Costa encurralou-se voluntariamente

Como se explica a sua insistência num Orçamento chumbado – e que voltará a sê-lo, a menos que o PS tenha condições para o aprovar sozinho, isto é, tenha maioria absoluta? Explica-se exatamente por isso: Costa quis pressionar os eleitores a dar-lhe essa maioria.

Antes de começarem os debates televisivos, António Costa só tinha fechado uma porta: a porta à sua direita. 

Qualquer negociação com o PSD (ou com outro partido daquela área) estava para ele fora de causa.

Mas todas as outras hipóteses se encontravam em aberto.

Inclusive uma nova ‘geringonça’.

Ouvi pessoas muito próximas do primeiro-ministro defendê-la.

Porém, à medida que os debates avançavam, António Costa foi fechando mais portas.

Primeiro, afirmou que se demitiria caso perdesse as eleições; ou seja, a solução adotada há seis anos, quando perdeu mas mesmo assim formou Governo, ficou afastada. 

Depois, disse que, se ganhar as eleições mas sem maioria, não estará disponível para negociar com o BE e o PCP.

E assim, como ele próprio explicou, só ficaram de pé duas hipóteses: ou um acordo com o PAN ou governar ‘à Guterres’, isto é, procurar aprovar as leis caso a caso.

Mas falar de um acordo com o PAN significa praticamente o mesmo que pedir uma maioria absoluta – pois aquele partido não deverá eleger muitos deputados; e governar ‘à Guterres’ será um inferno.

Todos nos lembramos do que foram esses governos, com os orçamentos, no fim, a serem aprovados com o voto do deputado Daniel Campelo (o do ‘queijo Limiano’).

Não acredito que Costa queira repetir essa experiência.

Recordo que, depois da demissão de Guterres, José Sócrates me confidenciou que o falhanço da maioria absoluta nas eleições de 1999 o deitara profundamente abaixo.

Logo aí Guterres percebeu que não completaria a legislatura. 

Não conseguiria andar mais quatro anos a negociar as leis uma a uma.

E aproveitou a derrota nas autárquicas para se livrar do Governo. 

Ora, António Costa acompanhou de perto este processo. E será isso mesmo que estará agora na sua cabeça: ou consegue a maioria absoluta ou vai-se embora na primeira oportunidade.

Aliás, só nesta perspetiva faz sentido ter apresentado como grande trunfo, no debate com Rui Rio, o Orçamento chumbado pelo Parlamento. 

O que estaria na sua cabeça quando, no fim do debate com Rio, António Costa agitava freneticamente o exemplar do Orçamento para 2022 (fazendo irresistivelmente lembrar José Sócrates, quando brandia o PEC 4)? 

Por que razão o fez?

Como se explica a sua insistência num Orçamento chumbado – e que voltará a sê-lo, a menos que o PS tenha condições para o aprovar sozinho, isto é, tenha maioria absoluta?

Explica-se exatamente por isso: Costa quis pressionar os eleitores a dar-lhe essa maioria.

Quis dizer-lhes que, se isso acontecer, a classe média terá já os novos escalões de IRS, os pensionistas terão já os seus aumentos e os jovens as suas facilidades; mas, caso contrário, tudo perderão.

Tudo ficará em águas de bacalhau.

E com ele passar-se-á o mesmo.

António Costa está a apostar no tudo ou nada: ou lhe dão a maioria absoluta, permitindo a aprovação daquele Orçamento e uma governação estável – ou não lha dão, o OE será chumbado, a governabilidade complicar-se-á terrivelmente e ele não estará interessado em continuar.

Estou convicto de que, ou António Costa consegue a maioria absoluta e permanecerá como primeiro-ministro, ou não a consegue e irá à sua vida. 

Ele achará – com alguma razão – que não valerá a pena continuar a andar mais quatro anos numa incerteza, como aconteceu nos últimos dois.

Ainda por cima, tendo fechado portas à direita e à esquerda, com quem negociaria as leis que quisesse publicar?

Nestas eleições, António Costa não concorre pela vitória – concorre apenas pela maioria absoluta.

Se não a tiver, demitir-se-á na primeira oportunidade – que até poderá ser o chumbo do Orçamento do Estado, que não negociará com ninguém.

E aí virá um novo líder do PS, que terá as mãos livres para fazer tudo o que quiser – negociar à esquerda ou à direita, dependendo de quem ele for.

António Costa encurralou-se voluntariamente, por uma razão muito simples: só a maioria absoluta lhe interessa.