PS vs BE: O frente-a-frente dos ex-parceiros da geringonça que teve “mel” e “fel” à mistura

Catarina Martins diz que desejo de maioria absoluta do PS é um obstáculo à estabilidade do país. António Costa acusa BE de querer “voltar a ser partido de protesto”. 

A coordenadora do Bloco de Esquerda, a primeira a ter a palavra no debate com o líder do PS esta terça-feira, considera que o desejo de maioria absoluta de António Costa é um obstáculo.

“Tem sido um obstáculo este desejo de maioria absoluta, mas acho que toda a gente sabe que não a teremos”, afirma Catarina Martins, recordando que o tempo de geringonça foram “quatro anos de estabilidade e crescimento económico".

"Orgulho-me e voltaria a fazê-lo”, admite, acrescentando que em 2019 o BE queria dar continuidade ao acordo entre os dois partidos, tentando a sua renovação.

Agora, o objetivo do partido passa por “criar soluções para o dia seguinte”, nomeadamente um acordo sobre Saúde e Trabalho, explica.

Em resposta, António Costa garante “que a maioria absoluta não é um objetivo em si", acrescentando que em 2019 e 2020 a direção do BE decidiu romper o diálogo à esquerda.

“Há dois Blocos, o que aparece na campanha, que é muito mel, e o que está na Assembleia da República, que é muito fel”, atira o líder socialista, acusando o BE de votar “para parar e não para avançar”, culpando a bloquista de se colar à direita e à extrema-direita no chumbo do Orçamento de Estado.

Por seu lado, Catarina Martins argumenta que o PS sempre pôde contar com o BE, incluindo durante a pandemia, recordando que foi o único partido de esquerda que viabilizou sempre os estados de emergência e o Orçamento Suplementar.

Diz também identficar mel e fel no Governo quando promete e depois não concretiza, aludindo à inoperância do Executivo de Costa em matéria de Saúde, um dos pontos de divergência no OE2022.

“Se nada for feito o SNS estará moribundo daqui a quatro anos. Temos menos médicos desde o início da pandemia, 2 mil enfermeiros que pediram para emigrar”, refere, defendendo uma reestruturação que torne o serviço "capaz para o século XXI, com uma população envelhecida”.

Sobre a Saúde, Costa argumenta que o PS “tem vindo a reforçar sistematicamente o SNS desde 2016″, salientando que há hoje mais 28 mil profissionais e que o Orçamento que o BE rejeitou reforçava em mais 700 milhões de euros o orçamento do SNS. 

Além de apontar essa "falha" ao BE acusa os bloquistas de terem “falhado” também com os recursos, ao chumbarem a aplicação da dedicação plena no SNS, por exemplo.

“A alternativa que temos é de uma maioria do PS ou uma maioria de direita que quer revogar a lei de bases da saúde e o BE abriu a porta a esta mudança”, acusa, renovando o pedido de maioria absoluta para o PS.

Em jeito de provocação, Costa diz ainda que a direção do BE "cansou-se de ser parte da solução e quer voltar a ser partido de protesto”.

Catarina Martins contesta que “o Bloco de Esquerda não se cansa”, reforçando que foi Costa que recusou acordo em 2019. Frisa também que o número de médicos prometido era o mesmo antes da pandemia e agora, devolvendo o  fracasso ao PS por faltarem médicos de família a um milhão de portugueses.

“O que eu não percebo, porque ao contrário de si nunca mudei de opinião sobre o caminho a fazer”, é a resistência do PS em promover a exclusividade dos médicos no SNS. “Preferiu fazer um braço de ferro, continuando o SNS a perder profissionais todos os dias”, censura.

O socialista responde “que o que foi impeditivo de um acordo no último ano foi a intenção do BE de minar a sustentabilidade futura da Segurança Social”.

Segundo Costa, o PS não pode aceitar a proposta do BE de acabar com o fator de sustentabilidade, pois implicaria “480 milhões de euros por ano de impacto na sustentabilidade da Segurança social, um rombo brutal". "Foi isso que nos impediu de chegar a acordo no Orçamento”, rebate.

Catarina Martins refuta os números apresentados por Costa e recorda que o Bloco propôs um regime de exclusividade facultativo e não obrigatório, embora quisesse impedir a acumulação no público e privado por parte de dirigentes. 

Relativamente à Segurança Social, a bloquista afirma que algumas pensões antecipadas continuam a ter um duplo corte — “um número residual”, de 15% e depois de 0,5% por cada mês que anteciparam. Segundo as contas da coordenadora do BE, em 2020 só pediram estas pensões 10 mil pensionistas, o que custaria 16 milhões. 

Já o líder do PS diz que 180 mil pessoas podiam beneficiar com o fim do factor de sustentabilidade. “Bastava um terço, para que o custo anual fosse de 480 milhões de euros por ano”, insiste no mesmo número que Catarina Martins desmente.

“É a sustentabilidade que dá garantias aos pensionistas de hoje e de amanhã. Se minarmos a confiança no futuro da Segurança Social, ganha a direita que propõe um sistema misto e vem dizer que o Estado não tem capacidade de garantir a sustentabilidade”, defende.

Lançado o tema das leis laborais, Catarina acusa Costa de ter “uma posição e depois outra, o que dificulta” o trabalho do BE.

Por seu lado, Costa precisa que há muitas normas que foram aprovadas e que a agenda do trabalho digno não foi aprovada, uma vez mais, por causa do chumbo do Orçamento para este ano.

E continua dizendo que o BE “propõe a emissão de dívida pública para fazer a nacionalização da ANA, da EDP, da REN, dos CTT e da Galp. Pelo valor de hoje, o que o BE propõe é agravar a dívida pública em 14,5% para fazer uma bravata ideológica”.  

O BE “tem agora uma versão light e em vez de falar em nacionalizar fala em desprivatizar”, instiga.

“Talvez o PS ache normal que seja o Estado chinês a mandar na energia em Portugal ou os CTT serem completamente destruídos”, contrapõe Catarina Martins. E insiste: “Bem sei que agora vem exigir a maioria absoluta, mas não vai ter. Precisamos de construir soluções a começar pela Saúde e pelo Trabalho”.

Questionada sobre se se demitirá caso o BE obtenha um mau resultado no dia 30, a bloquista contorna a pergunta, dizendo que o partido "é muito humilde nas eleições" e terá o resultado que tiver.

A fechar o debate, António Costa, que responde à mesma pergunta, garante que sai se perder as eleições, “porque isso significa um voto de desconfiança dos portugueses”.

“Não faço chantagem, não sou o professor Cavaco, ele é que disse ‘se não me derem a maioria absoluta vou embora’. O que me compete dizer é que, nestas condições, com partidos como o BE, precisamos de uma solução de estabilidade que o Bloco não oferece”, termina, insistindo que "não é responsável tentar passar de levezinho um compromisso que assume emitir 30 mil milhões de euros de dívida pública, para a bravata ideológica” das desprivatizações.

Notícia atualizada pelas 21h55