-se decidido suspender o plano estratégico porque tinha entrado em vigor em janeiro desse ano e em abril foi suspenso porque a situação não era coerente com um plano estratégico que tinha sido feito para uma situação normal e não para uma pandemia. E num contexto de pandemia não faz sentido fazer um plano estratégico. Nessa altura, decidimos navegar à vista, estávamos atentos e íamos tendo uma resposta conjuntural e tática à situação que era permitida. Foi o que fizemos até agora e com resultados positivos. Mas tendo conseguido acompanhar a situação e dar respostas possíveis e adequadas agora decidimos retomar o plano estratégico. E não se trata apenas de retomá-lo, decidimos também revisitá-lo para ver quais eram os objetivos, qual era a sua estratégia e forma de implementação para vermos que alterações são necessárias fazer e que são estruturantes e como devemos adaptá-lo. Vai começar a ser feito esse trabalho com a Roland Berger que foi a consultora que fez esse plano estratégico. Acredito que durante o primeiro trimestre vamos ter esse trabalho concluído e aí ficaremos habilitados com um plano que já incorpora as alterações que entretanto existiram. Essa é a nossa forma de trabalhar. Temos que ter sempre linhas de rumo, caso contrário estamos sempre dependentes de cada momento. Vamos apostar em 2022 nos nossos objetivos intermédios para chegarmos em 2026, ou seja, dois anos mais tarde do que tínhamos inicialmente previsto, com os objetivos do plano estratégico cumprido. No fundo é dizer que estes últimos dois anos não existiram. Já em relação às empresas que prestam serviços a esses setores não sabemos como é que elas se aguentam. O que tenho ouvido é que a resposta de apoio às empresas ainda não é a adequada para conseguirmos manter esse tecido empresarial. 

Dizem que há falta de apoios e quando estes existem chegam tarde…

Não podemos correr o risco de começar do zero porque o turismo vive de um tecido empresarial multifacetado e normalmente de pequena dimensão, mas é isso que faz a riqueza do destino e garante a experiência do turista. E o prestígio que temos em termos de qualidade de alguns desses serviços. Não nos podemos esquecer que, muitos dos programas acabaram, como é o caso do layoff e das moratórias bancárias, e já foram esgotadas as reservas das empresas. Como é agora? As empresas já estão completamente descapitalizadas, estão endividadas e estão novamente sem clientes. Como é que isso se aguenta mais algum tempo?

A Web Summit deu algum fôlego?

Há sempre pessoas que vêm. Os números de participantes foram inferiores à edição presencial anterior que tinha sido em 2019, mas ainda estamos à espera do relatório final da organização para nos dar essa informação, no entanto, os dados preliminares indicam que terão existido cerca de 40 mil visitantes. Ainda assim, contribuiu de alguma forma para que novembro fosse melhor do que o mês de novembro anterior. Mas a aposta e o investimento que se faz no Web Summit não é só por causa do retorno imediato que dá – também importa as despesas nos hotéis e restaurantes – mas é considerado pelo Estado como estratégico para o desenvolvimento do empreendedorismo. Não se trata apenas de um evento turístico, embora isso seja relevante.

Em relação ao plano estratégico há uma aposta para toda a região e não apenas para a cidade de Lisboa?

A visão territorial que este plano estratégico trouxe é importante para a sustentabilidade do desenvolvimento turístico. Não é possível desenvolver o turismo e apostar na sua sustentabilidade se não tivermos uma escala ao nível da área metropolitana. E, como tal, dentro do território identificámos alguns polos, como Cascais, Sintra, Arrábida, Mafra, Ericeira. Depois há produtos que são transversais e comuns a todos, como é a questão cultural, o shopping, a gastronomia que são transversais a toda a região, a todos os polos e a todos os produtos. E tudo isso conjugado com uma identificação de produtos. Os short break não precisam de ser necessariamente só na cidade de Lisboa porque são pequenas estadias e estamos a falar de uma área metropolitana que em termos de dimensão não apresenta grandes distâncias. E o short break não só assumiu uma importância maior, como foi aquele que mais se desenvolveu nos últimos anos. É um produto qualificado, dá bom retorno económico e os clientes são aqueles que interessam. Mas isso tem de ser conciliado com mercados que estavam identificados – agora vamos ter de olhar para eles outra vez – mas na altura, fizemos uma análise em que os mercados principais seriam os europeus, porque era o cliente base do short break e são as classes médias europeias com mais poder de compra, com mais conhecimento e, como tal, é um cliente que nos interessa manter. Mais o Brasil e os Estados Unidos. Em relação a novos mercados, na altura, não colocámos o turismo de grupo e, por isso, não íamos muito para o mercado chinês. Mas, por exemplo, o mercado sul coreano ou o mercado japonês, sim, mas depois tínhamos uma vasta possibilidade que continua a existir nos mercados do Médio Oriente e de toda aquela zona. Isso era a estratégia que tínhamos numa perspetiva de sustentabilidade e ligado ao tipo de produto e ao tipo de segmento que privilegiámos: famílias. Mas para que isso possa ter sucesso temos de ter em conta a questão da acessibilidade e da mobilidade interna. Claro que se tenho uma escala da área metropolitana tenho de poder de ir de uma forma fácil, adequada e cómoda de umas zonas para outras. O turista pode estar a dormir no Seixal e vir a Lisboa, por exemplo. E depois temos a questão aeroportuária que tem sido reforçada nos debates por causa das alterações climáticas e das questões ambientais e da forma como esta se insere face às estratégias europeias de substituição por outros meios, nomeadamente o ferroviário. O que acontece é que sentimos pouco que Portugal tenha demonstrado a sua diferença em relação a outros países. Por exemplo, é possível substituir as viagens de avião pelas viagens de comboio, isso é ótimo, mas simplesmente o que sabemos é que isso só é possível até 700 quilómetros de distância. Ora 700 quilómetros a partir de Lisboa só dá para Madrid, país Basco, nem sequer dá para Barcelona que são 1200 quilómetros. Como é que assim podemos aceder aos mercados europeus? É muito diferente para um destino que seja mais próximo do centro da Europa do que um periférico. 

E depois não temos linhas de alta velocidade…

Além desses erros que se cometeram. Já podíamos ter feito alguma coisa porque estamos isolados. Mas sabemos que isso é uma prioridade do Governo e que são investimentos a longo prazo. Mas se nunca mais começarem nunca mais se concluem. 

É como o caso do aeroporto…

Aí é outra situação. Não compreendo como é que tivemos seis anos deste Governo e este ministro das Infraestruturas – apesar de não ter tido sempre essa pasta, fazia parte do Governo – e nunca se ouviu uma palavra sobre esta questão. Dá ideia que deixou de ser prioritária e isso é uma visão amputada porque não tem em conta a nossa localização e, numa altura, em que se aposta tudo na TAP.

E como vê a solução para a TAP?

Agora chegámos a um determinado ponto. Foi aprovado um determinado plano. Espero que seja cumprido e que tenha sucesso. O que significa que o nosso aeroporto vai ter uma parte utilizada para o hub da TAP – não vou discutir se isso tem vantagens ou não – uma parte para o turismo e uma parte para os residentes permanentes ou temporários , como os nómadas digitais, os expatriados, etc. Mas para dar uma resposta a estes segmentos todos, este aeroporto tem limitações, aliás tem bastantes limitações. Não vai conseguir desenvolver o hub da TAP, responder ao turismo e aos expatriados porque há limitação de espaço.

O aeroporto do Portela vai sendo alvo de algumas obras de expansão…

Mas tivemos seis anos em que não só não foi feito o aeroporto, como ainda não se decidiu a localização. Dizem que construir um aeroporto demora três a quatro anos. Então isso significa que já podíamos ter feito um aeroporto e meio. 

É o tal desporto nacional que tem referido…

Será sempre um desporto nacional, um passatempo em discutirmos onde é que vai ser e qual é a melhor solução. Essa discussão nunca vai acabar, nem nunca vai haver um consenso total, portanto tem de se decidir. 

A última palavra terá de ser do Governo…

O Governo e as instituições democráticas têm de se decidir. Claro que o Governo em primeira linha, mas também o Presidente da República tem de dar o seu aval e a Assembleia da República pode ter uma intervenção, mas tem de se decidir. E quem toma a decisão é o Governo e dentro do Governo é que tem essa área, mas a verdade é que vimos que toda a prioridade foi dada à TAP – não estou a dizer bem ou mal – foi dada prioridade à ferrovia, mas em relação ao aeroporto foi chutado para canto.

E com a retoma em pleno do turismo regressam os problemas de constrangimento da Portela…

Voltam porque aquela infraestrutura é como termos um carro utilitário e queremos pôr uma turma de estudantes. Não conseguem caber todos. Mas aí há consenso que não chega para tudo. E, por isso, a Comissão Europeia impôs a condição de ceder slots, foi a única sombra que impediu o maior brilharete desse plano. E porque é que é preciso ceder 18 slots? Porque os slots não chegam para a procura, porque se chegassem esse problema não existia. Agora vai ser lançado um novo concurso para fazer um estudo sobre a avaliação ambiental, mas qualquer que seja a solução vai haver sempre entraves. Imagine que a solução escolhida é Alcochete e que até é longe para as necessidades mas acredito que seja resolúvel com ligações que se se podem fazer. Nesse caso vai ter de se fazer um novo estudo de impacto ambiental. E vão aparecer em cima da mesa os dois mil sobreiros que são precisos abater, o maior lençol freático que passa por debaixo dessa zonas, as populações que possam estar ao pé, nomeadamente o município de Benavente, contra. E mesmo a solução Montijo, em que a autarquia disse que sim, agora pode dizer que não. Ou seja, é um processo interminável. 

E com as eleições autárquicas houve mudanças nas câmaras…

Mas aí o Governo tem responsabilidades porque esteve seis anos sem decidir e o PSD também teve responsabilidades porque deixou que houvesse esse veto, o que é uma coisa absurda. Tenho o maior respeito pelos municípios – aliás até como presidente da Entidade Regional fui eleito pelos municípios – mas não faz sentido que para um investimento nacional haja um município que se possa opor. Isso é absurdo. E porque é que existe? Porque num determinado momento, o PS propôs uma lei nesse sentido que foi aprovada e quando foi preciso alterá-la, o PSD não aceitou. Portanto, Rui Rio tem uma quota parte forte da responsabilidade de não termos uma solução.

E é um tema esquecido nos debates para as eleições legislativas…

Mas isso devia ser falado e esperemos que até dia 30 se perceba qual é a posição atual do PS e do PSD em relação ao futuro novo aeroporto, julgo que a dos outros se manterá. Sabemos que o PCP é contra a solução do Montijo, o Bloco de Esquerda e o PAN também. Mas se houver outra localização também vão aparecer argumentos contra.

E voltamos a um novo impasse…

Sim e depois dizemos que a TAP não tem condições para crescer. As outras companhias querem trazer turistas para Lisboa e não podem. E não nos podemos esquecer que os turistas não vêm só para Lisboa porque o aeroporto da Lisboa não serve apenas para a região de Lisboa. As pessoas que vão para o centro, ilhas e Alentejo também utilizam esta infraestrutura, assim como de voos de ligação. Surpreende-me que este tema não esteja agora a ser debatido nas eleições legislativas porque foi discutido nas eleições autárquicas. O que é espantoso é que os partidos tenham colocado este assunto na ordem do dia na autárquicas quando não são os autarcas que têm o poder de decidir. E agora ninguém fala nisso.

Tem dito que o turismo tem sido usado como bode expiatório para os preços das casas. Mas é certo que as reduções não foram assim tão significativas…. 

Não sei se os preços desceram. Não quero ser demagogo a dizer que houve dois anos e ao fim desse período o problema está resolvido. O grande dilema que existe é se queremos uma cidade valorizada ou desvalorizada. Se for desvalorizada tudo fica mais barato, mas também fica a cair e com problemas sociais. Já tivemos isso em Lisboa, onde havia uma degradação mas também era barata. Mas se tudo valoriza como é que os residentes conseguem acompanhar essa valorização? O nível de vida não consegue acompanhar essas valorizações. Se eliminarmos o turismo então o que vamos ter é menos riqueza, vamos desvalorizar e voltamos à mesma situação: vai tudo ficar mais barato, mas mais pobre e inseguro. Retirar o turismo não é a melhor opção porque traz riqueza: 15 mil milhões de euros por ano para a região de Lisboa, trazia 40% do emprego para a cidade de Lisboa, 27% do PIB na cidade de Lisboa e 20% na região. Agora não sabemos porque não temos esses números atualizados. Mas se eliminarmos o turismo ficam 200 mil pessoas sem emprego, sem 27% do PIB e sem 15 mil milhões por ano e ficamos sem dinheiro para fazer e recuperar a habitação. O que é preciso não é retirar uma atividade que dá riqueza mas ter políticas de habitação e é por isso que as câmaras precisam de continuar a apostar nessas políticas. E basta ver quanto é que a câmara de Lisboa recebia de IMT antes do boom turístico e quanto é que recebeu durante o boom e essa diferença são 200 e tal milhões por ano. Se houver uma parte da alocação dessa verba para resolver os problemas da habitação, continuamos a ter riqueza e a tentar dar resposta às necessidades. Porque essas necessidades não de agora, são um problema endémico, durante a I República já era um problema gravíssimo em Lisboa, nos anos 40, 50, 60,70, 80 também e aí não havia turismo. O mais fácil é passar as culpas e dizer que há turismo a mais. Também não aceito que o peso do alojamento local ultrapasse os 25%, tem de haver um equilíbrio. Se for 25% pode dar uma dinâmica mas não ocupa o bairro inteiro. Isso depende da câmara. Não se pode chegar e dizer que é tudo proibido como aconteceu com o alojamento local. Porque é que tudo tem de ser proibido se há zonas em que não existe alojamento local e onde se, eventualmente, existisse poderia ser um fator de desenvolvimento e de reabilitação? Isso são medidas cegas.