Imobiliário. 2022 sem descidas à vista

Há quem acredite que Espanha poderá estar próximo de uma bolha imobiliária mas responsáveis do setor dizem ao i que Portugal não corre esse risco. E explicam as tendências de compra e venda, o que se passa no arrendamento e quais as consequências das moratórias para este ano.

Aqui ao lado, em Espanha, as casas poderão ficar mais caras este ano. E face a este cenário – que não está muito longe do português – os especialistas deixaram o alerta: “O problema é se o preço das casas subir. Se aumentarem 9% como na Alemanha ou 20% como nos Estados Unidos, isso vai levar a uma bolha” imobiliária, disseram ao El País. E se muitos dizem que a situação não chegará tão longe, outros defendem que há “sinais preocupantes”.

E se nuestros hermanos podem estar a enfrentar um problema desta dimensão, como estará Portugal? Haverá esse risco? “Acho que não”, começa por dizer ao i Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP). E explica: “Se os preços têm subido em determinadas zonas de algumas cidades, como Lisboa ou Porto, ou na região do Algarve e as transações também sobem é porque existe procura para esse mercado e não identifico nenhum fator que esteja ‘artificialmente’ a ‘insuflar’ preços, pelo que me parece totalmente desajustado falar em ‘bolha’”.

O responsável explica ainda que, como existe mais procura do que oferta, “essa subida pode continuar”. No entanto, se a procura diminuir ou deixar de existir, “os preços descem naturalmente”.

E não tem dúvidas: “A referência a bolha é algo desajustado e próximo de um conceito demasiado simplista, onde impera o princípio de que se está a subir deve rebentar, acho que a nossa realidade nada tem de parecido com isso”.

A opinião é partilhada por Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal ao explicar ao i as três razões porque afasta essa possibilidade. “Primeiro, porque em Portugal tem-se investido bastante na reabilitação urbana e regeneração urbana nas nossas cidades, em particular em Lisboa. Ou seja, há um incremento de valor pela modernização e sustentabilidade energética do edificado e pela requalificação das zonas urbanas, o que naturalmente se reflete no valor dos imóveis”, diz o responsável, salientando que “muita da construção e reabilitação dos últimos anos foi direcionada para uma tipologia de imóveis do segmento alto e de luxo, que naturalmente influi no valor médio dos imóveis em venda”.

Em segundo lugar, Ricardo Sousa destaca que “os critérios de financiamento bancário são muito mais conservadores do que no passado, nomeadamente, pelas taxas de esforço inferiores a 34% e LTV [rácio que corresponde à percentagem a ser solicitada aos bancos relativamente ao valor do imóvel] máximas de 80%”. E, por último, diz, “regista-se uma clara escassez de oferta de imóveis face à procura existente”.

Já Rui Torgal, CEO da ERA Portugal diz que é prematuro falar de bolha imobiliária. “Estamos convictos de que esse risco não se vive em Portugal, pois mesmo que possamos assistir a um aumento dos preços dos imóveis será a um ritmo moderado e controlado. Até porque o mercado continua a atrair bastante interesse por parte das famílias e dos investidores, nacionais e estrangeiros, que apostam no nosso mercado residencial e naquilo que o país tem para oferecer”. Assim, não tem dúvidas que, neste momento “estamos numa trajetória de retoma total e antecipamos muito bons resultados para 2022”.

Também Beatriz Rubio, CEO da Remax Portugal, lembra que os aumentos dos preços no imobiliário em Portugal “têm resultado do desfasamento entre a oferta e a procura – esta última tem-se revelado mais intensa do que a primeira, em várias regiões do país, sobretudo nos centros das grandes cidades”. Por isso, defende que os aumentos dos preços “resultam assim de uma relação natural do mercado, mais do que quaisquer movimentos especulativos ou bolhas financeiras”. E acrescenta que “muito embora em Portugal o risco de bolha imobiliária seja ainda relativamente reduzido face ao que se verifica noutros países, certo é que todos os mercados nacionais de livre concorrência acarretam sempre um risco, por mais reduzido que seja”.

Qual é a tendência? Estes responsáveis do setor imobiliário português já tinham garantido ao i e ao Nascer do SOL que não há perspetiva para que os preços desçam este ano. E a opinião mantêm-se.

Paulo Caiado explica: “Os preços são resultado da relação entre fluxos de procura e fluxos de oferta, as perspetivas apontam para que estes fluxos não se alterem com significado e consequentemente possamos assistir a uma continuidade do que se verificou em 2021”, diz ao i. Mas deixa alertas, nomeadamente com o aumento do custo na construção, a falta de mão-de-obra e o aumento do custo dos materiais. “Bem como o custo dos terrenos e também do tempo, muitas vezes, excessivo nos licenciamentos, agravado com as inúmeras taxas e impostos, poderá ter impacto nas soluções imobiliárias de novas edificações, no entanto convém ter presente que em 2021 estas representaram 12% do total de imóveis transacionados em Portugal”, diz.

Já o CEO da Century 21 fala em estabilização de preços para este ano. Mas não será igual para todo o país. “Nos municípios da Área Metropolitana de Lisboa e da Área Metropolitana do Porto – excluindo as cidades de Lisboa e do Porto – e em algumas capitais de distrito há perspetiva de subida de preços”, alerta.

Para Rui Torgal não há dúvidas que o mercado imobiliário no país “encontra-se bastante dinâmico”. Isto porque “as famílias procuram mudar de casa e os investidores estrangeiros continuam a mostrar um forte interesse no setor e em investir nas boas oportunidades que surgem um pouco por todo o país”.

O responsável deixa exemplos e explica que do lado da procura existem famílias com novas necessidades habitacionais, muito influenciadas pela pandemia. “Atualmente as famílias procuram casas com áreas maiores, espaços dedicados ao teletrabalho, jardins ou áreas ao ar livre e, muitas vezes, casas afastadas dos centros das cidades. Existe ainda um maior volume de poupança, a maioria dela acumulada ao longo da pandemia, e existe também uma maior facilidade em recorrer ao crédito à habitação”.

No entanto, por outro lado, reconhece que há a possibilidade de se assistir “a um abrandamento na oferta resultante do contexto económico atual e agravado pela crise de materiais e de mão-de-obra. Neste sentido e perante este cenário, os preços poderão sofrer um ajuste”. E garante que “da combinação de ambas as variáveis, podemos vir a assistir a um aumento de preços no mercado”, acrescentando que acredita que essa subida será feita a um ritmo moderado e que não irá afetar, nem a estabilidade do setor, nem das famílias portuguesas.

Também Beatriz Rubio fala em estabilização de preços, à exceção de algumas zonas, “consoante a relação entre a oferta e a procura”, diz, lembrando ser expectável que zonas periféricas às grandes cidades possam registar ainda alguns aumentos, justificados com o “deslocamento da procura do centro para a periferia”. Assim como em zonas mistas (semiurbanas, com boas acessibilidades ao centro das cidades, em repercussão do aumento do teletrabalho e do aumento da procura deste tipo de habitação).

“Mas naturalmente em alguns concelhos os preços poderão também descer, como de resto aconteceu em 2020 e em 2021. Na essência, é a relação entre as duas vertentes (oferta e procura) que determina o acelerar ou o desacelerar do ritmo de crescimento dos preços”.

O mercado da resiliência Não há dúvidas que apenas uma palavra pode caracterizar o setor imobiliário nesta crise pandémica: resiliência. O presidente da APEMIP lembra que a construção não parou e os projetos imobiliários continuaram. E continua: “A procura não desceu e o setor adaptou-se à nova realidade, principalmente através das novas tecnologias, que ajudaram na divulgação e concretização de negócios. As transações aconteceram e a partir de meados do ano intensificaram-se. Terminámos o ano com vendas quase a atingirem números pré-pandemia”.

E, de acordo com os dados recolhidos pela associação, no segundo trimestre do ano passado, foram transacionados 52 855 alojamentos familiares, o que correspondeu a um crescimento homólogo de 58,3%. Ainda no mesmo período, o valor das vendas ascendeu a 8,5 mil milhões de euros, um crescimento de 66,5% face a idêntico período de 2020 (5,1 mil milhões de euros, no segundo trimestre 2020. Perto de 6,9 mil milhões de euros correspondem a alojamentos existentes e 1,6 mil milhões de euros a transações de alojamentos novos, detalha Paulo Caiado.

Resiliência que é também apontada por Ricardo Sousa. “Tendo em consideração o perfil conservador dos portugueses em matéria de investimento e com o aumento dos níveis de poupança das famílias, o mercado residencial tornou-se a opção principal de investimento”. E por isso diz ser expectável que em 2021 se superem as 180 000 transações residenciais, com um crescimento superior a 10%, relativamente a 2020. “Estima-se que o volume de vendas deste setor supere os 26.000 milhões de euros, o que pode representar um incremento de mais de14%, influenciado, sobretudo, pelo aumento dos valores médios de transação”, acrescenta.

Por seu turno, Rui Torgal destaca a recuperação já iniciada em 2021 e defende que em 2022 “iremos atingir a recuperação plena do setor”.

Uma opinião partilhada pelos restantes responsáveis. “Em 2021, o mercado imobiliário português também continuou a captar um forte interesse de clientes e investidores estrangeiros, o que alavancou o dinamismo do setor e permitiu que as boas oportunidades de negócio fossem rapidamente aproveitadas”. É que, apesar das incertezas vividas devido à pandemia, “o mercado adaptou-se e transformou-se, criou novas mecânicas de trabalho e passou a utilizar cada vez mais os benefícios da tecnologia e do digital, de forma a continuar a dar resposta aos desafios e às necessidades do cliente”.

Já a Remax fala num ano “bastante dinâmico”, tendo até a imobiliária “registado o seu melhor ano de sempre nas mais diferentes variáveis analisadas”.

Moratórias As moratórias já chegaram ao fim no ano passado mas só a partir deste mês é possível começar a fazer ações de despejo por falta de pagamento. Questionado sobre este assunto, Paulo Caiado diz não existirem números que possam ser avaliados. Mas defende que desde o início da pandemia que as instituições bancárias estavam “conscientes deste impacto das moratórias”. E garante que “têm inclusive anunciado que estão em condições de negociarem as normas do contrato para que os seus clientes possam cumprir as suas obrigações”. Por isso diz esperar “que não exista nenhum tipo de impacto com significado”.

Já Ricardo Sousa destaca que, neste caso, “a exposição a esse risco é maior no segmento dos imóveis não residenciais. Nos imóveis residenciais, nesta fase, é expectável um muito baixo risco de despejos”.

E Rui Torgal é perentório: este é um assunto falado há muito tempo e, por isso, as famílias tiveram tempo para se preparar. “Ao longo desse tempo, acreditamos que tenham sido criadas as condições para gerir a situação quer seja através da negociação dos seus créditos à habitação, ajustando assim as condições de pagamento à realidade de cada família, bem como pela mudança para uma casa de menor valor e que esteja mais de acordo com o orçamento atual de cada família, de forma a garantir segurança e estabilidade financeira”, diz ao i, acrescentando que acredita que “o risco de incumprimento seja controlado e não leve a situações de extremo aperto financeiro”. E diz ainda acreditar que “o aumento da oferta resultante do fim das moratórias será contido, ou seja, não será expressivo para o mercado nem terá efeito nos valores de venda”.

Já Beatriz Rubio confessa que o fim das moratórias poderá trazer mais casas para o mercado mas “o impacto global será reduzido”. E acrescenta: “Em algumas zonas, em que haja de facto um acréscimo significativo da oferta, poder-se-á ter um reflexo nos preços praticados, mas não podemos esquecer que a localização do imóvel é o principal fator condicionante do preço, pelo que na grande maioria das regiões do país não se registarão mudanças de relevo”.

Mercado de arrendamento E se no segmento de venda não são esperadas quebras, o que podemos esperar do mercado do arrendamento para este ano? Para o presidente da APEMIP é claro que “a pandemia veio descentralizar as cidades”, tendência que justifica com o teletrabalho e com o aumento da mobilidade. Assim, neste momento assiste-se a uma preferência na procura por imóveis fora dos centros urbanos. “Muitas pessoas passaram a valorizar outro tipo de imóveis, de acordo com as suas reais e atuais necessidades. Há muitos concelhos do nosso país que estão a conhecer novos e significativos fluxos de procura habitacional. Como consequência, muitas aldeias estão a conhecer um novo repovoamento”.

Uma tendência que confessa ser diferente nos grandes centros urbanos onde “continuam a ser necessárias mais casas para arrendar, de modo a acompanhar a procura”. Neste sentido, “um importante contributo para o aumento da oferta seria a agilização dos processos de licenciamento. As flutuações legislativas, associadas à tributação imobiliária, não têm contribuído para aquilo a estabilidade que este mercado anseia”. E é perentório: “Quando o Estado pensa em alterar o regime de tributação a que está sujeito quem coloca um imóvel no mercado de arrendamento, altera as normas, independentemente de ter a intenção de fazer algo positivo. Clarificar o regime tributário sobre imóveis, e dotar esse regime de perspetivas de estabilidade a longo prazo, é necessário”.

Do lado da Century 21, Ricardo Sousa diz ser “expectável que continue a existir uma escassez acentuada de oferta de soluções habitacionais de arrendamento e que os preços continuem condicionados pela capacidade económica dos jovens e das famílias que recorrem a esta opção”.

Já a ERA é clara: “O mercado de arrendamento continua a não satisfazer as necessidades habitacionais dos portugueses a médio e longo prazo, uma vez que se trata de um investimento a fundo perdido”. Para já, acrescenta, existe também “um reduzido número de imóveis para arrendamento, o que aumenta as rendas e limita a escolha num momento em que as famílias têm novas necessidades e desejos”. Neste contexto, diz que atualmente “é mais vantajoso investir na compra de uma casa do que apostar no arrendamento, tendo em conta a facilidade em obter um crédito à habitação em combinação com a reduzida taxa de juro”.

Por último, Beatriz Rubio avança que “o mercado de arrendamento é um mercado algo complexo e pouco concorrencial face ao mercado de compra/venda”. De facto, diz, os preços praticados “são muito elevados se compararmos com a prestação do crédito na compra”. E diz que, adicionalmente, “há uma enorme escassez na oferta, seja em quantidade, seja em diversidade”. A responsável lembra que, em algumas zonas, “quase nem existem imóveis para arrendar, forçando a procura a optar pela aquisição”. Por isso, não tem dúvidas: “O mercado de arrendamento é caracterizado por fatores que muito dificilmente se resolvem a curto/médio prazo (como o número de imóveis disponíveis), pelo que, globalmente, não se podem esperar alterações muito significativas em 2022”.