Por RV
Na sua edição de 15 de Novembro passado, The Atlantic publicava um artigo de Michael Schuman, “Xi Jinping’s Terrifying New China”, que começava por contar um fait-divers acontecido recentemente na China.
Num popular jogo online, “Honra de Reis”, um jogador anónimo tinha conseguido um feito raro – um pentakill, ou seja, cinco abates seguidos de alvos. A informação de que o autor do feito tinha 60 anos levantou dúvidas, pois foi julgado velho para tal proeza, já que os experts nestes jogos são, geralmente, adolescentes.
E procedeu-se a uma investigação, que confirmou que o artista da proeza era um sexagenário. E porquê a investigação? Porque uma lei de Agosto do passado ano de 2021 decretou que os jovens só podem praticar videojogos três horas por semana e nos horários permitidos. Para sossego das leis e da comunidade, e descanso do grande líder Xi Jinping, a Tencent, o gigante chinês das novas tecnologias, investigou e confirmou que o ás do jogo tinha mesmo 60 anos.
A Tencent usa um sistema de reconhecimento facial para identificar os seus usuários. Isto significa uma intensificação do controlo das vidas e actividades dos cidadãos, graças às tecnologias de controlo mais modernas e sofisticadas. O novo Grande Timoneiro parece apostado em moldar os cidadãos e cidadãs chineses e controlar detalhadamente os seus usos e costumes.
Esta vaga de controlo coexiste com o novo Grande Salto em Frente da economia chinesa, num momento em que o país está apostado em equiparar-se às primeiras economias mundiais e aos seus padrões de vida.
Para os observadores ocidentais – e para o articulista do Atlantic – esta obsessão de controlo e policiamento da sociedade poderia pôr em cheque as ambições de desenvolvimento económico-social do país. Alguns lembram que o grande crescimento da China se verificou nas lideranças dos predecessores imediatos de Xi, Hu Jintang e Ziang Jemin, e antes com Deng Xiaoping.
Mas, por um lado, o controlo do Partido – e da Polícia – nunca deixou de se exercer; por outro, não está provado historicamente que as liberdades democráticas sejam uma condição necessária para a prosperidade económica de um país e de um povo.
Mao Tse-Tung levou ao limite o Estado totalitário e policial, submetendo o povo – e a própria oligarquia comunista – a um regime de terror permanente. Entre os desastres económicos do Grande Salto em Frente e a loucura sádica da Revolução Cultural, a China viveu tempos de estupidez, miséria e crueldade inesquecíveis.
As reformas de Deng Xiaoping introduziram alguma viabilidade económica no país e inaugurarem também um tempo de menos terror. Mas os acontecimentos de Tiananmen provaram que o “déspota esclarecido” Deng não estava disposto a pôr em risco a autoridade do Partido e a estabilidade do Regime. Depois dos consulados de Jang Zemin e Hu Jintau, que se caracterizaram pela liderança colectiva no topo do PCC, toda a crónica da liderança de Xi vai no sentido dum retomar dos controlos apertados do Estado e do Partido sobre a economia e a sociedade.
O apertar das regras coincidiu com o crescimento do poder do Secretário Geral do Partido e presidente da China que, progressivamente, foi monopolizando os cargos de direcção e pondo os seus homens de confiança à frente das organizações e instituições do Partido e do Estado.
Ao mesmo tempo, num gesto em que imita Mao, surge compendiado e adaptado para o estudo e cumprimento “O Pensamento de Xi Jinping” que lembra alguma coisa do “Pequeno Livro Vermelho” de Mao Tsé-Tung. Este novo pensamento define a linha geral do Partido e do Regime, preparando-se para dar o grande salto para um terceiro mandato, uma coisa nova desde a morte de Mao.
Longe dos exageros demenciais do Grande Timoneiro, Xi é, dentro do seu frio e racional realismo, um grande novo senhor do poder total. E do seu pensamento e acção resulta uma personalidade claramente autoritária que pretende moralizar e controlar a oligarquia político-social e não parece disposto a transigências, com quaisquer inconformismos ou dissidência. Desde o bilionário Jack Ma aos jogadores nocturnos do “Honra dos Reis”, todos têm o dever de perceber com quem se metem e o que lhes pode custar enganarem-se nesta matéria.