O estranho caso dos irmãos Bogdanoff

Membros do restrito clube dos 0,01% mais inteligentes, Igor e Grichka foram meninos-prodígio e estrelas da TV. Depois, ficaram desfigurados, viram-se envolvidos em polémicas e processos, e morreram de uma maneira estúpida.

Jovens, bonitos, poliglotas e intelectualmente brilhantes, os gémeos Bogdanoff formavam uma dupla imbatível. E inseparável. Nascidos a 29 de agosto de 1949 em Saint-Lary, na Occitânia (França), corria-lhes sangue azul nas veias. O pai era um pintor filho de emigrados russos fugidos da revolução de 1917, e havia sido criado em Espanha por um príncipe. A mãe era filha de uma condessa.

Tão distinta linhagem traduziu-se em cinco crianças, entre as quais os gémeos Igor e ‘Grichka’ (petit-nom de Grégoire) cedo se destacaram. Alunos brilhantes, terminaram o ensino secundário com apenas 14 anos. Aos 15, já sabiam pilotar aviões, acumulando horas de voo. Em 2019, Grichka viria a revelar: «Aos 11 anos, passámos em testes que nos mostraram que fazíamos parte dos 0,01% da população que possui um quociente intelectual superior a 190».
Na universidade, estudaram Matemática Aplicada, que parecia o desafio indicado para as mentes dos jovens-prodígio. E aos 26 publicaram um livro prefaciado por Roland Barthes, Clefs pour la science-fiction (Chaves para a Ficção-Científica), com um êxito considerável.

Mas procuravam outro tipo de notoriedade. Em setembro de 1976, Grichka, mais atrevido, ligou vezes sem conta para a TF1, a televisão estatal francesa, até conseguir falar com o apresentador do telejornal da hora de almoço. No dia seguinte, estavam em direto a apresentar o seu livro. A prestação dos gémeos não passou despercebida. Nesse ano começaram a aparecer regularmente na televisão, com uma rubrica sobre ficção científica no programa Un sur cinq, na Antenne 2, o equivalente do Canal 2.

Segue-se um espaço sobre robôs e extraterrestres no programa de domingo de Yves Mourousi, o apresentador que lhes dera a primeira oportunidade no pequeno ecrã.

Por fim, em 1979, têm o seu programa em nome próprio, Temps X 22, 23, onde, vestidos com indumentárias futuristas revelam ao público francês séries como A Quinta Dimensão, Espaço: 1999 e Star Trek – O Caminho das Estrelas. A par de temas mais populares, como OVNIs, (além dos robôs e da vida extraterrestre), abordam questões mais especulativas: não é impunemente que Igor tem um mestrado em Semiologia e Grichka estudou em Sciences-Po.
Mas é justamente quando começam a aprofundar o seu percurso académico que os gémeos começam a ter problemas. A primeira versão da tese de Grichka tem de ser completamente rescrita antes de lhe ser atribuído o doutoramento. E Igor não consegue fazer a defesa da sua tese. Só obterá o título se conseguir publicar três papers científicos escrutinados pelos seus pares, o que cumpre em 2002. Curiosamente, os alunos brilhantes deixaram entretanto de o ser: ambos obtêm o diploma de doutoramento com a classificação mais baixa.

Mas isso talvez fosse o que menos importava. Célebres e ricos, os gémeos tinham entretanto carreiras paralelas como estrelas da TV. Os honorários dos seus livros e programas haviam-lhes, entretanto, permitido comprar o Château d’Esclignac, um palácio-fortaleza construído em 1032 (isso mesmo, século XI) no Sul do país, perto de Toulouse.

O caso das teses falsas
O verdadeiro escândalo rebentou em outubro de 2002, naquele que ficou conhecido como ‘affair Bogdanoff’ ou ‘caso Bogdanoff’, quando dois físicos de renome, Max Niedermaier e John Baez, acusaram os gémeos de fraude intelectual. Os seus doutoramentos, defendia Baez, eram «uma miscelânea de frases apenas superficialmente plausíveis contendo as palavras-chave certas aproximadamente na ordem certa. Não há lógica ou coerência no que escrevem», sentenciou. Demasiado ocupados com os seus compromissos sociais e televisivos, os Bogdanoff ter-se-iam limitado a encadear uma sequência de expressões em jargão científico. Porém, nem assim tinham conseguido impressionar os júris dos seus doutoramentos. 

O Centre National de Recherche Scientifique, o grande ‘templo’ das ciências, abriu um inquérito. A conclusão acerca das teses de doutoramento, que depois foi revelada pela imprensa, era categórica: «Perante tantas faltas de sentido, confusões e incompreensões manifestas, não se pode considerá-los textos científicos sérios».

Talvez os gémeos tivessem bebido inspiração no exemplo de Alan Sokal, o matemático que em 1996, para denunciar os exageros teóricos do pós-modernismo, enviara para uma revista especializada em estudos literários um artigo impenetrável onde abundavam os conceitos e palavras difíceis. A revista publicara o artigo, ignorando que se tratava de uma paródia cheia de frases sem sentido, o que levou depois Sokal a escrever, com Jean Bricmont, o livro Imposturas Intelectuais, no qual apontava o dedo a autores ‘inacessíveis’ como Jacques Lacan e Gilles Deleuze.

Os gémeos tinham, entretanto, outro problema: outrora donos de um charme irresistível (Igor teve seis filhos de três casamentos, enquanto Grichka nunca casou), as suas feições começavam a ficar deformadas. Embora negassem ter realizado quaisquer cirurgias plásticas, era cada vez mais indisfarçável que, no mínimo, tinham abusado do botox. Os seus rostos atraentes tinham dado lugar a feições que pareciam saídas de um filme de ficção científica ou do lápis de um caricaturista de rua, com os queixos exageradamente projetados e as maçãs do rosto salientes.

Eles próprios não se abstinham de zombar da situação. Quando um entrevistador lhes perguntou o que tinham feito às suas cabeças, responderam que haviam sido cobaias de um laboratório americano que os tinha exposto a radiação para poderem fazer um anúncio sobre extraterrestres. Mas o problema era sério, e na sua origem, além do botox especula-se que poderá ter estado uma hormona para tentar travar o envelhecimento.

Os processos, envolvendo apropriação indevida de dinheiro, documentos duvidosos, compras de carros de luxo e até de um helicóptero, sucediam-se, enquanto o castelo d’Esclignac se degradava a olhos vistos. Mas com mais ou menos escândalos à mistura, os gémeos Bogdanoff continuaram a fazer parte da alta sociedade francesa. Próximos de François Sarkozy, em 2017 a sua presença foi notada na tomada de posse de Emmanuel Macron.

Por razões ainda incertas, nenhum dos dois quis vacinar-se contra a covid-19. Com o ano de 2021 a terminar, contraíram ambos o novo coronavírus. Foram hospitalizados a 15 de dezembro. Grichka morreu a 28 de dezembro; Igor morreu seis dias depois. Naturalmente, foram enterrados juntos.