Reino Unido. O buraco do “partygate” é cada vez mais fundo

Quase ninguém acreditou na justificação que Johnson não se apercebeu que estava numa festa. Mas agora há emails que indicam que mentiu ao país.

Boris Johnson parece cada vez mais próximo de ser despejado do n.º 10 de Downing Street. De dia para dia, os britânicos vão sabendo mais detalhes sobre o chamado partygate, o escândalo à volta das sucessivas festas secretas que o Governo deu, impunemente, enquanto o resto de país era obrigado a estar fechado em casa.

Após semanas a negar o sucedido, o que só deixou os britânicos mais irritados quando a verdade se soube, o Governo tem-se limitado a ignorar as perguntas. Em uníssono, pedem que se tenha paciência, que se espere pelo inquérito que está a ser conduzido por Sue Gray, uma obscura funcionária pública cujo nome subitamente está na boa de todos os conservadores. O pior é que o que esta está a encontrar não abona a favor do primeiro-ministro.

Se a justificação que este usou – “ninguém me disse que o que estávamos a fazer era contra as regras”, disse Johnson perante as câmaras, tentando explicar que não percebeu que estava numa festa a 20 de maio, dizendo que, quando se juntou a dezenas de pessoas que comiam e bebiam no seu jardim, incluindo a sua mulher, Carrie, pensou que estava num evento de trabalho – convenceu muito pouca gente, entretanto o inquérito de Gray deparou-se com indícios que o primeiro-ministro mentiu descaradamente ao país.

Gray obteve um email de um funcionário veterano de Downing Street, dirigido ao secretário pessoal de Johnson, Martin Reynolds, a alertá-lo que a festa que estava a preparar –”tragam as vossas próprias bebidas”, lia-se num email enviado por Reynolds a mais de uma centena de convidados, quando as restrições proibiam que se juntassem mais de duas pessoas – violavam as regras estabelecidas pelo próprio Governo, avançou a ITV.

É algo que bate certo com as acusações de Dominic Cummings antigo conselheiro especial de Johnson, em tempos apontado como arquiteto do Brexit, que após ser despedido se tem dedicado a revelar os podres do primeiro-ministro. Cummings, que foi o primeiro a denunciar publicamente a festa de 20 de maio, assegurou que se opôs a esta na altura. “Disse ao primeiro-ministro algo como: o Martin convidou o edifício todo para uma festa com bebida, é disto que estou a falar, tens de ter mão firme neste manicómio”, escreveu Cummings no seu blog.

Contudo, apesar dos indícios comprometedores já reunidos por Sue Gray, há grandes receios de que esta funcionária não tenha margem de manobra para fazer um relatório crítico do primeiro-ministro – e que seja por isso que os dirigentes leais a Johnson passam o tempo a falar disso, contando serem exonerados.

“Não podes ter uma situação em que um funcionário público terá que fazer um pronunciamento que pode acabar com um primeiro-ministro”, lembrou Bob Kerslake, que costumava chefiar os funcionários públicos encarregues de apoiar o Governo, como Sue Gray, lembrando que, em última instância, Johnson é chefe de Gray. “A consequência é que Sue Gray terá inevitavelmente de parar antes disso”, continuou Kerslake. Aliás, Gray até teve de pegar neste inquérito porque se soube que o anterior responsável, Simon Case, esteve numa das festas que estava a investigar.