Preços disparam mas sem surpresa

O aumento dos preços das matérias-primas, a escassez da oferta e o aumento da procura contribuíram para encarecer os mais variados produtos. Mas tendência já era expectável.

Preços disparam mas sem surpresa

A elevada procura e a escassez de algumas matérias-primas aliada à inflação e aos constrangimentos nas cadeias de distribuição criaram a ‘tempestade perfeita’ para o aumento dos preços nos mais variados produtos. E a par das empresas que se confrontam com esta subida de preços também o consumidor final será chamado a pagar o aumento da fatura. Portugal não fica alheio a esta tendência. A opinião é unânime junto dos vários analistas contactados pelo Nascer do SOL, que não se mostram surpreendidos por este cenário.

«Os períodos de grande crescimento económico como assistimos ao longo do pós-pandemia – fruto do grande abrandamento económico, após as medidas de confinamento durante a primeira e segunda vaga – tendem a provocar períodos de maior inflação», diz ao nosso jornal Henrique Tomé da XTB, lembrando que «embora se espere que as pressões inflacionistas se prolonguem mais do que o inicialmente previsto, o ritmo do crescimento dos preços poderá abrandar durante este ano, à medida que o crescimento económico comece a estabilizar em conjunto com a eventual retirada dos atuais estímulos dados pelos Bancos Centrais».

Também Ricardo Evangelista, diretor executivo da ActivTrades Europe, lembra que estas subidas dos preços devem-se a uma aceleração súbita da procura no pós-pandemia, afirmando que a retoma da atividade económica acabou por gerar escassez no fornecimento, o que, no seu entender, provocou «um cenário que é exacerbado pelos engarrafamentos na cadeia logística global, levando a que os preços subam devido à oferta ficar aquém da procura». E vai mais longe: «Desde o princípio de 2021 que se falava dos riscos de inflação generalizada, e em particular nas matérias primas, devido ao aumento muito pronunciado da procura de bens, materiais e combustíveis no pós-confinamento».

Steven Santos, do Banco Big, deixa um alerta: «A contração do consumo durante os confinamentos de 2020 e a subsequente expansão, mais rápida do que o previsto graças ao sucesso da vacinação, causaram uma desorganização das cadeias de fornecimento a nível global». Perante esta situação, o economista previa a reabertura da economia a um ritmo mais lento. Mas acabou por verificar-se o oposto.

«As poupanças acumuladas pelas fatias da população que foram pouco ou nada afetadas pelos confinamentos direcionaram-se para a compra de produtos e serviços, apesar de os fornecedores não terem capacidade de resposta para tanta encomenda», justifica Steven Santos ao Nascer do SOL.

Uma opinião partilhada por Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa. «À medida que as restrições foram diminuindo, as empresas retomaram a sua atividade para reposição em primeiro lugar dos stocks, mas simultaneamente o consumo regressou também, por vezes impulsionado pelos apoios governamentais e estímulos monetários dos bancos centrais, e a oferta debilitada não conseguiu responder ao aumento significativo da procura e os preços das matérias-primas foram subindo». E acrescenta: «Se há uma paragem da atividade económica e o consumo inevitavelmente tem que continuar, há lugar a uma diminuição dos stocks e, consequentemente, subida dos preços. Se a oferta de bens e serviços é bastante menor e a procura permanece mais ou menos igual, os preços têm que subir». 

 

Clientes pagam aumentos

Preços mais altos, consumidor penalizado. «Muitas empresas têm optado por passar os maiores custos aos clientes, refletindo a demora e os elevados custos de transporte, bem como os crescentes custos energéticos», explica Steven Santos, daí lembrar que, do lado do consumidor, a China e os EUA estão preocupados com o impacto que os preços mais altos do petróleo têm nas famílias, levando mesmo Joe Biden a aprovar a libertação de 50 milhões de barris das reservas estratégicas, nos próximos meses.

Também Henrique Tomé admite que os aumentos dos preços das matérias-primas estão a afetar direta e indiretamente as empresas, e acabarão por ter de ser passados para o consumidor final, «uma vez que as empresas não estarão dispostas a abdicar das suas margens de lucro». Ainda assim, garante que o setor retalhista poderá vir a ser o mais penalizado, já que nem todos os clientes deverão estar dispostos a pagar preços mais elevados por certos produtos e procurarão alternativas. «Nestes casos, a redução da procura pelos produtos poderá prejudicar as empresas que estão inseridas neste setor», salienta ao Nascer do SOL o analista da XTB.

Já Ricardo Evangelista mostra-se mais reticente. Na sua opinião, tudo vai depender das respetivas situações financeiras, ainda que reconheça que o custo mais elevado das matérias primas irá agravar os custos de produção das empresas, contribuindo para que o índice de preços ao consumidor se agrave também.

Por seu lado, Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, fala em círculo vicioso. «As empresas conseguem absorver a subida dos preços repassando os custos ou através de economias de escala e aumento das vendas». Quanto aos consumidores, «conseguem superar a inflação com aumentos salariais», prevê. «Mas estes também implicam subida dos custos das empresas, originando um ciclo vicioso e pernicioso de subida de salários e de inflação».

 

O que esperar?

Ricardo Evangelista defende que, para as empresas, o pior será a dificuldade em obter matérias-primas «devido a escassez da oferta face a procura, e, claro, a uma subida dos custos de produção». Já para os consumidores, a maior dor de cabeça é «sem dúvida a contribuição destas subidas para o disparar da inflação que se tem feito sentir, o que torna a gestão dos orçamentos familiares mais complicada».

Por seu turno, Steven Santos recorda que «muitos dos principais portos mundiais continuam com navios ao largo, à espera para poderem desembarcar as suas mercadorias, o que é grave». Por isso destaca o aumento súbito e expressivo da inflação, «com reflexos quase imediatos no preço dos bens e serviços», o que «retira poder de compra aos consumidores».

E Henrique Tomé não tem dúvidas: «Se o incremento dos preços em determinados produtos for significativo, poderá provocar uma diminuição da procura do mesmo, acabando por prejudicar também a empresa». O analista da XTB lembra também os problemas de os níveis de inflação começarem a subir, uma vez que «os rendimentos podem não estar a acompanhar a subida generalizada dos preços».

Alertas que são deixados também pelo economista do Banco Carregosa, ao recordar que «a escassez leva ao aumento dos preços e ao atraso da produção e, consequentemente, penalização da atividade económica».

E se tudo era assim em 2021, como será este ano? Os especialistas ouvidos pelo Nascer do SOL são perentórios na antevisão de uma «normalização do fornecimento», o que depois acabará por «estabilizar os preços» ou «normalização dos níveis de inflação» ao longo do ano.

Paulo Rosa fala também em normalização mas deixa uma chamada de atenção: «Se a política de descarbonização não se alicerçar numa cabal resposta das energias renováveis, ou readoção de energias alternativas como o nuclear, os preços da energia vão continuar a pressionar a inflação nos próximos tempos». Já Steven Santos prevê que apenas em meados deste ano «haverá uma reorganização das cadeias de fornecimento».

 

Subida de 28% nos alimentos

O índice de preços dos alimentos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) chegou em 2021 a uma média de 125,7 pontos, o que representa uma subida de 28,1% em comparação com o ano anterior. E a FAO já tinha deixado o aviso: o preço do trigo no mercado mundial ficou em setembro 41% acima do valor de há um ano. 

Também a Associação Nacional de Produtores de Milho e Sorgo (Anpromis) chama a atenção que os produtores de cereais, leite e fruta já tinham apontado para a subida de preços que é impulsionada pela forte pressão nos custos de produção. Assim, produzir cereais para a alimentação humana ou animal está «logicamente mais caro», tendo em conta que «há adubos que aumentaram entre 70 a 100%». Já o milho disparou mais 40 a 50 euros por tonelada no ano passado, o que deverá repetir-se este ano.

O mesmo se passa com a carne e peixe, tendência que vem, aliás, desde o fim do ano passado. O bacalhau já foi mais caro no Natal e os preços de todas as carnes, com excepção da de porco, estão a subir com aumentos na casa dos dois dígitos. Proprietários de restaurantes garantem que há locais onde a carne já subiu pelo menos 50%. Mas não só: o azeite vai encarecer cerca de 7%.

Há cerca de quatro anos o setor comprava uma tonelada de papel por 420/450 euros. Mas, no final do ano passado, esse valor já era superior a 600 euros e as previsões apontavam para uma chegada aos 750 euros este ano. Tendência que já se verifica no caso de algumas papeleiras como a Navigator, que anunciou recentemente que vai aumentar 15% o preço dos seus papéis tissue – papel higiénico, guardanapos ou toalhas de papel. E estes são apenas alguns exemplos do que já se passa no mercado nacional.