A política do ‘soundbite’…

Os ‘atores’ não se saíram mal. Melhor Rui Rio, conseguindo vantagem em boa parte do debatee obrigando António Costa a recuar para uma posiçãodefensiva, repetitiva e pouco feliz

Está quase concluída a maratona dos ‘frente-a-frente’ televisivos com os líderes partidários, num formato propício à esgrima de palavras e de ‘soundbites’, poupada no confronto de ideias, sem debater, no essencial, os verdadeiros problemas que alastram no país e que os portugueses gostariam de ver esclarecidos, antes de se dirigirem às urnas.

O formato encontrado pelas televisões, atribuindo a cada debate menos de meia hora – exceto o de Rui Rio com António Costa reproduzido, em simultâneo, pelos canais generalistas –, foi redutor, com a agravante de alguns moderadores se terem excedido no papel e no zelo, consoante as suas preferências e antipatias. 

Depois, como costuma acontecer a seguir à transmissão de um jogo de futebol, montaram-se painéis de ‘comentadores’, por vezes mais demorados do que o debate propriamente dito, predominando as opiniões – e as pontuações – alinhadas com as esquerdas, até por aqueles que, supostamente, estariam ali a representar a ‘direita’.
Esta tendência tem vindo a consolidar-se, refletindo, de resto, o ambiente comum às redações, onde as esquerdas desfrutam de amparo garantido, designadamente, as radicais urbanas. 

Por isso, André Ventura tornou-se numa espécie de ‘bombo da festa’, útil para a esquerda, porque há muito que lhe fazia falta um ‘fascista de serviço’, e à direita, por se temer o crescimento do Chega. 

Tudo ponderado, Ventura acabou por sair mais beneficiado do que se previa, incorporando na política o estilo rodado nos terrenos do futebol televisivo. 

Com isso arrecadou uma preciosa visibilidade. Ou seja, se as sondagens não errarem, o Chega poderá regressar ao hemiciclo parlamentar com outro estatuto. 

Sem ter o carisma de Marine Le Pen, nem a envergadura polémica de Eric Zemmour, ou, sequer, o charme e a acutilância de Valérie Pécresse – que estão a flagelar, pela direita, a recandidatura presidencial de Emmanuel Macron, em França –, é forçoso reconhecer a eficácia de Ventura, apesar de algumas derrapagens que não controlou. O seu gosto trauliteiro tem adeptos e detratores…

Curiosamente, antes do ‘duelo dos chefes’, a virtude esteve nos extremos do atual espetro partidário, que aproveitaram melhor os despiques nesta modalidade de ‘meter o Rossio na rua da Betesga’.

Catarina Martins, ao ensaiar uma imagem muito ‘soft’ e ‘produzida’, de sorriso suave e discurso decorado, a camuflar o seu radicalismo, é uma boa discípula de Francisco Louçã, o ideólogo, que mesmo não citando o Papa Francisco, confunde-se facilmente com um pregador evangélico. 

Por seu lado, Ventura insistiu no contributo para mudar o atual primeiro ministro, com quem partilhou, aliás, um dos seus momentos altos. 

Ainda nos pequenos partidos, à direita, Francisco Rodrigues dos Santos esforçou-se por evitar o colapso do CDS, e conseguiu ter presenças seguras e positivas – sobretudo com Costa, onde marcou pontos –, enquanto Cotrim de Figueiredo tentou corrigir ambiguidades programáticas dos liberais e distinguiu-se por uma narrativa serena e pragmática. 

Mais tarde, porém, Rodrigues dos Santos e Ventura perderam as estribeiras e caíram numa zaragata. Barafustaram, perderam a razão e perderam votos. Foi indecoroso.

A disputar outro campeonato, Rui Rio deu-se mal com o formato curto, embora tenha corrigido gradualmente as suas intervenções, em crescendo, para o debate alargado com António Costa. 

Era o momento mais aguardado, transferido dos estúdios para o espaço do Capitólio, reforçando uma envolvência cénica, como se de um espetáculo também se tratasse. 

Digamos que os ‘atores’ não se saíram mal. Melhor Rui Rio (vencedor, também, na sondagem da CNN Portugal), numa noite inspirada e com garra, conseguindo vantagem em boa parte do debate e obrigando António Costa a recuar para uma posição defensiva, repetitiva e pouco feliz. 

De longe, foi o melhor e mais esclarecedor debate desta série. Mas é preciso dizer-se que, à esquerda, chegou a ser penoso acompanhar Jerónimo de Sousa, claramente nas despedidas da liderança do PCP (e penalizado com uma cirurgia urgente que o retirou da campanha), quase tanto como ouvir o amadorismo debutante de Inês Sousa Real, do PAN, um partido animalista, com pretensões ambientalistas e vocação proibicionista que, pelos vistos, é a ‘muleta’ preferida por Costa, caso não alcance a maioria absoluta, que as sondagens lhe negam. 

Quanto a Rui Tavares, que já foi quase tudo, desde eurodeputado bloquista a vereador em Lisboa encostado ao PS, tenta a sua sorte nas legislativas, substituindo Joacine Moreira como cabeça de lista, um equívoco.

Costa apostou forte ao quebrar as amarras com os parceiros do PCP e do BE e estes ficaram com o ónus do ‘chumbo’ do Orçamento. O coro desafinou. A ‘roleta’ eleitoral ditará agora a sua sorte. E a nossa…